Por: Diogo Almeida (Twitter: @DidaZico)
Rosa Parks entrou no ônibus decidida a não levantar para nenhum branquelo gordo de bochechas rosadas. Ela não era uma mulher qualquer na cidade de Montgomery. Era uma líder do NAACP, movimento de fortalecimento dos direitos civis dos negros americanos.
Naquele dia Rosa Parks não chegou ao seu emprego. No meio do trajeto os policiais foram chamados e a prenderam por infligir as leis do estado de segregação de direito do Alabama, o Coração de Dixie. O ato da mulher de 42 anos, retirado o contexto político de 1955, parece simplória birra se compararmos com algumas desobediências civis do carioca way of life.
Em 1955 o Rio era mais pobre, favelado e feliz do que nunca, apesar de viver so últimos anos com a pompa de capital do Brasil. O Flamengo -- já a meta-síntese desportiva do país --, jogava com Garcia, Tomires, Pavão, Servílio e Dequinha; Jordan, Paulinho, Rubens; Índio, Benitez e Evaristo. Sob o comando de El Brujo Fleitas Solich sagrava-se bicampeão carioca com uma rodada de antecedência, sobre o Vasco. O Maracanã do verão de 55 recebeu dois Clássicos dos Milhões. O primeiro com 107 mil e o segundo com 103 mil pessoas.
O ano que terminaria com a ascensão de Martin Luther King, o negro mais importante para todos os negros do continente, trancorria bem para o Flamengo, time dos crioulos daqui. Em junho o Maracanã recebeu outro grande público: mais de 92 mil pessoas assistiram dos anéis e da geral do estádio a vitória do Fla sobre os portugueses do Benfica, pelo Torneio Charles Miller. No segundo semestre o clube deu início à grande campanha do tricampeonato, que só terminaria em 56.
Se nos tempos da repressão sulista ao qual Rosa Parks estava inserida o preconceito era iminentemente racial, em 2016 pelo mundo predomina o apertheid sócio-econômico. Mais do que nunca você é o que possui e não o que pensa e luta. Pensar e se identificar por uma luta é cada vez mais importante hoje em dia para a sociedade de aparência e consumo. Todos choram e rezam por algum grande desastre. Todos se comovem, se identificam e até compram camisetas para mostrar sua identificação com alguma causa.
O difícil mesmo é lutar a luta, de fato. Mais fácil postar textinho nas redes sociais.
Dentro do bradado morfogênico desse ser de mil pés que crescia escalando a Presidente Vargas estava eu. O animal estava em marcha. A luta estava sendo lutada. A Causa pode estar perdida. A Causa pode ser até um tanto efêmera. Podíamos estar lutando por uma educação gratuita de mais qualidade, por um sistema público de saúde que atendesse bem a população, transporte coletiva mais barato, por uma urbe mais sustentável. Lutar pela despoluição da Baía de Guanabara. Talvez devíamos estar cobrando a eternização do canoísta Isaquias Queiroz retirando do nome da Lagoa o zé niguém Rodrigo de Freitas. Há causas tão lindas por aí, certo?
Por que fazer uma manifestação contra o Comitê Olímpico e ato contínuo contra um prefeito debochado, para apressar a entrega de um equipamento público? Claro que é clubismo. Queremos que o Flamengo jogue mais jogos no Maracanã este ano. Pelo cronograma do Comitê Olímpico a entrega fica só para novembro. E talvez... talvez, o clube do povo consiga jogar por lá duas partidas no campeonato brasileiro de 2016.
Aquelas quinhentas pessoas que marchavam para o Maracanã na tarde gostosa de um sábado na Cidade Maravilhosa, era, em sua ampla maioria composta de jovens que votarão pela primeira vez este ano. Eles saíram das minhocas de metal que cortam os subúrbios e baixadas do Grande Rio para protestar por esta causa.
Provavelmente o Maraca ficará fechado o tanto que quiserem os atuais gestores públicos.
Aos que marcharam no dia 24 de setembro, guardem estas palavras em seus corações: nossa história é feita de atos, independente do que o futuro nos reservar, lutar, por si só é vencer.
Rosa Parks mudou o mundo ao não se levantar para qualquer um. Vocês que estiveram na #MarchaPeloMaraca fizeram história. Lutaram por aquilo que amam e querem defender.
Tenho certeza que novas batalhas virão. Não é preciso ser vidente para enxergar que teremos que lutar para que o Flamengo seja o novo administrador do Maracanã. Fiscalizar o que a atual diretoria está fazendo em relação a essa licitação -- com quem está se aliando, quais os termos que pretende aceitar -- é um novo dever nosso. Se necessário vamos protestar.
Se for o caso ficar sem o Maracanã (e no fim das contas), precisaremos voltar aos protestos para que os órgãos públicos facilitem a construção de um estádio na sede da Gávea e/ou em localidade que nos seja adequada. O Flamengo precisa ter sua casa.
Também nunca deixaremos de lutar para que os jogos com mando de campo do Flamengo, no Maracanã ou qualquer outro estádio, permita que todos os estratos sociais da Magnética estejam representados nas arquibancadas.
Vamos continuar lutando ou não? Escolha seu lado.
É assim que se faz uma Nação.