E a conquista seja relativizada num comentário invejoso, pois é justamente a mais doce vitória que provoca a mais insana dor de cotovelo
Por Gerri Rodrian – Twitter: @GerriRodrian
I
Pra vida mudar, basta um tropeço.
Basta uma revelação, uma chuva forte.
É que a certeza de que tudo permanecerá permeia nosso presente.
Seja um casamento, seja uma amizade,
quaisquer condições,
tudo parece que vai durar,
seguir normalmente.
Mas eis que chega a roda-viva, danada,
e carrega nosso destino pra longe.
Talvez não amanhã, talvez nem depois de amanhã.
Mas é certo: tudo muda, tudo passará.
O governo, a cor da parede, a parede, a palavra.
A moeda, a moda, o pensamento.
Inevitavelmente,
gostemos ou não, desejemos ou não,
o que hoje é, uma hora ou outra não mais será.
Talvez não amanhã, que tem coisa demorando,
feito dinastia japonesa,
feito adoração de deus judaico,
mil anos indo adiante,
serenamente,
quase inabalavelmente.
E, nisso tudo, é bem certo:
um dia não haverá mais Flamengo.
Sociedades mudam lentamente (e abruptamente)
e suas expressões, idem.
Um dia,
para um horror de mil demônios,
não haverá mais Flamengo.
Dure por mil anos,
o que é muito para um homem
e nada para um planeta,
permaneça assim por todo este tempo,
mas como tudo o que é obra humana,
bem sabemos,
findará.
Tudo um dia se esvai.
E restará a algum Homero contar seus feitos.
Em poesia.
Para que seus heróis permaneçam vivos,
iluminando os novos tempos…
…até que essa obra seja queimada num index odioso,
pois mesmo a mais doce poesia encontra seu odioso carrasco.
II
Assim são as opiniões.
Pra que mudem, basta um tropeço.
Basta uma reviravolta,
uma goleada qualquer.
É que a certeza de que tudo permanecerá envolve nossa fútil inteligência.
Seja um lateral, seja o goleiro,
inclusive o técnico,
tudo parece que vai durar, em looping eterno.
Mas eis que chega a roda-viva, danada,
e carrega nossa opinião pra casa do chapéu.
Talvez não hoje, talvez nem depois de amanhã – que torcedor é tudo cabeça dura.
Mas é certo: tudo pode mesmo mudar.
O volante que hoje é vaia, o atacante de pé torto,
o reserva desanimado.
Inevitavelmente, gostemos ou não,
o que hoje é, uma hora ou outra não mais será.
Talvez não amanhã, que tem coisa demorando,
o título que não chega,
a goleada que tanto esperamos,
a doce libertadores,
serenamente,
quase teimosamente.
E, nisso tudo, é bem certo:
um dia só vai dar Flamengo.
Os times mudam lentamente
(e abruptamente)
e suas táticas, idem.
Um dia,
para o horror dos mil demônios,
só vai dar Flamengo.
Demore ainda mais um tempo,
permaneça assim por todo este ano,
mas como tudo o que é obra humana,
bem sabemos,
mudará.
Tudo um dia se inverte.
E restará a algum PVC contar seus feitos.
Na mesa redonda.
Que mais uma vez o Flamengo fará história,
mudará os rumos do futebol…
…até que essa conquista seja relativizada num comentário invejoso,
pois é justamente a mais doce vitória que provoca a mais insana dor de cotovelo.
Paulista de Osasco, nascido em 1974, casado. Formado em Letras na USP, dramaturgo, profissional da área multimídia e servidor público federal. Rubro-negro desde 1980.