É muito difícil avaliar o trabalho de um treinador em pouco tempo. Fica mais difícil avaliar o trabalho desse treinador se ele tiver chegado ao clube no auge da temporada, em meio a uma sequência de decisões e assumido um time que se arrastava como zumbis sem alma pelo campo. Dificulta mais ainda fazer a análise se esse treinador for estrangeiro, com formação em outra escola e não falar o idioma dos seus jogadores. E é esse o quadro para quem quiser ousar falar qualquer coisa sobre nosso comandante Reinaldo Rueda agora.
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Evidentemente que aterrissar ao Flamengo trazendo na bagagem o título de mais vitorioso treinador das Américas nos últimos anos trouxe com ele uma expectativa continental, sobretudo porque andávamos estupidamente carentes de um técnico com currículo inquestionável que já não começasse o trabalho cheio de senões a cada tropeço. Mas, com um mínimo de coerência, é bastante óbvio que não há qualquer chance de se tirar conclusões sensatas sobre a eficiência ou não do colombiano até agora. Tudo que dissermos será mera intuição e pressa.
Claro que após mais duas atuações desastrosas ao longo dessa semana qualquer um já tem seus questionamentos a levantar. Eu pelo menos tenho os meus, como sua insistência em improvisar laterais e praticamente proibi-los de avançar ao ataque, sua aparente certeza que Diego e Everton Ribeiro não podem atuar no mesmo time sabe-se lá porque, sua decisão esquisitíssima de escalar uma equipe reserva num clássico mesmo o time titular ainda não tendo encaixado e a vaga na Libertadores do ano que vem não estar nem um pouco assegurada.
Mas como disse, isso são pulgas atrás da orelha. Não dá pra esquecer que o quadro vinha bem pior lá atrás e achar que el profe ia chegar e fazer um feitiço com varinha de condão e puft, tudo resolvido, é coisa de quem não entende nada de dia a dia no esporte. Não existe mágica. Existe persistência e trabalho.
Prefiro sempre procurar o lado bom da coisa. E o que de alguma forma me animou depois de uma partida assustadoramente abaixo do nível que se espera de um elenco caro e renomado como o que o Flamengo tem hoje contra a Chapecoense pela Copa Sul-Americana, foi uma declaração do Rueda na entrevista coletiva pós-jogo.
“Essas partidas às vezes são para guerrear, e o Fla quer jogar bonito sempre. Partidas internacionais, às vezes não se joga, se compete. E o Flamengo tem que diagnosticar isso. Jogo bonito para plateia é quando estiver 6 a 0. Com o placar 0 a 0, temos que competir, correr e guerrear.”
Quase chorei! Porque se existe algo que eu realmente espero que Rueda traga para o Flamengo é essa consciência, esse espírito competitivo que perdemos em algum lugar nos últimos anos (ou seriam décadas?).
Não existe lógica possível para os que amam: o fato de sermos uma Nação e termos no peito uma paixão que torna inabalável a certeza de sermos maiores que o mundo, nos faz esquecer que no futebol tamanho não é documento. Sempre seremos maiores que os outros, mas nem sempre os venceremos. Torcedor rubro-negro estende faixa dizendo que um campeonato do nível do Brasileirão é obrigação. E acredita nisso, faz parte do nosso DNA.
O fato é que ganhar nunca será obrigação. Mas competir com galhardia e competência até o final, isso sim é. Especialmente para o Maior Clube do Universo e Arredondesas.
Enquanto essa mentalidade combativa não retornar ao Flamengo, seguiremos sofrendo torneio após torneio como temos sofrido e quem disser que eu estou maluco, sinto muito, está vivendo em negação.
Rueda foi convocado para essa difícil missão. E vê-lo declarar sua consciência do fato foi extremamente animador, mesmo sabendo que estamos longe do objetivo. Óbvio que queremos que o nó se dissolva o quanto antes, ninguém aguenta mais ver nosso time patinar e dar moles inacreditáveis, nos últimos anos foram muitos traumas e consideravelmente menos alegrias do que ambicionamos.
No futuro próximo, tudo pode acontecer nas decisões que se precipitam. Acredito de verdade nos nossos triunfos. Mas haja o que houver para o bem ou para o mal temos que ter consciência que só o tempo permitirá o trabalho do técnico ser assimilado por todos no clube e então definitivamente aparecer em campo e na sala de troféus.
Talvez isso aconteça esse ano.
Talvez não.
Só não podemos nos deixar cegar pelo imediatismo da paixão. É a vez do Flamengo, como instituição, amadurecer. E quem ama de verdade precisa apoiar.
Pedro Henrique Neschling nasceu no Rio de Janeiro, em 1982, já com uma camisa do Flamengo pendurada na porta do quarto na maternidade. Desde que estreou profissionalmente em 2001, alterna-se com sucesso nas funções de ator, diretor, roteirista e dramaturgo em peças, filmes, novelas e seriados. É autor do romance “Gigantes” (Editora Paralela/Companhia das Letras - 2015). Siga-o no Twitter: @pedroneschling
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Pedro Henrique Neschling nasceu no Rio de Janeiro, em 1982, já com uma camisa do Flamengo pendurada na porta do quarto na maternidade. Desde que estreou profissionalmente em 2001, alterna-se com sucesso nas funções de ator, diretor, roteirista e dramat...