Gerri Rodrian
A verdade é que somente deveríamos optar por uma única expectativa: que nosso time dispute o que puder e seja o melhor que puder.
Estética da Recepção, Teoria do Gosto e mais um bom punhado de matérias nos ensinam que muito além da obra, vale analisar o “leitor” e suas reações, o “crítico” e sua avaliação, e entender as causas e consequências sociais de um feito artístico.
Em geral, se supõe que apenas a obra em si é passível ou merecedora de interpretação e que a crítica é sempre uma expressão “honesta” e “sólida” de um determinado agente. Noutras palavras, é a aceitação do “gosto não se discute” e que não deveríamos avaliar esse “gosto”, embora muitas vezes a expressão/divulgação dessa “crítica” seja determinante para o mercado, para as expectativas alheias e para, afinal, a própria compreensão de uma determinada obra.
E, dentre todos os itens do fazer crítico, nenhum outro é tão importante quanto a expectativa - ou, como chamamos, a “leitura prévia”.
Noutro dia, um sujeito fez um comentário exemplar, num portal de cinema da internet, sobre um determinado filme: “não gostei, esperava que tivesse muito mais naves espaciais e batalha noutros planetas”. Ora bolas, afirmar não gostar de um filme por não ter algo que se esperou, tão especificamente, é um erro crítico grave. Primeiro, quem mandou esperar por “mais” naves - em verdade, quem mandou esperar por qualquer coisa? Que culpa tem a obra se seus criadores tinham em mente outro tipo de concepção?
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Não se trata de gostar ou não do que se vê, mas se trata de engolir a seco uma prévia frustração absolutamente desnecessária. Aí o sujeito tal não gostou do filme, não pelo que o filme tem de bom ou não, mas tão somente por não ver deliciado uns desejos pessoais. Com as expectativas frustradas, não poderia apreciar a obra, de fato, sem se sentir intelectualmente ou emocionalmente ferido.
É, por outro lado, quase impossível não criar algum tipo de expectativa sobre uma obra, antes de enfrentá-la. Antes de vermos um filme de terror, esperamos efetivamente por algum susto, nojo ou sensação de medo. Se escolhemos ver uma comédia, esperamos por piadas, cenas jocosas e leves. Trata-se aqui da tal “expectativa de gênero”. Mas até que ponto devemos particularizar uma expectativa? Quanto mais específicos somos em nossas expectativas, mais chances teremos de nos frustrar - e quando é que isso é proposital, quando é que nos colocamos nesse tipo de armadilha, por vontade mesmo?
Certa vez, na adolescência, fui ao cinema e, na correria, olhei para um cartaz, por uns dez segundos, havia uma lua cheia e algo que me pareceu um lobo. Comprei o ingresso e entrei, certo de que estava pra ver um filme de terror. Acabei colocado em grande estranhamento e confusão a cada cena. O filme, em verdade, era o tal “Feitiço da Lua”, um dramalhão romântico com Cher e Nicolas Cage. Não havia lobisomem e eu esperei por ele até a última cena. Detestei a experiência - e tão somente por culpa minha, uma vez que criei, mesmo que por desatenção - uma expectativa absolutamente estúpida.
Que culpa tem a obra, neste caso? Nenhuma. Talvez o criador do cartaz tenha relativa culpa, por ter apelado para uma estética ambígua - mas a verdade que a minha pressa nem me permitira fazer a devida leitura.
Geralmente, porém, não há esta pressa. Geralmente, bem sabemos, há uma escolha deliberada para a frustração ou para a simpatia - a boa ou má vontade. E, paradoxalmente, mesmo sem pressa, desde o primeiro segundo, toma-se a decisão final que nos guia adiante.
Outro bom exemplo, um torcedor, no twitter, comentou antes de um jogo: “menos que 3 a 0, nem comemoro”. Não obstante o possível cinismo do comentário, esta expectativa exposta de que algo deva ser de um jeito específico já é assumir um enorme risco para a frustração. O jogo em questão foi um 1 a 0 apertado, lacônico. Para quem não havia esperado nada, como eu, a vitória soou como hercúlea, suada, bonita.
Para quem esperava mais, que terá sido?
E a culpa é de quem?
Noutro dia, também, minha esposa apresentou-me um texto sobre relacionamentos e de como os relacionamentos acabam prejudicados por essa maluquice de botar expectativa no parceiro, de esperar de mais ou de menos que a outra pessoa seja ou haja de alguma maneira esperada. Além das obviedades do texto, disse a ela que é inevitável manter expectativas e que o problema - de fato - é o tipo de expectativa: a especificidade. Usei como exemplo a ideia de um time que está voando a dez partidas, goleando. No décimo primeiro jogo vai enfrentar o lanterna do campeonato: supomos todos que vai ganhar e golear. Neste caso, a surpresa pela mudança de comportamento é que é mesmo o problema.
Se todo os dias o seu marido acorda de mau humor, quando acordar cantarolando, sorrindo, eis que vai botar surpresa, estranhamento. Assim, não houve estranheza por botarmos “expectativas externas” (imaginadas), mas por vermos um comportamento não esperado que quebrou uma “expectativa de gênero” (empírica), que o outro nos apresentara cotidianamente.
Quando o seu time de futebol começa o campeonato brasileiro de 2019, qual a sua expectativa? Ora, um torcedor do Vasco que criar a expectativa de vencê-lo estará fadado a uma frustração meteórica. Um torcedor do Flamengo, por outro lado, pelo elenco e investimento, pode se dar ao luxo de esperar pelo título. Mas, não vindo o título, que análise fará? De que “o filme” não foi bom?
A verdade é que - honestamente - somente deveríamos optar por uma única expectativa: que nosso time dispute o que puder e seja o melhor que puder. Não quero passar o ano todo num desafio premonitório, num embate desgastante entre o que eu quero e o que é real, entre o que deveria ser e o que deverá, de fato, ser.
“Ah quanta complexidade em tudo!”, me dirão os jovens. E eu mesmo me digo, enfadado. Querendo ou não, é assim que a vida vive, assim que o mundo se rebola.
Sinceramente, jogo a jogo, espero apenas pela disputa. Acirrada. A cada confronto, a expectativa é ver a luta, sem moleza, sem apatia.
Afinal, este filme é Flamengo. Seu gênero é raça.
De resto, é esperar e sentir, apreciar o que este filme nos dará nesta temporada. Depois, a gente faz a crítica, avalia, dá as estrelas que a obra merecer.
Orra, é Mengo!
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Paulista de Osasco, nascido em 1974, casado. Formado em Letras na USP, dramaturgo, profissional da área multimídia e servidor público federal. Rubro-negro desde 1980.