Imagine que você seja Gabriel Barbosa. O jogador diretamente responsável por uma das maiores proezas do clube mais popular do Brasil, com dois gols nos últimos minutos que viraram o placar na maior competição continental. Esses gols consolidaram a sua idolatria entre crianças e jovens, até mesmo de outros times.
Meses se passam enquanto artilharias se seguem e recordes são quebrados. Atuações incontestáveis de um finalizador nato, com cheiro de gol, o tempero das comemorações irreverentes e da química com as arquibancadas. Apesar disso, a intensidade (e impaciência) dentro de campo acabam lhe custando, também, a marcação dos árbitros.
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Com a pecha de artilheiro-concluidor das tramas mágicas de um esquadrão impiedoso, o então Gabigol é chamado por Tite. Atuar pela Seleção Brasileira nas Eliminatórias seria uma valiosíssima oportunidade para figurar no plantel que irá disputar a Copa do Mundo no Catar, em meio à dura concorrência na posição.
Nisso, o treineiro verde-e-amarelo é taxativo: as suas chances de ir ao Mundial passam por mudanças de posição e de atitude. O camisa 9 deveria jogar mais pelos flancos, apoiar o time com a sua mobilidade e grande capacidade de dar assistir companheiros. Deixar de lado a precípua função de ser o homem-gol.
Após alguns poucos jogos com a Amarelinha e longe de atuações especiais na nova função, Gabriel enfim volta ao Rio. Pouco a pouco, não faz mais tantos jogos perto da área. Tenta equilibrar-se entre manter sua utilidade fundamental para o clube enquanto segue o processo de adaptação para se manter cotado para a Copa do Mundo.
Tira o “gol” do nome, se machuca e se depara com treinadores pós-JJ que não foram capazes de fazer o time andar – nem no coletivo e nem para ele próprio. Os gols se escasseiam ao passo que as assistências não encaixam e os cartões se multiplicam.
Chega julho de 2022 e o portal se abre: o companheiro Bruno Henrique se machuca e, ironicamente, tem como substituto o próprio Gabriel, com a entrada de Pedro como o verdadeiro nove. Dorival não só consegue fazer ambos jogarem juntos, como também potencializa Gabi a dividir com o artilheiro-reverência o protagonismo outrora conquistado. Pedro acumula gols em série – ao ponto de também quebrar recordes e conquistar artilharias – mostra virtudes únicas e termina convocado por Tite após clamor nacional.
Fato é que, ante sua personalidade instável, ser preterido na Seleção –sendo que o próprio treinador o instigou a mudar de posição para estar ainda em disputa pela lista final da Copa – deveria ser um golpe duro para Gabi; ainda mais com a incorporação de seu companheiro de ataque no scratch dos últimos dois amistosos pré-Mundial como o 9 que ele talvez queria ter sido.
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Tudo isso poderia ser o suficiente para desestabilizar a maioria das pessoas que estivessem em sua pele, principalmente por se tratar uma chance que talvez não seja tão clara na Copa de 2026, aos 30 anos.
Contrariamente aos prognósticos, Gabi não esmoreceu. Pelo contrário: mostrou-se um jogador de time, de marcação, de assistências e, curiosamente, de menos destemperos em campo. Nos últimos jogos, em especial o de ontem, que carimbou a classificação para a Copa do Brasil, vimos um gigante que se multiplicou em campo, e que parece crescer ainda mais com a proximidade dos momentos decisivos.
Faltam três jogos para dois títulos. É notório que o nosso craque turbina suas energias e sua psique na hora do vamos-ver.
E a Seleção? Ah, a Nação te ama, Gabi. O time da CBF não te merece. Temos certeza de que suas maiores alegrias estão por vir, e vestidas de vermelho e preto.