Poucas coisas eram mais angustiantes, nas últimas partidas, do que acompanhar o desespero de Nico de la Cruz procurando com quem jogar na criação rubro-negra. De um lado estava Allan, ainda se recuperando de uma dengue que contraiu no dia do seu nascimento, do outro estava Gérson que parecia um vídeo rodando na velocidade 0,5x, às vezes pela direita passava Wesley, correndo de costas, gritando palavras desconexas numa linguagem esquecida, girando o pescoço ao contrário.
Porque sim, o uruguaio está fazendo jus ao status de maior contratação do Flamengo na temporada, o homem está correndo e lutando a cada partida, o nativo de Montevidéu tem conseguido empilhar boas atuações mesmo quando a única pessoa consciente no time parece ser ele. Mas sozinho, sem um mínimo de apoio, sem ao menos um Arrascaetinha ali pra auxiliar, era visível que as coisas ficavam muito complicadas.
Visível pra todos, menos para nosso querido Adenor Tite, que insistia pelas pontas, que dobrava sua aposta no esquema tático, que preferia improvisar na ponta Lorran, um meia de origem, do que aceitar que o Flamengo precisava de mais vida, mais movimentação e mais qualidade no meio de campo. E quem poderia oferecer isso ao time? Bem, como ficou claro na vitória de hoje sobre o Corinthians, era exatamente ele, Lorran, se fosse escalado na sua posição correta.
Porque neste sábado, ainda que não tenha sido perfeito, o Flamengo pareceu, pela primeira vez em muitos jogos, um time com alguma pulsão de vida. As jogadas ainda aconteciam pelas pontas, com um Cebolinha animado pela esquerda e um Gérson deslocado para a direita, mas voltamos a ter ações pelo meio, com de la Cruz fazendo lançamentos e Lorran buscando tabelas, além de laterais que se apresentavam pra algo além de chuveirinhos desesperados na área.
Uma postura que permitiu não apenas acuar o adversário mas também transformar essa pressão em gols – apesar das oportunidades perdidas. Pedro abriu o placar com um lindo drible após passe de Lorran, ainda no primeiro tempo, e um Flamengo protagonista decidiu a parada com gol dele, Lorran, após uma roubada de bola de quem? Lorran. Sim, porque aparentemente não apenas colocar alguém pra jogar com o de la Cruz como colocar o Lorran na posição do Lorran podem sim fazer a diferença.
O que se abre então agora é um novo caminho. Não apenas pra fora da mais recente crise na Gávea, já que demos fim a essa estranha série de jogos ruins e resultados esquisitos, mas também em termos táticos e técnicos, já que talvez Tite tenha finalmente percebido o quão mais fácil tudo fica quando temos mais opções no meio, quando não ficamos reféns do jogo pelas pontas, quando o Flamengo oferece mais do que Léo Pereira e Fabrício Bruno tentando acertar os lançamentos que Gérson e Rivellino faziam na Copa de 70.
É claro que não devemos depositar todas as fichas em Lorran – um jogador de enorme potencial, mas que com 17 anos tende a ainda oscilar bastante – e é óbvio que o Corinthians é um adversário que vive uma situação complicada – ter Fagner como titular em 2024 parece menos uma opção tática do que uma consequência negativa da reforma da previdência. Mas é visível a diferença que faz um time capaz de ocupar o meio de campo e a necessidade que o Flamengo tem de jogadores de criação capazes de conversar com de la Cruz, da maneira que o menino Lorran fez neste sábado.
Que as lições sejam então aprendidas. Que Tite perceba a diferença entre ser convicto e ser cabeça dura, que Gérson continue correndo como correu hoje, que a diretoria entenda que precisamos de mais nomes pra criação e notem que Varela, ainda que capaz de passar nos testes psicotécnicos onde Wesley foi reprovado, segue sendo um lateral incapaz de cruzar uma mísera bola. O que falta ser feito está bem na cara, só falta a disposição pra fazer.