Vida é pra quem sabe viver, amor é pra quem sabe amar

10/12/2024, 15:54
7 mins
Bandeiras da torcida em homenagem a Gabigol

Banner João Luis Jr

Poucas coisas são mais complicadas do que explicar um sentimento pra alguém que não está sentindo. A tristeza de um parece frescura pro outro, a razão da euforia da pessoa a pode não querer dizer nada pra pessoa b, qualquer dor é fácil de ignorar se quem está sentindo não é você.

E quanto mais forte o sentimento, mais complicado vai se tornar a tarefa de explicar, é claro. A cidade da sua infância pra quem não cresceu lá é só um vilarejo que nem um cinema decente tem, sua avó favorita não passa de uma velhinha que fica xingando na frente de casa, a pessoa por quem você está apaixonado pode, pra outra pessoa, ser apenas "uma mina baixinha gatinha".

O Flamengo é grande demais pra jogar pensando em outro time além dele mesmo

Então como explicar, pra quem nunca viveu ou pra quem parece já ter esquecido, quais são os sentimentos, qual é a relação, que existiu entre o flamenguista e Gabigol?

Porque se você não é rubro-negro ou se você não viveu de maneira intensa os últimos anos da odisseia rubro-negra, é claro que as questões, os problemas e os defeitos de Gabriel Barbosa são mais do que visíveis. Gabigol é marrento, Gabigol é polêmico, Gabigol definitivamente tem mais facilidade para tomar decisões acertadas dentro de campo do que fora dele.

Mas se você conhece um pouco de Flamengo, não são exatamente essas as características que fizeram ser perfeito o casamento entre Gabigol e o manto vermelho e preto? Afinal, como carregar nos seus ombros as expectativas e sonhos de uma nação sem uma marra monumental? Como viver sob o maior holofote esportivo do Brasil sem gerar discussão? Ele teria tempo pra ser o atacante que o maior time do Brasil precisa se estivesse ocupado tentando ser o namorado que você sonhou pra sua filha ou pra você mesmo?

Bandeiras da torcida em homenagem a Gabigol
Foto: Marcelo Cortes / Flamengo

Porque Gabriel é sim imperfeito, como todo ser humano sempre vai ser. Mas não é nas imperfeições que existe o amor e não é no casamento dessas imperfeições que surgem as relações mais bonitas? Gabriel era maluco como nós torcedores, era contraditório como é a ideia de Flamengo, o clube mais rico que representa os mais pobres, era uma mistura do melhor e do pior que a experiência rubro-negra pode oferecer. Da paixão, da presunção, da garra, da falta de controle. Gabriel não só vestia a camisa do Flamengo, Gabriel se tornava Flamengo, pro bem e pro mal, a cada vez que entrava em campo.

Gabriel ganhou algo sozinho? Claro que não. Gabriel não teria sido o que foi sem Arrascaeta, Bruno Henrique, Everton Ribeiro, entre tantos outros. Mas quantos atacantes você conhece que teriam feito tudo que Gabriel fez? Pablo teria decidido duas Libertadores?

 Hulk teria dado aquela cavada contra o Santos? Pedro teria dito, antes daquele jogo contra o Atlético Mineiro, que no Rio de Janeiro eles iriam viver um inferno? Eu duvido, e se você pensar por cinco segundos vai duvidar também.

Gabriel Barbosa é um fanfarrão, um maluco, um egocêntrico. Mas também é um matador, um predestinado, um cara que entendeu, como poucos até hoje, a dimensão e a experiência de jogar no clube da Gávea. Gabigol nasceu pra jogar no Flamengo, se tornou quem é com o manto rubro-negro e ajudou o Flamengo na jornada de voltar a ser do tamanho que sempre deveria ter sido.

Gabriel se despede de funcionários do clube após o empate em 2 a 2 com o Vitória, pela última rodada do Brasileirão 2024
Foto: Marcelo Cortes / Flamengo

É triste ver Gabigol ir embora porque não é todo dia que nasce um jogador assim e muito provavelmente em alguns meses até quem pediu a saída dele vai estar com saudades. Mas não seria Gabriel Barbosa e não seria Flamengo se uma história que podia ser ainda mais linda não fosse encerrada por conta de burrice, egocentrismo e decisões sobre futebol tomadas por gente que não entende nada de futebol.

Então boa sorte, Gabriel. Quer isso seja apenas um até logo ou um adeus de verdade, tudo que você fez jamais vai ser esquecido e mal podemos esperar pra, nas arquibancadas do Maracanã, ver você em campo e te xingar de tudo que é nome. Tem gente que não vai entender, mas sei que é o que você gostaria que a gente fizesse.

João Luis Jr. é jornalista, flamenguista desde criança e já viu desde Walter Minhoca e Anderson Pico até Adriano Imperador e Arrascaeta, com todas as alegrias e traumas correspondentesSiga João Luis Jr no Medium.