Blog Cultura Rubro-Negra | Por André Café — Ouvimos muito sobre a necessidade de reorganização do futebol brasileiro. Basta ver a aparência que iremos comprovar: muita coisa aqui é uma zona sem planejamento e ao Deus dará. Das dívidas bilionárias de alguns clubes, de estádios em condições adversas a prática do futebol, dentre outros elementos.
Claro, isso é um retrato hegemônico, pois alguns clubes – como o Flamengo – buscaram equilibrar suas contas e fazer investimentos responsáveis, com segurança e garantia de orçamento. Mas não é disso que vamos falar aqui.
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Primeiro, porque necessitaria mais tempo de pesquisa para adentrar neste assunto de equilíbrio de contas, apesar de estar localizado em uma das linhas que pesquiso; segundo, que há muito material a respeito com acesso fácil; terceiro, porque este texto será mais opinativo, apaixonado e sem medo de errar.
A modernização dos clubes de futebol do Brasil (especifico o Flamengo) é algo necessário, do ponto de vista de gestão e da existência do próprio clube. Mas a modernização traz consigo outros efeitos para demais segmentos que compõem o universo rubro-negro.
Quero falar especificamente sobre a gente, a torcida do Mengão. Somos, sobretudo, uma verdadeira Nação, com mais de 42 milhões de pessoas, com uma marca inerente a esta massa delirante pelo Flamengo: somos diversidade.
Há os prós e contras, a depender da perspectiva ou até mesmo de recorte teórico, mas como falei, não é uma análise sociológica sobre nossa composição. A Nação é um caldeirão de mistura e origens, um áudio da Torcida Jovem estendido e multifacetado, com uma miríade de cabeças e destinos, que vão se encontrar na paixão pelo time, ainda que esta paixão também tenha múltiplos níveis.
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Num contexto mais específico das redes sociais – e aqui há o elemento da efemeridade das relações e da racionalidade neoliberal reforçando o individualismo – veremos um genuíno balaio de gato de ideias e impressões sobre futebol. Veremos os que são mais conscientes; aquelas pessoas que comem zoeira o dia inteiro; tantos raivosos; alguns sem noção e com um enorme grau de desrespeito; etc.
Caminhamos, nesta retalhada colcha de pensamentos e cabeças. Pontuo as redes, pois enfim, a FlaTT é quase uma entidade materializada, tem considerável representação sobre nosso universo. Mas se pensarmos um pouco: só agora nossa torcida é esse mundaréu de doideiras? Claro que não! Sempre fomos isso tudo e muito mais, talvez além! E isso nada mais é que uma marca nossa.
Geraldinos, Bar dos Chicos, pontos e recantos em outros estados; de A a Z sempre tivemos vasta tipologia de torcedores. As barreiras geográficas e de comunicação talvez fossem entraves para esta conexão plena no anos passados.
Mas, afinal de contas, para quê tudo isso levantado e onde está o futebol moderno nesta história?
Desde os grandes eventos, a dinâmica do futebol moderno – a partir da perspectiva crítica desta noção, desta categoria sobre futebol – trabalha com a espetacularização do esporte e caminha sempre no sentido de uma relação de consumo, no sentido de aquisição de serviço, no que tange a existência da via torcida-clube.
Assim sendo, assistimos – com resistência – o nascimento das arenas, o fim das gerais, mudança em partes dos acessos aos estádios, dentre outras coisas. Válido destacar que não estou defendendo aqui assistir jogos sentindo odor de amônia nos 90 minutos.
Condições boas são fundamentais, por dignidade, por acesso a espaços limpos. O ponto é que este moldar dos espaços além de segregar, modifica nossas percepções, ainda que de forma inconsciente, mas efetiva.
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Evidente que algumas pessoas farão contrapontos, afirmando que isso não existe claramente, mas, ao meu ver, acabamos modulando até mesmo a forma como nos vemos, pois o futebol moderno também unifica ou tenta unificar um tipo de torcida-consumidora que deve acessar conteúdos e momentos com seu time.
Não é o espaço para falar por exemplo do streaming do Flamengo, mas a forma até então apresentada pelo clube pode ser um modo de como o time se torna conteúdo exclusivo, inverso do retrato de massa que somos enquanto Nação.
E esse sentimento de torcida única pode interferir nas nossas relações já combalidas.
Para alguns que porventura se enxerguem com mais consciência – algo subjetivo e contextual – a visão de tipos de torcedores, na sua gama de diversidade, pode causar ojeriza, provocar a impressão do tipo “um bando de malucos que não sabem nada do time ou de como proceder, não podem ser levados a sério nessa história”.
E eu questiono, por quê não nos cabe mais as loucuras da paixão vermelho e preta?
Isso não é de forma alguma a gente aceitar convívio ou consensos automáticos – chato até ter que frisar a todo instante, mas não sei se estão lendo até esse ponto do texto – quem sou eu para determinar isso.
As dinâmicas de conjunto vão se firmando nas afinidades, nas proximidades. Temos capacidade de coexistir (tá, eu tenho minha lista de desafetos) na diferença e pela diferença ser esta cara da Ágora rubro-negra como cansamos de ser.
Penso que a normatização e homogeneização que, para mim, é marca do futebol moderno, precisa ser refletida e impelida para não extinguir de vez nossa diversidade e para não permitir que o Flamengo se torne cada vez mais material de assinantes. A gente não deve se desconhecer.
A gente não pode se auto subsumir para um todo único de torcida-consumo que pedirá reembolso e ligará para o SAC em momentos turbulentos.
André Café é jornalista, músico, poeta, estudante de Serviço Social e mestrando em Política Social.