Um fato curioso sobre a mente humana é que repetição gera conforto. É por isso que seus afilhados gostam de assistir os mesmos episódios de Doutora Brinquedos ou Patrulha Canina, é por isso que tanta gente paga para assistir Friends mesmo após anos e anos de reprise na TV aberta, é por isso que muitas pessoas continuam em relações horríveis apenas porque elas são familiares.
A ideia de saber o que vai acontecer, a ideia de não ser surpreendido, é confortável pra mente das pessoas e elas preferem reviver algo que sabem como vai terminar do que participar de alguma experiência nova, por mais que o que se repete não seja tão interessante ou tão divertido assim. E bem, isso parece ser exatamente o que está acontecendo com Paulo Sousa e o Flamengo, por mais improvável que seja.
Porque tudo que aconteceu hoje, no empate por 2×2 contra o Ceará, no Castelão, já havia acontecido antes, em alguma das várias e frustrantes partidas anteriores do Flamengo.
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Hugo falhando? Já havia acontecido antes. E se o jovem goleiro já falhava mesmo quando estava sob pressão da disputa de vaga com o experiente Diego Alves e o selecionável Santos, é evidente que agora, com ambos machucados e o voto de confiança do treinador, Hugo se sentiu confortável para falhar de maneiras ainda mais inovadoras, tomando um gol de falta sem ângulo, praticamente no meio da baliza, que muitos goleiros precisariam de anos treinando até aceitar, mas Neneca, esse prodígio, conseguiu entubar com apenas 23 anos.
Flamengo perdendo a oportunidade de matar um jogo? Já aconteceu várias vezes. Seja pelo hábito de abrir o marcador e recuar até levar o empate, seja pelo reflexo de ver o adversário nas cordas e, ao invés de dar o golpe fatal, oferecer um gatorade, perguntar se quer uma barrinha de cereal. A verdade é que o Flamengo quando vencia por 1×0 poderia ter aberto 2×0 se acelerasse o ritmo, e quando vencia por 2×1 poderia ter ampliado para 3×1 com um mínimo de esforço. Mas optou por ser o time que busca a vantagem mínima e portanto leva o prejuízo máximo.
E o Flamengo reduziu o ritmo, como sempre faz. E Paulo Sousa colocou um lateral atuando invertido, como já aconteceu tantas vezes. E perdemos oportunidades que não se perdem, e erramos passes que não se erram, e nos criamos no jogo em virtude do talento individual de Arrascaeta, como também já aconteceu mais vezes do que podemos lembrar. Éverton Ribeiro esteve abaixo da média, como vem estando, Gabigol parecia controlado por um joystick quebrado e vinha correndo atrás dos volantes, como se tornou comum. De novidade, mas de novidade mesmo, apenas William Arão marcando dois gols, ainda que na defesa ele tenha falhado como sempre.
A verdade é que, mesmo com seu time considerado titular, mesmo com treinos, mesmo diante de um adversário em crise, o Flamengo segue sendo incapaz de atuar de maneira consistente, incapaz de acertar sua marcação, incapaz de sair de uma posição intermediária na tabela do Campeonato Brasileiro, tendo agora 6 pontos em 6 jogos, muito pouco para um time que pensava em ser campeão. Se o time de Paulo Sousa antes era cheio de surpresas – ainda que poucas delas agradáveis – agora ele se tornou uma grande reprise, onde os erros e as falhas acabam sempre se repetindo.
E sinceramente, se nada mudar, e mudar logo, o Flamengo de 2022 vai ser basicamente a versão futebol daquele episódio em que o Chaves é expulso da vila. Porque vai ser muito triste, claro, mas vai ser algo que desde o começo todo mundo já sabia como ia terminar.