O Flamengo é tão gigante que se dá ao direito de chegar a final da Copa do Brasil e fazer um jogo de um time só. Foi isso que vimos quinta-feira no Maracanã. A equipe comandada por Rueda controlou as ações, manteve 63% de posse de bola, transmitiu razoável segurança, exigiu do goleiro adversário boas defesas, marcou um gol chorado e, não satisfeita, quando parecia que chegaria ao segundo, entregou o empate. Somos tão protagonistas que até o gol deles foi uma ação quase exclusivamente nossa.
Não deixe de ler: O ENEM do Rueda
Mas vamos começar do começo. Rueda resolveu nos surpreender e lançar Marcio Araújo no lugar do Cuéllar que estava voltando da sua seleção, mesmo não tendo jogado. Eu estava no Salete comendo uma das lendárias empadinhas de frango quando recebi a notícia e juro que não acreditei. Até gostaria de ter mais paciência com el comandante antes de afirmar isso, mas por se tratar das figuras em questão, não terei: o que diabos ele queria com essa merda? O único motivo para colocar o Marcio Araújo de titular e deixar o Cuéllar no banco é se o colombiano estiver com Ebola. Mesmo uma meningite ou cólera não seriam razões suficientes para justificar a troca. Uma simples viagem confortável de classe executiva então!
Mesmo assim, com bola rolando, o jogo era nosso. Nós contra nossos velhos erros e conhecidas deficiências, até porque o adversário é treinado pelo Mano Menezes e, como tal, não demonstrava muito interesse em atacar.
Foi apenas no segundo tempo, e depois dos devidos ajustes — leia-se a saída do volante que não citarei mais o nome porque só de digitá-lo fico com raiva — que chegamos ao gol. Na raça. Pelos pés do garoto Paquetá, meia talentoso que fez uma partida emocionante numa posição que não é a sua, compensado sua falta de proficiência como homem de referência do ataque com muita entrega e disposição. Mereceu o presente e ainda há de nos dar muitas alegrias.
Então virou festa. A torcida cantava. A equipe avançava. Parecia que terminaria ainda melhor.
Só que se tem alguém mestre em estragar a alegria do Flamengo é o Flamengo.
39 minutos. O jovem arqueiro Thiago, sabiamente escolhido por Rueda para a partida decisiva depois de mais um espetáculo de horrores do Muralha na semana passada, já havia feito uma linda defesa e tido seu nome gritado pela galera. Tudo perfeito até ali. Eis que o vilão de azul viu a defesa parada e soltou o pé. Um chutinho despretensioso de fora da área, maroto, facinho de catar, daqueles que o cara dá sem muita esperança. Mas nosso garoto garoteou. Sua rebatida para o meio da área foi tão equivocada que Arrascaeta demorou a acreditar que estava com o pelota no pé e o gol vazio a sua frente. Diria até que ficou constrangido de tocar a bola pra rede porque sabia que seu nome estaria na súmula mas que quem marcou esse gol fomos nós.
O silêncio que imperou no planeta foi inevitável. Apertaram o mute na galáxia. As supernovas pararam. Não foi uma ducha de água fria. Foi o Glacial Antártico com suas águas polares desaguando no Maraca. Após o apito do juiz, um gosto amargo na boca. Estávamos vencendo em casa, contra um adversário que não se esforçou muito para competir, e saímos sem nenhuma vantagem.
Mas passado o pileque, fica mais fácil notar que o retrogosto não é assim tão azedo.
Pensem: quando foi a última vez que vocês viram o Flamengo administrar bem uma vantagem em decisões?
Isso não é da índole rubro-negra.
Nosso negócio é sofrer até o fim, quando a glória nos aguarda sorridente.
Leia também: É inevitável
Acreditem: foi o melhor que poderia acontecer. Agora a partida de volta será em Belzonte e eles terão a obrigação de tentar algo mais ousado na frente da sua torcida. Têm o favoritismo todo nas mãos.
E é assim que a gente gosta. É assim que a gente sabe fazer.
Faltam noventa minutos.
Vai ser tenso e sabemos como terminará.
Vamos Flamengo.
Essa taça vamos conquistar.
****
O lance é que isso só vai acontecer no dia 27. Antes, usando a expressão da moda, temos que “virar a chave”. E não me refiro ao Brasileirão. Falo dos dois jogos pelas oitavas-de-final da Sul-Americana que, já disse e repito mil vezes, deve ser nossa competição foco no ano. Nosso esquadrão precisa de casca internacional. Ganhar milhagem continental antes de voltar para a Libertadores. Por isso é mais do que nunca hora de manter a cabeça no lugar e fazer o que precisa ser feito. A adorável Chapecoense que nos perdoe.
Pedro Henrique Neschling nasceu no Rio de Janeiro, em 1982, já com uma camisa do Flamengo pendurada na porta do quarto na maternidade. Desde que estreou profissionalmente em 2001, alterna-se com sucesso nas funções de ator, diretor, roteirista e dramaturgo em peças, filmes, novelas e seriados. É autor do romance “Gigantes” (Editora Paralela/Companhia das Letras - 2015). Siga-o no Twitter: @pedroneschling
Este texto faz parte da plataforma de opinião MRN Blogs, portanto o conteúdo acima é de responsabilidade expressa de seu autor, assim como o uso de fontes e imagens de terceiros. O Mundo Rubro Negro respeita todas as opiniões contrárias. Email: contato@mundorubronegro.com.
Foto no post e nas redes sociais: Gilvan de Souza/Flamengo.
Pedro Henrique Neschling nasceu no Rio de Janeiro, em 1982, já com uma camisa do Flamengo pendurada na porta do quarto na maternidade. Desde que estreou profissionalmente em 2001, alterna-se com sucesso nas funções de ator, diretor, roteirista e dramat...