Dentro da história rubro-negra, existem duas grandes tradições em relação à cobrança de faltas. A primeira é a dos grandes batedores, gente como Zico, Junior, Petkovic, até mesmo Renato Abreu e Ronaldinho Gaúcho, que encurtavam distâncias, superavam barreiras, tornavam a bola parada de fora da área tão ou mais perigosa que um pênalti. São cobranças históricas, gols antológicos, batidas na bola realizadas com uma classe e refinamento que pouca gente conseguiria fazer com as mãos, que dirá com os pés.
Mas como qualquer torcedor também sabe, existe uma segunda grande tradição rubro-negra que é a dos jogadores que não sabem bater falta, mas pensam que sabem. Pra cada chute magistral de um Zico, existiram dez ocasiões em que um Rafael Vaz da vida pegava a bola, mandava todo mundo se afastar, e acertava na virilha do primeiro homem da barreira. Pra cada golaço inesquecível de um Junior Capacete, existiam ao menos cinco jogadas ensaiadas realizadas por Walter Minhoca em que ele tentava um chute, errava o cruzamento, armava um contra-ataque.
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E é nessa conjunção agridoce de nostalgia e trauma, que quase sempre se encontraram as cobranças de David Luiz, este homem que, como todos os narradores faziam questão de nos lembrar, fez sim um gol de falta numa Copa do Mundo, mas essa Copa do Mundo aconteceu dez anos atrás e bem, digamos que se algo aconteceu quando Aécio Neves era um candidato viável pra presidência do Brasil e um filme do Woody Allen garantiu Oscar pra alguém, muita coisa pode já ter mudado desde então.
Porém após bolas que passaram por absolutamente todo o espectro possível das faltas, indo desde o “quase lá” até o “meu deus, por que ele ainda insiste?”, na noite desta quarta-feira, em Belo Horizonte, o nosso zagueiro reserva e coach titular da base, usou menos a técnica, menos a força, e mais a inteligência. David Luiz achou o buraco na barreira e se aproveitando do fato de que a essa altura o goleiro Cássio tem menos reflexo que um vampiro , decidiu a partida para o Flamengo, garantindo 3 pontos importantíssimos para nossa posição no G4.
Foi um grande jogo? Não foi, obviamente. A equipe mista montada por Filipe Luis tranquilamente poderia ter sido algo que Joaquin Phoenix assistiu na preparação para o papel de Coringa, com Plata novamente uma presença negativa em campo e Allan cada dia mais tentando disputar com nomes como Mozart, André Gomes, Jailton, Clayton, Val “ABC da Construção” e Fernando (irmão do Carlos Alberto) uma vaga no panteão dos mais terríveis volantes que já vestiram o manto rubro-negro.
Mas por pior que a partida tenha sido, é inegável que cumpriu tudo que se poderia esperar dela. O Flamengo precisava vencer e venceu, Filipe Luís queria descansar vários titulares e conseguiu, era preciso dar mais tempo e oportunidade para alguns atletas e nomes como Alcaraz aproveitaram bem a chance pra mostrar que podem oferecer mais do que vinha parecendo.
O que temos pela frente agora é apenas ele, o jogo mais importante do ano. 90 minutos para garantir a conquista da Copa do Brasil, salvar uma temporada que parecia estar no lixo e mostra que talvez tenhamos encontrado um caminho para um 2025 melhor. Se o David Luiz conseguiu fazer aquele gol de falta que vinha tentando desde 2017, talvez o Flamengo possa sim, finalmente, reencontrar o futebol que estamos procurando desde o fim de 2019.