
Nada do Flamengo. Tudo pelo Flamengo.
A frase é velha conhecida nossa, mas ganhou novo fôlego com a escolha de Zico como Embaixador oficial do Clube de Regatas do Flamengo. Não por acaso. Porque, no fundo, essa escolha não é uma estratégia de marketing, tampouco um gesto simbólico. É simplesmente o reconhecimento daquilo que já estava dado: o Flamengo é Zico, muito mais do que Zico é Flamengo.
➕ Sem peña de nosotros | Coluna do Paulo LIma
Falo com o coração rubro-negro de quem está há 17 anos fora do Brasil, tendo vivido em três países — Estados Unidos, Itália e, hoje, Bélgica. E falo também com o coração de quem jamais saiu do Maracanã, mesmo de longe.
Porque quando se fala de Flamengo, fala-se de memória, de infância, de rádio ligado em ondas curtas, de gol no Fantástico, de camisa rubro-negra no peito no recreio da escola. Fala-se de Zico, Júnior, Leandro, Adílio e Andrade. Fala-se da Seleção de 1982 que marcou gerações, e de um clube que virou muito mais que clube: virou linguagem, identidade, religião.
Há alguns anos, numa corrida de táxi em Roma, o motorista me perguntou que time eu "tifava". Respondi, com o sorriso que nos acompanha sempre que essa pergunta surge: “Flamengo”. Por um instante, ele hesitou. Mas, segundos depois, veio o estalo: “Ah! Zico!”. Os olhos dele se iluminaram. “Maglia rossonera, come il Milan, ma con più anima” — camisa rubro-negra, como a do Milan, mas com mais alma. Não precisei dizer mais nada ante aquele romanista.
Situações como essa se repetem. Em Bruxelas, onde moro hoje, ou em Nova York, onde vivi anos atrás, é comum ver estrangeiros que, ao ouvir “Flamengo”, imediatamente ligam ao nome de Zico. E quando não ligam, basta mostrar uma imagem da camisa, falar de Maracanã e contar uma ou duas histórias: não há quem resista.
Apesar de sua imensa popularidade — o Flamengo é, com folga, o clube com a maior torcida do mundo —, essa força ainda é percebida como um fenômeno doméstico.
Mas isso está mudando. E pode mudar muito mais. Segundo o Itamaraty, cerca de 5 milhões de brasileiros vivem legalmente no exterior. Se apenas 1/5 disso forem rubro-negros — o que é uma estimativa bastante conservadora —, estamos falando de 1 milhão de torcedores fora do país. Agora imagine o potencial se somarmos estrangeiros que já torcem, simpatizam ou se interessam pelo clube por causa de Zico. A ponte está feita. Basta atravessar.
Zico homenageado na Itália pelos torcedores da Udinese. Ídolo agora é oficialmente embaixador do Flamengo. Foto: Divulgação
Zico é, sem exagero, a maior lenda viva do futebol brasileiro. E o Flamengo acerta — mais uma vez — ao reconhecê-lo como seu embaixador. Mas é preciso que essa função vá além das homenagens.
Zico pode abrir alas para uma verdadeira avenida internacional para o clube. Um Flamengo global. Que fale italiano, japonês, turco e inglês. Que esteja nas grandes feiras esportivas do planeta. Que firme parcerias com clubes em todos os continentes.
Sua trajetória já constrói esse caminho. Na Itália, virou ídolo eterno da Udinese. Fala italiano fluentemente, e até hoje é reverenciado no Friuli como “o Galinho”.
No Japão, é mais que uma lenda: é fundador simbólico de um estilo de futebol. Jogou e treinou o Kashima Antlers, dirigiu a seleção japonesa e ajudou a transformar o futebol nipônico em potência asiática. Na Turquia, deixou legado no Fenerbahçe, clube gigante que carrega com orgulho sua passagem. Onde Zico foi, o respeito ficou.
Por isso, este novo papel como Embaixador do Flamengo não pode ser apenas institucional. Tem que ser estratégico. Um novo tempo exige um Flamengo de mundo. E Zico é o nosso passaporte diplomático mais valioso.
Nesse processo, as Embaixadas e Consulados da Nação Rubro-Negra espalhados pelo planeta — da América do Norte à do Sul, da Europa à África, do Oriente Médio à Ásia — podem e devem ser parceiros ativos dessa missão. Nossos núcleos são feitos de brasileiros apaixonados, mas também de estrangeiros conquistados.
Gente que conhece os ecossistemas locais, os clubes, os dirigentes, a imprensa. Gente que pode abrir portas, sugerir caminhos, ajudar a organizar eventos, exibir o Manto Sagrado em praças distantes. Nada mais justo que ajudem também a ancorar a atuação de Zico pelo mundo.
O Flamengo é do mundo. Mas é nosso. E nada — absolutamente nada — representa melhor esse elo entre a paixão da arquibancada e o respeito internacional do que a figura de Zico. Um embaixador que não precisa de crachá, mas agora tem.
Bem vindo, chefe!
Paulo Lima é fundador e Cônsul da Fla-Bruxelas. É funcionário das Nações Unidas e jornalista (ex-LANCE!)