Será que o Coringa quer mesmo virar um boneco de neve?

Da mesma forma que algumas pessoa não conseguem processar lactose e outras podem morrer por apenas tocar num camarão, é possível afirmar com uma certa convicção que o Flamengo é um clube gravemente alérgico à conceitos como paz e tranquilidade.

Veja o momento atual, por exemplo. Líder do Brasileirão, classificado na Libertadores e na Copa do Brasil, se preparando para a Copa do Mundo de Clubes e recebendo um grande reforço na figura do meio-campista Jorginho, atleta multicampeão na Europa. Se num clube normal isso seria um respiro pra torcida, no Flamengo obviamente era a senha pra alguma confusão, crise ou mal-entendido aparecer. 

E foi o que aconteceu.

Gérson, um dos principais jogadores do time, capitão e referência técnica da equipe rubro-negra, pode estar de saída para o Zenit da Rússia, um movimento que despertou confusão do ponto de vista contratual, financeiro e até mesmo esportivo.

Contratual porque o jogador, após assédio anterior por parte do mesmo clube, estendeu contrato com o Flamengo, dois meses atrás, aumentando seu salário, mas também reduzindo sua multa contratual, que foi de 200 para 25 milhões de euros, um valor mais baixo do que a proposta que os russos haviam feito.

Um movimento que parece contraintuitivo – pra que baixar o preço de algo que você poderia vender por mais? – mas que faria sentido num cenário, ventilado por alguns jornalistas, de que as três partes já teriam deixado a venda mais ou menos “acertada”, trazendo apenas a questão de que sentido faria renovar com aumento de salário o contrato de um jogador que você já planeja vender. Pra pagar dois meses de salário mais alto?

Financeiro porque a proposta atual dos russos parece ser mais baixa do que a proposta inicia recusada pelo Flamengo meses atrás, ainda que, mais uma vez, possa existir uma explicação. Segundo informações a proposta anterior do Zenit, ainda que mais alta no total, envolvia diversos gatilhos para aumento do valor, enquanto a proposta atual seria o pagamento à vista de 25 milhões de euros, mais uma possível taxa pelo rompimento do contrato sem justa causa.

E por fim, existe a dificuldade de compreender porque Gérson, capitão do time mais popular do Brasil e convocado para a seleção, optaria por uma transferência para um clube que não disputa competições europeias, onde ficará mais longe do técnico Carlo Ancelotti e mais próximo de um conflito global. Irá receber mais dinheiro? Com certeza, mas após a recente renovação é bem improvável que Gérson esteja atuando pelo Flamengo em troca de um salário mínimo e vale-transporte, e por mais que o Rio seja violento, é possível que a Guerra da Ucrânia seja um pouco mais. 

O que deveria ser um momento de expectativa para um torneio mundial se tornou então mais uma semana de tensão e desconfiança para o torcedor. Gérson vai mesmo para a Rússia? Seu Marcão é mesmo um picareta que em seis meses vai estar pedindo pra diretoria buscar o filho dele de novo? Cometemos o mesmo erro de tantas mulheres ribeirinhas e confiamos demais no Boto? E se essa farofada toda acontecer mas os russos apenas não tiverem o dinheiro pra depositar à vista? Com que cabeça Gérson irá disputar a Copa do Mundo de Clubes?

Seja qual for o desfecho, a verdade é que temos um desgaste profundamente desnecessário para a diretoria do Flamengo, presa entre diversas informações desencontradas, e para o atleta, que estava tendo uma de suas melhores temporadas no clube e agora é chamado de mercenário, com torcedores até mesmo pedindo que Varela finalmente se vingue daquele socão que levou do camisa 8 algum tempo atrás.

Gérson permanecer seria um grande ganho técnico, Gérson ir embora por 25 milhões de euros aos 28 anos não seria ruim do ponto de vista financeiro, mas talvez a única coisa realmente positiva nessa confusão toda seja o fato de que, ao menos dessa vez, o Flamengo já teria conseguido se antecipar e trazer outro jogador para a função, Jorginho. Num clube que raramente aprende com seus erros, parece que ao menos algumas lições estão ficando.