Vencer é bom, mas vencer o Palmeiras dominando e esculachando é melhor ainda
Ainda que tenha recebido essa alcunha por conta de seus ombros largos, no que talvez seja o apelido de colégio que mais pegou até hoje, o cidadão ateniense nascido Arístocles mas conhecido popularmente como “Platão”, acabou se mostrando bem mais do que um corpinho sarado ou um adolescente que se curtiu muito durante a Guerra do Peloponeso.
Isso porque, enquanto discípulo de Sócrates – o filósofo, não o meia – Platão acabou se tornando um dos grandes nomes do pensamento ocidental, com um legado filosófico que vai desde avanços na dialética parmenidiana até importantes reflexões sobre o sistema político.
➕ JOÃO LUIS JR.: A surpresa que é o Flamengo fazendo aquilo que se espera dele
Mas uma de suas principais contribuições é, sem dúvidas, o conceito do idealismo platônico, que afirma que a informação que recebemos através dos sentidos é falha e ilusória, sendo o conhecimento real, as ideias verdadeiras, presentes num campo que só pode ser acessado pela intelecto. Ou seja, o ideal, o perfeito, não pode ser visto, ouvido, sentido, mas apenas pensado, refletido.
Qual não seria a surpresa do filho de Aristão e Perictíone, ao ver sua teoria sendo totalmente jogada por terra nesta quarta-feira à noite, quando o Flamengo aplicou pela Copa do Brasil, contra o Palmeiras, diante de um Maracanã lotado, o que só podemos descrever como o ideal platônico de um esculacho, a versão perfeita de um triunfo, a última estância metafísica da vitória merecida.
Primeiro porque houve o domínio absoluto e total da partida. Mais posse de bola, mais chutes, menos faltas, menos cartões, numa partida em que o Flamengo esteve tão senhor de si que o lance mais perigoso a favor do Palmeiras foi uma falta cobrada por Gérson em que Varela, que aparentemente acompanhava a partida através da sombras formadas em sua caverna, decidiu amarrar as chuteiras e acabou não apenas levando uma bolada na cabeça como armando um contra-ataque.
Depois porque a superioridade foi traduzida em gols. Um placar de 2×0 construído com as mesmas proporções de imensa qualidade técnica para superar uma das defesas mais fortes do Brasil, e intensa atenção e disposição para resolver na vontade e na força o que não pudesse ser resolvido apenas no toque de bola. Se o Flamengo teve cabeça e soube tocar a bola procurando espaços, ele também teve coração pra saber quando acelerar, quando vibrar, quando bater.
Somando a isso uma atuação no mínimo confusa da arbitragem e a decisão do goleiro palmeirense de começar a fazer cera já aos 5 minutos do primeiro tempo – algo totalmente compreensível e justificável, mas que acaba se tornando um motivo extra de comemoração quando, depois de tomar os gols, ele começou a cobrar agilidade na reposição de bola da nossa equipe – e você tem um cenário em que a vitória, além de importante, acaba se tornando ainda mais saborosa e divertida.
Sem esquecer, é claro, grandes atuações de toda equipe, que contou com um Arrascaeta endiabrado, Gérson maior que as costas de Platão, Pedro artilheiro até em libras, um show da dupla de zaga e o herói Luiz Araújo, que entrou para substituir Cebolinha e fez uma de suas melhores atuações com a camisa rubro-negra, com uma assistência e o gol que ampliou o placar.
Então ainda que sim, siga valendo o clichê de que 2×0 é um placar perigoso e estejamos diante de um adversário que jamais pode ser subestimado, é preciso reconhecer que, nesta noite de quarta-feira, estivemos talvez diante de uma das mais perfeitas versões do Flamengo que podem existir. Criativo, inteligente, técnico, combativo, disposto.
Afinal, como dizia o próprio Platão, “existe em cada um de nós, mesmo aqueles que parecem ser os mais moderados, um tipo de desejo que é terrível, selvagem e sem lei”. Ele apenas esqueceu de completar, talvez por ter vivido ali por volta de 400 antes de Cristo, que esse desejo é o famoso desejo de ver o Flamengo campeão. E que jogando assim, parece que podemos realizar.