Téo Benjamin: ainda sobre pênaltis perdidos (e também lances livres)

Vamos relembrar alguns casos de penais perdidos e até o estilo vovó de arremessar lances livres de Rick Barry
O que você faria se estivesse frente a frente com o maior pegador de pênaltis do mundo pela segunda vez no mesmo jogo, sendo que ele defendeu seu primeiro chute?
Esse foi o dilema de Raí aos 47 do segundo tempo naquela semi-final do Brasileiro de 99. Corinthians 3×2 São Paulo.
Escrevi um texto longo sobre a psicologia dos pênaltis motivado pelo pênalti do Diego contra o CAP. Tive que cortar muita coisa porque ficou grande demais. Como a galera gostou, faço esse separado focando num outro fator importante: a entrevista de Diego após o jogo.
Diego disse depois do jogo que bateu com segurança, se defendeu afirmando que não fez uma cavadinha e lembrou de outros pênaltis que converteu. Tudo verdade, mas muitos rubro-negros acharam que faltou humildade.
Voltando a Raí em 1999…
Leia do mesmo autor: Desfrutem um Flamengo que dá prazer
No primeiro pênalti, Dida olhou para PC Gusmão atrás do gol e o preparador de goleiros só apontou o lado preferido de Raí. O gigante pegou.
No segundo, Raí decidiu mudar o canto, deu uma porrada, mas Dida voou de novo para segurar em dois tempos.
Dida era um monstro. Uma máquina de pegar pênaltis na virada do século. Chegou a defender seis em dez meses no Corinthians, sendo QUATRO SEGUIDOS!
A vida do cobrador não é tão fácil quanto parece
Que o diga Martín Palermo, grande centroavante argentino que ficou mais famoso por perder três pênaltis no mesmo jogo do que pelos seis Campeonatos Argentinos e duas Libertadores no currículo.
Petkovic também encarou dilema parecido na arrancada para o título brasileiro de 2009. Rogério Ceni não era um Dida, mas defendeu o pênalti do sérvio que colocaria o Flamengo na vice-liderança do campeonato, à frente do São Paulo.
O juiz mandou voltar.
Everton Silva então chamou o gringo na xinxa: “Pai, você é nosso ídolo. Um pênalti não vai tirar isso de você. Foda-se o pênalti”.
Ele fez o segundo com uma linda cavadinha.
Dois anos depois, um outro lance que todo rubro-negro vai lembrar: Elano bateu de cavadinha, Felipe amaciou e saiu fazendo embaixadinhas.
O jogo foi 5×4, teve gol-Puskas do Neymar, falta por baixo da barreira do Ronaldinho, gol perdido do Deivid, mas esse lance é demais!
O que poucos lembram é o seguinte… No ano anterior Neymar era o cobrador do Santos, mas desperdiçou muitas cobranças e ainda teve aquela briga com Dorival (no jogo que o Renê Simões disse que estávamos criando um monstro).
Elano então virou o cobrador oficial.
Mas ele ISOLOU um pênalti contra o Noroeste no Campeonato Paulista e meses depois ISOLOU MUITO PIOR contra o Paraguai na Copa América.
Dez dias depois, o Santos enfrentava o Flamengo na Vila. Abriu 3×0, deixou o Fla encostar num 3×2 e… pênalti.
Felipe, que era um GRANDE adepto de escolher o canto, sabia que Elano tentaria a cobrança mais segura possível. Mérito do goleiro, desespero do camisa 8.
Esse lance mudou o ritmo do segundo tempo e deu o gás que o Flamengo precisava para a virada.
Aí fica a pergunta: o que Elano deveria ter feito?
Perder daquele jeito foi mil vezes mais ridículo do que se fosse uma cobrança “normal” no canto e defesa do goleiro. Por outro lado, ele calculou que aquela era a cobrança com a maior chance de acerto.
Mas o que você deixa de fazer por medo de parecer ridículo?
Rick Barry e o estilo vovó
Você sabe quem foi Rick Barry?
Um jogador de basquete americano. Foi um dos maiores arremessadores de lances livres do seu tempo. Até hoje, tem a sétima melhor marca da NBA, com 89,3% de acerto na carreira.
Mas Barry tinha uma peculiaridade: ele arremessava por baixo.
Sim! Colocava a bola entre os joelhos, flexionava as pernas relaxava os braços e jogava ela pra cima!!
É o “granny-style” ou “estilo vovó”! Ele jura que é melhor!
Eu sei que você não está acreditando, mas é verdade!

E você sabe quem foi Wilt Chamberlain? Um outro jogador de basquete fantástico, Hall of Fame e tudo. Um dos melhores de sua época. Só tinha um problema: ele era HORRÍVEL nos lances livres!
Seu aproveitamento na carreira foi de 51.1%, abaixo de Shaquille O’Neal!!!
Mas um belo dia Chamberlain resolveu arremessar por baixo, no “estilo vovó”. O que aconteceu? Seu aproveitamento subiu de 50% para 61% de uma hora pra outra!
Arremessando assim, ele fez 100 PONTOS EM UM JOGO, que até hoje é o recorde, acertando 28 de 32 lances livres nesse jogo.
Mas Wilt Chamberlain voltou a arremessar por cima porque não aguentou a zoação no mundo do basquete. Seu aproveitamento caiu.
Rick Barry passou o resto da vida tentando convencer outros a usarem a técnica. Ninguém foi. O próprio Shaq disse que prefere errar do que parecer uma vovó.
Um passadinha por Guardiola
O primeiro jogo oficial do catalão pelo Bayern foi a Supercopa da Alemanha, que foi para os pênaltis. Ele reúne os jogadores e diz “eu não sei bater pênaltis, mas aqui está o melhor batedor do mundo” e aponta para seu auxiliar.
Manel Estiarte foi um dos melhores do mundo no Polo Aquático e um exímio cobrador de tiros livres. Ele continua: “Com Manel aprendi duas coisas. A primeira: decidam agora onde vão bater e não mudem nunca mais. A segunda: repitam mil vezes na cabeça ‘gol gol gol gol gol gol.'”
O título valia pouco, é verdade, mas é com essa mentalidade que os jogadores foram para a marca do cal. Todos fizeram seus gols e o Bayern venceu.
Agora, finalmente, voltamos a Diego
O capitão do Flamengo passa por altos e baixos nos últimos anos, mas parece não entender que a cada frustração a ansiedade da torcida vai aumentando. Cada derrota não está sozinha, ela vem assombrada pelas anteriores.
Diego tem um aproveitamento ruim nos pênaltis. Quando ele pede para cobrar, decide ser o primeiro e toma as decisões erradas que detalhei no outro fio, ele assume um risco grande demais. Provavelmente grande demais para qualquer jogador, principalmente para ele.
Se a torcida do Flamengo está frustrada e ansiosa, é fácil personificar isso nele. Diego tem personalidade. Não foge da raia. Isso é uma grande virtude! Mas também pode ser um tiro no pé.
Acho que deveria ter cobrado, mas não o primeiro e não daquele jeito.
Quando a galera culpa Diego pela derrota, é mais do que pênalti, mais do que essa derrota ou essa eliminação.
Como já disse um grande filósofo rubro-negro: foda-se o pênalti.