Depois de ler a coluna do Téo Ferraz Benjamin bateu uma bad futebolística. Nosso blogueiro tático lembrou a aula de Ney Franco na final da Copa do Brasil de 2006, quando o Vasco perdeu Valdir Papel expulso ainda no primeiro tempo.
Naquela ocasião, Ney não se fez de rogado. Abriu mão de um volante (Toró) e adentrou às quatros linhas o Obina. “A mensagem de Ney Franco era clara. Quando o adversário perde um jogador, a obrigação do treinador é esperar o ajuste e instantaneamente mover suas peças para quebrar a nova formação”, escreve o excelente Téo.
Lendo a coluna de ontem do Rica Perrone bateu uma crise de identidade. O hino de Lamartine Babo é mesmo um oráculo, um salmo para nos guiar. E Perrone o codificou com a maestria de um pastor no púlpito: “Não se trata de quantos gols, mas como eles foram marcados. Não se trata de ganhar apenas, mas sim de brilhar. O hino diz, ouça-o! Vencer. vencer, vencer! Mas… O maior prazer é vê-lo BRILHAR!”
Zé Ricardo deixou de se mostrar um técnico autêntico. Suas entrevistas recentes são desastrosas. Um amontoado de palavras vagas concatenadas em um discurso evasivo. Na coletiva de imprensa, após a péssima vitória na Fonte Nova, foi perguntado por que prescinde de Berrío, um dos destaques na goleada contra a Chapecoense, e opta por Matheus Sávio. Veja sua resposta:
“A ideia foi ter dois homens de pé trocado. Para a gente ocupar a faixa central de meio campo. Fazendo o Diego escorregar ao lado do Paolo. E poder trabalhar com quase quatro homens por dentro. Willian Arão e Everton Ribeiro pela direita. Matheus Sávio e Márcio Araújo pela esquerda. Projetar bem nossos laterais e ter o Diego e o Paolo preenchendo bem a grande área. A gente teria bem a cobertura com os nossos dois zagueiros e também estes dois homens por dentro.”
O que isso quer dizer? Muita coisa. E coisa nenhuma. O futebol é daquelas coisas, como outras tantas (política e religião?) que tudo pode ser bem dito e impressionável. O que Zé Ricardo fez foi uma verborragia às avessas. Um discurso cheio de ideias boas, tão boas, tão bem apresentadas e tão virgulamente encaixotadas, que me pergunto como ele conseguiu treinar essa cacetada toda em apenas um treino?
Troquei de canal quando ele disse que confia na lealdade dos atletas. Ato contínuo a palavra panela piscou no meu lobo frontal, como um daqueles letreiros de neon. Entra na crônica a presença de Arão e Araújo. A dupla AA de volantes do Flamengo. A dupla que 99% da torcida e bons comentaristas apontam como a responsável pela falta de dinâmica e saída de bola. O malabarismo zerricardiano para mantê-los no time é das paradas mais feias que eu já vi escancarar-se no doce mundinho do futebol brasileiro. A forma como Cuéllar foi sacado me envergonha. Ainda pior quando penso o quanto o clube fica aí alardeando ética, moral e cidadania.
Quando a tal austeridade financeira foi decretada, a torcida entendeu. Depois que magistralmente o clube voltou a ser uma potência financeira, nos prometeram títulos, anos mágicos, e, tcham ram ram ram: um resgate do DNA futebolístico do Flamengo. Parece masoquismo escrever isso, mas a filosofia que é colocada em prática no Ninho do Urubu é a Hipocrisia Rubro-Negra. Futebol hipócrita zeritocrático, sem alma, sem raiva de combate, simbolizado na figura de um volante que comemorou eliminação, a face sem nenhuma tristeza, diante do minúsculo Palestino.
O que temos é um clube que paga em dia seus funcionários e o melhor elenco do futebol brasileiro na minha opinião, um CT luxuoso, uma estrutura que melhora a cada dia. Patrocinadores abundam e sonham com títulos para aumentarem a exposição de suas marcas. Em contraste, um treinador que não conseguiu dar nenhum padrão de jogo, mesmo treinando o mesmo esquema sempre. Um time que não se comunica, que não intensifica seu jogo, mostra irregularidade monstruosa dentro das partidas e durante a temporada, que não soluciona seus erros recorrentes, que tardia em promover mudanças, que desconhece interjeições como “basta!” “chega!” “acabou!”.
O técnico fala de lealdade, quando deveria estar falando de linhas espaçadas, Diego, aquele que Zé disse que ia escorregar para o lado do Guerrero e preencher a área adversária com o centroavante, ao final da partida estava estafado, morto, ensanguentado de suor de tanto ir lá trás e subir, ir lá atrás e subir, em pêndulo. Pois a dupla AA formada por Arão -- aquele que ia jogar com Everton Ribeiro, não consegue sair com a bola do campo do nosso campo; e Araújo -- aquele que ia jogar com Matheus Sávio, não consegue sair com a bola do campo do nosso campo.
Por que o nosso treinador nada fez quando o Bahia estava com 10? Vocês acreditam que o Bahia teve mais posse ainda que com dez jogadores, por boa parte e momentos do jogo? Foi mesmo. Como explicar isso, em um time com Diego, Everton Ribeiro e Guerrero contra outro que conta com Allione, Zé Rafael e Edigar Junio?
Diogo Almeida é editor-chefe do Mundorubronegro.com. Também escreve no coletivo Cultura RN. Siga-o no Twitter: @DidaZico.
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