Uma das minhas lembranças mais nítidas e mais antigas da minha infância envolve o Flamengo. Era a final do Brasileiro de 1992, eu estava ao lado do meu avô paterno e o Junior, grisalho, comemorava mais um gol de falta, vibrando, alucinado, correndo, subitamente tão jovem quanto eu, que na época tinha 8 anos. Ainda que só fosse me apaixonar de verdade pelo futebol um pouco depois, já com um Flamengo que não tinha Junior mas sim Romário, foi naquele exato momento, vendo aquele gol de falta, que me tornei flamenguista. O futebol, antes uma brincadeira divertida com os outros moleques da rua, ganhou uma dimensão extra. Eu não apenas jogava futebol, eu torcia pelo futebol. Eu não era mais um, eu fazia parte de algo maior do que eu.
Dali pra frente foram 25 anos como flamenguista. Vi o time conquistar títulos, vi o time lutar pra não ser rebaixado, assisti Adriano no Maracanã, Ronaldinho no Engenhão, Iranildo no Estádio Municipal de Juiz de Fora. Já estive em viagem de férias com problema de fuso acompanhando tempo real de clássico enquanto a namorada dormia na cama e já saí antes de dentro de estádio em jogo do carioca porque estava puto demais pra continuar assistindo. O que eu nutro pelo Flamengo é talvez o sentimento mais puro e constante que eu tenho na minha vida além do amor pela minha família e já me fez viajar para outras cidades, desmarcar compromissos, gastar dinheiro, passar frio, raiva, susto e até mesmo gritar o nome do Mugni, provando que por esse time eu faço qualquer coisa.
Ou seja, talvez a minha relação com o Flamengo seja o mais próximo de amor incondicional que eu nutro e que não envolve alguém com os mesmos traços de DNA que eu.
Mas isso não quer dizer que eu concorde com tudo que o Flamengo faz e vá defender todas as atitudes dele. Eu sentia vergonha quando o Flamengo não conseguia pagar seus funcionários em dia, eu assistia constrangido matérias sobre contas de luz e água atrasadas, eu achava patético quando o Felipe afirmava que “roubado é mais gostoso”, eu trinco os dentes a cada atitude impensada da diretoria que não bate com o padrão moral que eu considero que uma entidade centenária e tão importante pra sociedade quanto o clube de maior torcida do Brasil deveria manter.
Porque acho que isso é amar. Não é apenas defender contra tudo e contra todos, mas saber a hora de defender e a hora de criticar. Enquanto torcedor eu não me sinto na obrigação de tentar justificar as posições do Flamengo quando ele toma atitudes equivocadas, mas sim continuar apaixonado pelo clube e fazer tudo ao meu alcance para que esses equívocos não se repitam, porque eu quero o melhor Flamengo possível, em todos os aspectos possíveis.
Somos todos parte do Flamengo e cabe a cada um de nós fazer dele algo maior, algo melhor, algo mais bonito. Não apenas com nossas próprias atitudes e a maneira como encaramos o futebol mas também com a maneira como lidamos com as posturas de outros flamenguistas e da instituição Flamengo. E reconhecer os erros de quem você ama é sempre o melhor caminho pra tornar aquela pessoa melhor e ser capaz de amá-la mais ainda.
Afinal, se algum dia eu estiver do lado do meu neto quando ele se apaixonar pelo Flamengo, eu quero que ele tenha todos os motivos possíveis pra cultivar e se orgulhar dessa paixão.
João Luis Jr. é blogueiro do MRN e também escreve no blog Isso Aqui É Flamengo, do ESPN FC.
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