EXCLUSIVO: Rosicleia Campos fala sobre Esportes Olímpicos do Flamengo, conquistas pessoais e mulheres no judô

12/07/2021, 22:25
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As histórias de Rosicleia Campos e do Judô feminino no Brasil se cruzam como poucas no universo esportivo nacional.

Por aqui, a modalidade era proibida às mulheres até o final de 1980 por ser considerada lesiva à capacidade reprodutiva das mulheres. Além disso, lutas em geral por parte do público feminino era visto como uma afronta aos padrões sociais da época.

Neste contexto, surgiu a paixão de Rosicleia pelo judô. Ela assistia aulas escondida dos pais. Após ser delatada, foi matriculada no judô por seu pai, que bancou a escolha da filha. Na época, ela fugia do catecismo para apreciar o esporte.

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A partir de 1982, aos 15 anos, Rosicleia Campos começou a se dedicar inteiramente ao judô, participando da sua primeira competição em alto rendimento três anos depois. Daí foi surgindo a atleta olímpica que compôs, em Barcelona (1992), a seleção nacional que competiu na estreia das mulheres na modalidade em Jogos Olímpicos.

Como atleta, foi descoberta por olheiros do Flamengo. No Mengão, faturou 16 estaduais, oito brasileiros e sete sul-Americanos.

Rosicleia Campos também participou das Olimpíadas de 1996, em Atlanta. Quatro anos mais tarde e com muitas lesões, desistiu se aposentar como atleta e perseguir o sonho de ser treinadora.

Esse sonho começou a ser realizado a partir da oportunidade como auxiliar em Sidney 2000. Em 2005, foi convidada para comandar a equipe principal feminina adulta após trabalhar nas categorias de base.

O fato de ser uma mulher no comando da seleção foi recebido com muitas críticas e dúvidas quanto à sua capacidade. Mas este mesmo fato levou às atletas femininas a reivindicarem mais atenção para a categoria e, a partir de então, tudo começou a melhorar.

Em 2012, nas Olimpíadas de Londres, Rosicleia Campos treinou e empurrou Sarah Menezes ao inédito ouro olímpico feminino em Jogos Olímpicos. Em 2013 estava com Rafaela Silva no título Mundial, repetido por Mayra Aguiar no ano seguinte, e também de mais um ouro olímpico com a mesma Rafaela Silva no Rio de Janeiro, em 2016.

Hoje ela é apenas a segunda mulher a ter conquistado o 7º Dan pela Federação de Judô do Estado do Rio de Janeiro e vai para a sua oitava Olimpíada neste mês de julho, novamente comandando a seleção brasileira.

A conquista do 7º Dan, sua trajetória treinando seleção e Flamengo, os investimentos nos esportes olímpicos rubro-negros e o sucesso feminino no Judô brasileiro foram temas da super entrevista que o MRN fez com a super Rosicleia Campos.

Trajetória profissional

O que significa pra você a conquista do 7º Dan, sendo apenas a segunda mulher a conseguir o feito?

Rosicleia: Significa olhar para trás e ver a história da minha vida sendo contada através do judô. Significa levar a bandeira do judô feminino por décadas, são mais de 40 anos dedicados ao judô de forma ininterrupta.

O que precisa ser feito pra chegar nesse Dan?
Rosicleia: No mínimo muitos anos (risos). Para cada Dan você precisa cumprir carência. Para eu chegar ao 7º, passei 7 anos no 6º Dan e assim progressivamente. A parte prática é preencher um formulário com pré-requisitos. Não basta apenas cumprir o tempo de carência, você precisa comprovar os serviços prestados ao judô. Além, óbvio, da dedicação e todos os conhecimentos, ensinamentos e predicados que a faixa “Kodansha” exige.

Qual foi o seu principal momento como lutadora?
Rosicleia: Vixe, difícil escolher um. Graças a Deus minha vida no judô tem momentos inesquecíveis! Desde a minha 1ª competição amistosa (que perdi) até as conquistas das vagas Olímpicas! Mas escolhendo, penso que a seletiva de 1992, que foi no dia do aniversário da minha mãe e dediquei a vitória a ela, foi a concretização dos nossos sonhos. Tem também a vaga da minha 2ª Olimpíada, que foi em Atlanta e era exatamente os 100 anos dos Jogos Olímpicos. Foi inesquecível e histórica. Venci na melhor de 5, com joelho recém operado… Os bastidores dessa seletiva não teve nenhum glamour, foram dolorosos e de muita superação.

E o principal momento como treinadora do Flamengo?
Rosicleia: No Flamengo a conquista é diária! Me vejo em cada atleta! Me emociono, pois a minha história é recontada cada vez que um atleta sobe no pódio! São 37 anos respirando e vivendo o CLUBE. Fazemos parte de uma Nação, ajudamos a construir e sedimentar a história do nosso judô.

E como treinadora do Brasil?
Rosicleia: O judô feminino tem uma história linda e tenho muito orgulho em ter participado de cada conquista. Tem a conquista das 7 medalhas históricas nos Jogos Pan-Americanos do Rio 2007, a 1ª medalha Olímpica feminina individual da Ketelyn Quadros em 2008, a 1ª medalha de ouro olímpica da Sarah Menezes em 2012, a 1ª medalha de ouro Mundial da Rafaela Silva em 2014… Foram tantas primeiras vezes/conquistas…

Judô no Flamengo

Atualmente como está a estrutura do judô no Flamengo?
Rosicleia: A estrutura física é de ótima qualidade! Nosso Dojo é climatizado e o tatame olímpico, o que faz do nosso Dojo um dos melhores do Brasil. Na estrutura técnica temos um time perfeito, com especificações diferentes que se completam. Em relação a atletas, temos uma equipe de base em ascensão, estão conosco desde muito jovens e estão conquistando espaço na seleção nacional. Na classe sênior estamos em “reconstrução”.

Você considera que os investimentos feitos na modalidade são suficientes?
Rosicleia: Não né (risos)! Treinador quer sempre MAIS! Hoje, como respondido anteriormente, estamos em fase de reconstrução e para termos/formarmos uma equipe sênior competitiva, precisaremos de investimentos! Também tem a questão da valorização profissional, o nosso departamento hoje está defasado em relação aos outros clubes do Brasil.

Esportes Olímpicos no Flamengo

Como você avalia a estrutura dos Esportes Olímpicos no clube?
Rosicleia: A gestão hoje é profissional e o ponto mais importante para mim é “ter voz”!

Como isso ajuda no desenvolvimento das modalidades?
Rosicleia: Ter voz é você ter a liberdade em conversar com seus superiores, gerente e vice-presidente. Colocar a realidade, sem ter receio, porque somos um time e seremos cobrados como tal.

Onde você enxerga que o clube pode melhorar?
Rosicleia: No caso do meu departamento é valorizando financeiramente os profissionais, estamos aquém dos outros clubes a nível salarial. E também termos a representação de uma equipe sênior.

O que outros clubes de massa podem aprender com o Flamengo nesse sentido?
Rosicleia: O trinômio RAÇA, AMOR E PAIXÃO! O orgulho de fazermos parte de uma Nação! Isso nos fortalece e nos faz superar desafios.

Olimpíadas de Tóquio

Vamos chegando nas Olimpíadas e a mídia passa a falar muito sobre os esportes olímpicos. Fora desse período, no entanto, esses esportes são deixados de lado. Como você vê esse desprezo?
Rosicleia: Penso que essa questão vem diminuindo. Antes éramos basicamente limitados a 3 veículos de acesso a notícia: TV, jornal impresso e rádio. Hoje em dia, por conta da internet, o acesso à informação ficou mais abrangente. As confederações e os clubes, assim como o Comitê Olímpico do Brasil, possuem seus próprios canais de veiculação de notícias, tornando o acesso livre e democrático, onde conteúdos específicos são gerados ininterruptamente, alcançando uma legião de seguidores ávidos por notícias.

Quais são suas expectativas sobre o judô brasileiro nas Olimpíadas?
Rosicleia: Eu sou uma ETERNA TORCEDORA, independente. Foram dias difíceis, diferente de TUDO que vivemos no mundo! Óbvio que não tivemos a melhor preparação, até porque, nunca foi fácil para nós brasileiros nos prepararmos para Jogos Olímpicos. O principal motivo é nossa localização geográfica, já que a grande parte das competições acontecem nos continentes asiático e europeu, o que demanda investimento financeiro alto e tempo de viagem. Penso que o judô sempre nos presenteia com medalhas e cumpriremos essa tradição de trazer medalhas em todas as edições dos Jogos Olímpicos!

Você considera que o judô é o carro chefe de medalhas pro Brasil? Visto que o país conquistou medalhas na modalidade em todas as edições desde 1984.
Rosicleia: Esse termo “carro chefe” foi o COB quem deu, e recebemos por exatamente fazermos essa entrega. Isso é estatístico e contra números não tem como argumentar né? (risos) Mas a certeza que temos é de termos trabalhado (CBJ/COB/CLUBES/ATLETAS) muito em conjunto, para fazer dar certo. E assim o faremos como sempre fizemos. Vamos que vamos!!

As duas últimas medalhas de ouro do país no judô foram conquistadas por mulheres. Como você enxerga essas conquistas? Isso pode se repetir em 2021?
Rosicleia: OREMOS!!! Eu tenho muito orgulho da história do judô feminino que é tão recente! Até 1979 era proibido por LEI a prática de judô. Nossa 1ª Olimpíada valendo medalha foi em Barcelona 1992, (1988 Seul foi como esporte demonstração). Toda nossa trajetória e conquistas possuem um valor diferente pela nossa luta por equidade! Nossas necessidades sempre foram diferentes dos masculinos. Por isso tenho muito orgulho, porque não foi só ganhar a medalha, mas CONQUISTAR: respeito, autonomia, investimento específico e outros elementos necessários para tirarmos o “atraso” histórico.

O Flamengo levará representantes para a competição?
Rosicleia: O Flamengo ainda não tem uma equipe sênior formada. Estamos em reconstrução, mas temos nossas representantes da base que viajarão para Tóquio como apoio das titulares. A CBJ faz um trabalho muito bacana de inclusão levando atletas jovens como apoio dos titulares para vivenciarem esse clima olímpico. Os medalhistas olímpicos Felipe Kitadai, quue foi como apoio em 2008 e foi medalhista em 2012, e Rafaela Silva, que foi também como apoio em 2008, competiu jogos em 2012 e foi campeã olímpica em 2016, são exemplos da importância dessa iniciativa. Nossas representantes da base serão: Maria Eduarda Diniz – 70kg – apoio da Maria Portela; e Eliza Ramos -78kg – apoio da Mayra Aguiar.

Como é o processo de preparo pra uma Olimpíada?
Rosicleia: Vixe! É doído viu?! Judô, assim como qualquer outro esporte de alto rendimento, exige muito do físico, do psicológico! Hoje ainda temos o COVID-19 que pode literalmente derrotar o atleta… Atleta é sinônimo de disciplina, resiliência, superação, foco e muita, muita dedicação!

Como é a preparação física, técnica e mental pros atletas terem performances de alto nível no momento certo?
Rosicleia: Hoje, comprovadamente, não existe mais a possibilidade do atleta apenas cuidar da parte física e técnica/tática. A parte emocional pode colocar tudo em risco e por esse motivo, estar emocionalmente preparado faz total diferença, não apenas na competição, mas no processo. Os oaches e psicólogos esportivos são profissionais que treinam as mentes desses atletas, usando e ensinando ferramentas fundamentais para transformas nossos guerreiros.


Lucas Tinôco
Autor

Acima de tudo Rubro-Negro. Sou baiano, tenho 28 anos e cursei Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb). Além do MRN, trabalhei durante muito tempo como ap...