Devaneio de técnico é proporcional a seu desespero por ganhar jogo, por se manter no cargo, por buscar um título ou fugir de rebaixamento
De técnico, como de médico e louco, todo mundo tem um pouco. No Brasil, todo mundo escala seu clube do coração, um grande time da UEFA e alguns até a seleção canarinho escalam, ainda crédulos nela.
Mas técnicos possuem suas loucuras, seus devaneios, a tal ponto que os que “inventam demais” são chamados de Professor Pardal. Eles fazem por merecer. Já vimos de tudo: dois laterais do mesmo lado sendo escalados, time apinhado de volantes no meio campo, três, quatro atacantes sem meia de criação.
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Os “professores” têm suas manias. “Papai” Joel adora um volante. Para Parreira, um a zero é goleada. Zagallo é mais supersticioso do que o massagista “Pai Santana”. Mister “JJ” se incomodou com as notas artísticas do jovem atacante Renier, mesmo em um jogo “fácil” para o Flamengo de 2019. El “loco” Bielsa, que de louco não tem nada como técnico, com seu jogo de pressão constante e sempre ofensivo, tem sacadas geniais.
No Newell’s Old Boy de noventa, percebendo a fragilidade de um time adversário nas reposições de laterais, para ter posse de bola mais à frente do campo, determinou que seu goleiro, Norberto Scorpini, mandasse a bola para fora nos tiros de meta.
Ok, ele é um pouco louco sim: houve o caso da granada que teria segurado após ser confrontado por torcedores, não gosta de dar entrevista e dá seus shows como quando se sentou num copo de café, que estava sobre o cooler, de onde costumava ver os jogos no Olympique de Marselha. Suas loucuras, dentro e fora de campo, viralizam.
Gênio é tido como louco, e os geniais inventam estilos de jogo, como Guardiola e Klopp, ou trazem novidades, como já fez Luxa na década de noventa. E a laranja mecânica de Cruyff, em 74, ou os quatro camisas 10 da seleção brasileira, em 70, uma loucura legal chancelada por Zagallo.
Mas existe a loucura que é devaneio mesmo, uma suspensão da razão que deve existir no futebol.
Devaneio de técnico é proporcional a seu desespero por ganhar jogo, por se manter no cargo, por buscar um título ou fugir de rebaixamento. Na bacia das almas, ao fim de um jogo, coloca-se atacante como lateral, deixa-se o goleiro tentar aproveitar escanteio, seis atacantes vão para campo com apenas um zagueiro restante na proteção.
Eu não culpo os técnicos, culpo, sobretudo o modo como ainda vemos futebol, o modo como ainda fazemos e deixamos dirigentes comandarem o futebol.
Contratar técnico não impõe obrigação de resultado para o contratado. Futebol só tem um vencedor, logo, em campeonatos competitivos, como o Brasileirão ou nas copas com seus mata-matas implacáveis, só fanático, o louco fora de campo, pode acreditar em “obrigação de ganhar”.
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Resultado é consequência – o lado da razão – e, embora eu saiba da mística do pé-frio no futebol – o lado da paixão -, penso que técnico tem é obrigação de meio, ainda mais no mundo tecnológico de hoje, com os dados que se têm dos jogadores e seu histórico nas últimas temporadas.
Dirigentes possuem dados sobre técnicos também, em proporção menor, mas os têm. Futebol é resultado, e o lado da paixão manda técnico “azarado” ser mandado embora, mas isso é papo para um outro dia.
O Flamengo, tendo um plantel com Gérson, Arrascaeta, Everton Ribeiro, Bruno Henrique e GabiGol, todos com um 2019 primoroso, e com Pedro, 12º jogador num mundo sem torcidas, precisa de qual tipo de técnico?
Todo mundo vai ter sua opinião, mas loucura foi para o lugar do vitorioso JJ escolher Domènec Torrent, quem tentou mudar tudo e deixou foi uma impensável terra arrasada depois de sucessivas goleadas.
Loucura também foi esperar salvação de Rogério Ceni, quem nunca teve um elenco deste às mãos – certo ou errado no caso do Cruzeiro, seu histórico é de problema com “estrelas” –, e, para completar, notabilizado por times com pontas de velocidade e com sérios problemas defensivos.
O pobre personagem da Disney não tinha nada de louco. Era chamado de louco por sua genialidade. Só que o apelido pegou no futebol deste jeito.
E nós, torcedores e torcedoras, os loucos de fora das quatro linhas, até quando deixaremos dirigentes serem os “professores pardais” na escolha de técnicos?
Allan Titonelli é rubro-negro, amante do futebol, gosta de jogar uma pelada, assistir partidas, resenhas esportivas ou debater com os amigos sobre “o velho e violento esporte bretão”. Escreveu, ao lado de Daniel Giotti, o livro “19 81 – Ficou Marcado n...