Saudações, Rubro-Negros! Estamos em busca de um rival.
Já não é de agora que não é mais possível tratar nenhum de nossos mais tradicionais adversários como rivais de verdade, e a culpa disso é toda deles. Nem Botafogo, nem Fluminense, nem Vasco têm estatura moral e/ou esportiva para gozarem do privilégio de serem tratados como tal. O Flamengo para eles, sim, será sempre o maior de todos os rivais. Nada muda em relação a isso. Tampouco muda o fato de que para eles é muito mais importante ver o Flamengo mal do que o próprio time bem. É assim desde a era paleolítica e não seria diferente justo agora, quando vêem o abismo entre nós e eles se tornar maior a cada dia.
Há muito tempo defendo a tese de que o fortalecimento do Campeonato Brasileiro e a morte dos horrorosos, modorrentos e politiqueiros estaduais tornou obrigatório que o Flamengo se veja e se comporte como um clube nacional, algo que só ele de fato é. Não quero com isso dizer que os três do Rio devam ser ignorados solenemente. Futebol também é História, é tradição, e por ser tudo isso é óbvio que sempre sentiremos aquele gosto especial quando o batermos, ou, quando batidos, ficaremos chateados. Ambos os sentimentos, porém, não irão durar mais do que alguns minutos após cada partida, enquanto que para eles uma vitória ou mesmo um empate pode significar o momento mais importante da vida em muitos anos, e a derrota será encarada com a resignação de quem sabe que era esse o resultado mais certo.
Passou muito do tempo de o Flamengo compreender que seus reais rivais de hoje estão espalhados por São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul. Competimos contra Corinthians, Palmeiras, São Paulo, Cruzeiro, Grêmio, talvez até mesmo o Inter, o Santos e o Atlético. Certo é que não mais contra nossos vizinhos. Há anos que não é. A Juventus da Itália por décadas rivalizou com o Torino, também da cidade de Turin; o Barcelona tem lá sua rivalidade local com o Espanyol; assim como o Real com o Atletico, embora nesse caso as coisas sejam menos desiguais; o Bayern por muito tempo se engalfinhou com o Munique 1860, e até o modesto West Ham com o ainda mais modesto Millwall, cujos embates entre seus Hooligans há tempos que são mais frequentes -- para muitos até bem mais interessantes e instigantes -- do que entre os times. E o que todos eles possuem em comum? O fato de há anos terem enxergado para além do próprio quintal e percebido que a rivalidade local, embora salutar, histórica e necessária para a preservação da própria memória do futebol e dos clubes, pode limitar e apequenar ambos os lados, bastando que para isso um caia e o outro, movido apenas pelo desejo de ser maior que o “inimigo”, se satisfaça sendo apenas isso, ou seja, maior do que alguém que já é muito inferior.
É desse mal que o Flamengo precisa fugir urgentemente. É primordial que os deixemos para lá para que resolvam seus inúmeros problemas financeiros, estruturais, políticos e até existenciais. Deixem que eles se preocupem conosco, pois nisso têm mais de cem anos de experiência, e vamos nós nos preocupar com o que e com quem de fato importa, pois como já nos ensinavam nossos avôs e avós, quem a porcos se mistura, farelo também come.
SRN
Fabiano Torres, o Tatu, é nascido e criado em Paracambi, onde deu os primeiros passos rumo ao rubronegrismo que o acompanha desde então. É professor de idiomas há mais de 25 anos e já esteve à frente de vários projetos de futebol na Internet, TV e rádio, como a série de documentários Energia das Torcidas, de 2010, o Canal dos Fominhas e o programa Torcedor Esporte Clube, na Rádio UOL.
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