Abel Braga, elenco, uso da base, relações externas e o mercado da bola: as escolhas e desafios da nova diretoria
Saudações flamengas a todos,
Definido que os destinos do Flamengo, no triênio que se inicia em 2019, serão comandados por Rodolfo Landim e os membros da dita “Chapa Roxa”, cumpre externar quais as expectativas e as perspectivas que nos aguardam, especialmente naquilo que diz respeito à ansiedade por títulos e conquistas expressivas a curto prazo.
É bem verdade que, decorridos apenas quatro dias do pleito, estampar inapeláveis certezas soa insensato. Mas os sinais que despontam aqui e ali já permitem inferir algo. Então, neste último texto do difícil ano de 2018, tentar-se-á buscar alguns dos elementos que formarão a cara desse novo Flamengo. Ou, ao menos, alinhá-los com as expectativas criadas pelo resultado das eleições.
1 – ABEL
Definitivamente, Abel Braga não é um nome que suscite laivos de satisfação à sua menção. Perfil abertamente old school, que se notabilizou por uma forma de jogar francamente defensiva (o que se chamava, em priscas eras, de retranqueiro), modelou, em seu último trabalho, um Fluminense que vivia de contragolpes e de uma mortal bola parada. Não logrou resultados expressivos, a despeito de poder ostentar, à guisa de álibi, a falta de consistência de um plantel com algum talento instalado, mas sem a “casca” necessária para maiores ambições. Também depõe contra Abel seu extenso currículo, como jogador e treinador, posto a serviço de Vasco, Fluminense e Botafogo, o que criou elementos de aresta com boa parte da Nação negra e rubra. Sua única passagem como treinador do Flamengo, em que levou um indigente elenco ao Título Estadual de 2004 (o campeonato “da poeira”), mas, em paralelo, protagonizou um dos maiores vexames da história rubro-negra, ao perder, em pleno Maracanã, a Copa do Brasil do mesmo ano para um improvisado time de segunda divisão, igualmente não ajuda Abel a desfrutar de um conceito positivo entre os flamengos.
A favor de Abel pesa a vasta experiência, o bom histórico de condução de vestiário e os desempenhos razoáveis a bons quando dispôs de elencos qualificados. Talvez seja pouco para os anseios de um Flamengo que se pretende hegemônico. Mas, em um contexto em que o primeiro passo para uma desejada Era de Títulos sequer foi dado, talvez Abel reúna o perfil adequado para, “fazendo o simples”, cuidar para que a notável capacidade técnica de boa parte do plantel do Flamengo (já tendo em vista os reforços) possa, enfim, fazer a diferença. É a opção por um bem-vindo pragmatismo, após anos de apostas por jovens inexperientes e sem a vivência necessária para colocar-se à frente da comissão técnica de um clube da dimensão do rubro-negro.
Por fim, uma perguntinha marota: a vinda de Abel acena com a perspectiva de se montar uma equipe defensiva, veloz e dada à exploração de bolas alçadas à área adversária. Mas competitiva e aguerrida. É um perfil que difere muito do que apresentou o trabalho do (até hoje) incensado Reinaldo Rueda, nos três meses em que esteve à frente do Flamengo? A pensar.
2 – ELENCO
Certamente haverá algo próximo a quarenta milhões de visões distintas sobre o perfil do elenco atual do Flamengo. Então, não se pretenderá nessas linhas incorrer na armadilha de cravar verdades absolutas. De qualquer forma, em um plano geral, o grande problema do Flamengo não tem residido na qualidade de sua mão-de-obra. Óbvio que há pontos fracos, mas, com o que dispõe, o rubro-negro já poderia E DEVERIA ter erguido troféus relevantes desde 2017. O que não negligencia a necessidade de aprimoramento constante e contínuo, seja por reposições ou upgrade mesmo.
Sem se estender muito, há lacunas na lateral-direita, na zaga e na posição de segundo volante. As saídas de Paquetá e dos pontas criaram a necessidade de reposições nesses setores. Hoje, a espinha dorsal da equipe funda-se em Léo Duarte, Cuellar, Éverton Ribeiro e Vitinho. A situação de Diego Alves parece administrável e reversível. O Flamengo precisará dele (especialmente o do primeiro semestre). Quanto à tal “barca”, soa indispensável a presença de nomes como Rever, Rômulo (por falta de condições físicas), Pará, Matheus Sávio (deficiência técnica) e Willian Arão (inadequação de perfil competitivo). Quanto ao meia Diego, ainda pode ser bastante útil, desde que atendidas determinadas premissas de contexto. Que não o encaixam como “o” protagonista.
3 – GESTÃO DE ELENCO E PRIORIZAÇÕES
Elencos qualificados tornam previsível a disputa de competições de pontos corridos de longo prazo. Isto posto, o Flamengo deveria priorizar a campanha do Campeonato Brasileiro, torneio que já demonstrou potencial para conquistar. No entanto, o acúmulo de jogos no segundo semestre torna imperioso saber rodar o elenco, fomentando um choque de cultura e montando um plantel vasto e numeroso, consciente da necessidade de manter jogadores aptos ao ritmo de competição. Esse trabalho deveria iniciar já no primeiro semestre, mantendo duas equipes em atividade contínua (uma às quartas e outra nos finais de semana, por exemplo). A realidade atual do nosso calendário torna inescapável essa necessidade, com a qual a Diretoria que agora está de saída não soube lidar. Que os novos dirigentes tenham essa premissa em mente.
4 – DIVISÕES DE BASE
De todos os aspectos ligados à “nova cara” do futebol do Flamengo, a mais preocupante é, sem dúvida, a forma como serão tratadas as Divisões de Base. Com efeito, é nítida a percepção de talento egresso dos “juniores”, bem como a intensificação do uso dos jovens. Em que pese a necessidade do clube ainda amadurecer na forma de lidar com as pressões crescentes dos garotos (e principalmente de seus representantes) para forçar uma venda precoce, antes da geração de retorno esportivo (algo que aprimoraria o “timing” das saídas de dois dos principais jogadores da equipe esse ano), reveste-se em erro primordial negligenciar a oferta de mão-de-obra proveniente dos “Garotos do Ninho”. Em 2019, há a perspectiva de desenvolvimento da transição de nomes como Thuler, Jean Lucas, Lincoln, além da expectativa de aproveitamento, mesmo que preliminar, de Michael, Hugo Moura e alguns outros nomes. Sem falar na gestação de Hugo, Reinier, Victor Gabriel, apenas para citar os jogadores mais badalados. Investir no desenvolvimento de jogadores da base, no caso do Flamengo, traz, muitas vezes retorno mais certo do que apostar em atletas caros, de nível duvidoso e sem a menor identificação com o clube (prática recorrente nos primeiros anos da Administração Bandeira, em que o futebol era tocado por pessoas da Chapa recém-eleita). Porque, se bem usada, a base sempre servirá de elo entre o time e sua torcida. E trará respostas rápidas.
5 – RELAÇÕES EXTERNAS
Se o futuro das Divisões de Base causa apreensão, a questão da forma como o Flamengo irá interagir com os demais atores envolvidos no “negócio” futebol suscita uma expectativa quase entusiástica. Não que, de hora pra outra, o clube passará a ser acariciado por Federações e redes de comunicação. Mas soava nítido o despreparo do clube nesse aspecto. Agressivo, refratário ao diálogo, inábil no trato, o rubro-negro semeava demonstrações até caricatas de má vontade, o que pode ser demonstrado pela forma como o clube era achincalhado por erros grosseiros e unilaterais de arbitragens em competições regionais, nacionais e continentais. Aliás, não deixa de ser enervante constatar que o Flamengo “conseguiu” ser perseguido por CBF e Conmebol, mesmo com as duas entidades colecionando atritos entre si. Outro ponto que merece atenção são as transmissões dos jogos em TV aberta, fechada e pay-per-view, onde o clube não raro é agraciado com narrações parcialmente adversas ou mesmo hostis, tratamento bastante distinto do reservado a outros clubes de ponta, especialmente os paulistas. As recentes manifestações do Presidente eleito, inclusive de apreço ao diálogo, criam sólida expectativa de progressos nessa área.
6 – REFORÇOS E MERCADO
Impossível avaliar com serenidade o caudaloso e quase desumano volume de especulações, cavadas, “sondagens de opinião” e coisas do tipo, que “colocam” jogadores no Flamengo com uma frequência quase horária. De qualquer forma, o clube deveria buscar atletas capazes de entregar qualidade, competitividade e intensidade. Perfil bastante distinto do apregoado em alguns rumores que chegam a ser assustadores, tal sua inadequação. Enfim, que os “novos donos” do futebol, até pela ênfase com que se desconstruiu (não sem certa razão) a política de contratações do triênio passado, não incorram em erros semelhantes.
Dinheiro, ao que parece, há.
Os Alfarrábios entram em recesso para gozo de merecidas férias do titular. Retorno previsto para 16 de janeiro. Boas festas a todos.
Imagem destacada no post e redes sociais: Leonardo Buarque / MRN
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Adriano Melo escreve seus Alfarrábios todas as quartas-feiras aqui no MRN e também no Buteco do Flamengo. Siga-o no Twitter: @Adrianomelo72