Quando o projeto é vencer acima de tudo: analisando o caso Smith-Mahomes do Chiefs
Pelo menos nos últimos seis anos, meus domingos são divididos entre os jogos do Flamengo e a NFL, para os leigos, “o campeonato americano de futebol americano”. Não sou especialista no assunto, longe disso, mas vou me arriscar em algumas linhas. Quem for ler, me perdoe qualquer comparação tosca.
Trata-se da liga esportiva mais rica do planeta, com arrecadação de embasbacantes 13 bilhões de dólares por temporada. Para termos uma maior noção disso, o segundo colocado do ranking divulgado pelo site howmuch.net é a NBA, a liga americana de basquete, que arrecada 9,5 bilhões de dólares(o Brasileirão consegue cerca de 1 bilhão de Trumps por ano, pelo mesmo ranking). Então, como vocês devem imaginar, o nível de profissionalismo envolvido é uma coisa absurda.
“Rapaz, o que esse infeliz quer por aqui falando de NFL?” Calma, vou chegar lá.
O Kansas City Chiefs são uma das mais tradicionais franquias da NFL, fundada em 1960. O time já conquistou o SuperBowl uma vez e foi campeão da antiga AFL (uma das ligas que posteriormente formou a NFL como a conhecemos hoje) outras três. É um time que teve uma época de ouro no final da década de 50 e passa por uma enorme seca de títulos. Suas campanhas em 2011 e 2012 foram medonhas.
Em 2013, os Chiefs assinaram com o quarterback (uma espécie de camisa 10, posição mais importante) Alex Smith. Se tratava de um grande jogador, que entrou na liga em 2005 como a primeira escolha do draft – foi o universitário mais desejado pelos times da NFL – e era destaque de seu antigo time, o San Francisco 49ers. Desde então, liderados por Alex Smith até 2017, os Chiefs sempre conseguiram campanhas positivas (mais vitórias que derrotas): 11-5, 9-7, 11-5, 12-4 e 10-6, se classificando para os playoffs em quase todos esses anos. A torcida o amava, os especialistas o elogiavam. Alex Smith mudou o patamar dos Chiefs!
Então veio o draft de 2017 e o Kansas City Chiefs contratou o novato Patrick Mahomes, 22 anos, quarterback da universidade de Texas Tech. Ok, pode ser que Alex Smith precisasse mesmo de um reserva mais barato, para abrir caixa para outras contratações. Veio a temporada de 2018, a atual. Kansas City se desfaz de Alex Smith e lança aos leões o agora segundo anista, que jamais tinha feito uma partida pela NFL, nem mesmo uma jogada sequer. Ficaram loucos? O que pensam a diretoria e a comissão técnica dos Chiefs?
Acontece que, hoje (novembro de 2018), Mahomes já tem dez partidas como titular dos Chiefs, com uma campanha 9-1, 29 passes para touchdown (recorde na NFL) e 3185 jardas passadas (também recorde na liga). O time tem o melhor ataque da liga até o momento. A torcida nem lembra mais de Alex Smith. Seria Mahomes um fenômeno? Teriam os Chiefs dado uma sorte danada? O que explica um movimento tão arrojado ter (até aqui) dado tão certo?
O primeiro ponto que eu noto é a mentalidade vencedora da diretoria dos Chiefs. “Ah mas os Chiefs não ganham nada desde não-sei-quando”, não se trata disso. O upgrade que Alex Smith trouxe à franquia em relação aos anos anteriores de sua chegada é inegável, mas não suficiente. Os anos vão passar e Smith terá sido um bom QB que passou por lá. Quem toma conta do clube não se deu por satisfeito e foi atrás de um quarterback ainda melhor, que pudesse liderar o time para um título, coisa que Alex Smith, por melhor que tenha atuado em Kansas, não pode fazer (por diversos motivos). Poderia ter dado errado (como ainda pode dar)? Claro. Mas não fazer nada também não traria nenhuma melhora.
O segundo e talvez o principal ponto é o nível de profissionalismo dos scouts (olheiros) não só dos Chiefs, mas de todos os times da NFL. Vocês lembram das cifras que abriram esse post, né? Pois é, é muita grana envolvida, uma opção errada e você compromete toda uma temporada não só em termos técnicos, mas principalmente financeiramente. E aí não tem choro nem vela: você é mandado embora, fica com o nome queimado na liga e ninguém mais te contrata. Escolher jogador para um time de NFL é uma ciência muito séria, que obviamente não se limita em assistir os DVDs do garoto jogando por sua universidade.
O scout muitas vezes começa ainda no High School (ensino médio), dependendo do atleta. Há todo um acompanhamento silencioso, até o fim da faculdade. São levados em consideração aspectos pessoais do jogador, tais como suas notas, seu empenho nos treinos, mentalidade, relacionamentos com parceiros de time, colegas de classe e professores. São entrevistados treinadores, familiares, funcionários da universidade, rivais. Quantos talentos o futebol brasileiro perde todo ano, por que apesar do garoto saber jogar bola, tem a maturidade de uma criança de 5 anos? Ou quantos são descobertos em clubes pequenos e, chegando nos times grandes, não se adaptam à cidade, ficam longe da família e todo investimento vai por água abaixo?
As estatísticas vão além das pontuações disponíveis em sites por aí. Nisso os americanos são reis. Sabe-se como o jogador se porta em situações de pressão, em situações sem pressão, quando ele opta por um lançamento ou uma corrida, que tipo de jogada ele gosta, que tipo de defesa ele não gosta. Sabe-se se ele tem técnica para correr, técnica para lançar. Se ele muda a forma de jogar em partidas fora de casa. O garoto basicamente chega no clube e a comissão técnica já o conhece como se lá estivesse faz alguns anos. Aqui no Brasil, tem muito líder da Bola de Prata Placar que mal sabe cruzar uma bola. Não é à toa que alguns scouts americanos são considerados lendas do esporte por lá. Uma geração de ouro de um time da NFL pode começar (ou deixar de existir) por causa de uma escolha de draft.
A CONVICÇÃO dos Chiefs em Patrick Mahomes não foi sorte ou acaso. Quando o atleta foi draftado, a diretoria já sabia que ele seria o QB titular no ano seguinte, independente da melhora que Alex Smith trouxe para o time. Sabia por que, resumidamente, (1) NÃO SE ACOMODOU com os bons resultados de seu atual QB, que apesar de muito melhores que os anteriores, não garantiram títulos nem mesmo de Conferência, e (2) se PLANEJOU para trazer outro jogador: trabalhou, estudou, foi atrás e, baseado em CRITÉRIOS TÉCNICOS E HUMANOS, vislumbrou alguém que poderia entregar o que se desejava. Os Chiefs não querem se classificar para os playoffs: querem TÍTULOS.
Agora sim, finalmente, vamos arredondar a bola e falar de futebol, falar do Flamengo.
Precisa?
SRN
Rubro-Negro Campeão do Mundo, engenheiro e blogueiro de viagens. No MRN, escreve no blog Flatrip. Siga-o no Twitter: @gunevesduarte.
Crédito imagem destacada no post e redes sociais: Divulgação / Kansas City Chiefs
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