Pro Flamengo não basta vencer, é preciso tornar a vitória inesquecível
Existe uma certa dose de inocência em qualquer discurso sobre existir um jeito “certo” ou “errado” de jogar futebol. Equipes criativas e ousadas, que viviam totalmente dentro dos preceitos do futebol arte, como numa propaganda daquela campanha “joga bonito” da Nike, já sofreram derrotas traumáticas e eliminações vergonhosas, enquanto times montados de maneira totalmente reativa, organizados para praticar o futebol menos plástico e mais pragmático possível, que pareciam ir contra tudo que se espera do ludopédio enquanto esporte, levantaram taças e entraram para a história.
Mas ainda que não exista jeito errado de vencer e muito menos jeito certo de perder, é inegável, para qualquer um que entende o básico da identidade rubro-negra, que existe um jeito flamenguista de jogar. Isso porque, seja perdendo, seja ganhando, existem algumas coisas que se espera de um time que veste o manto vermelho e preto, como parte da identidade, como parte da cultura, como parte da ideia de Flamengo e do espírito do que esse clube representa.
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De um time do Flamengo se espera entrega. Um jogador do Flamengo não tira o pé, um jogador do Flamengo acompanha a jogada até o fim, um jogador do Flamengo não desiste nunca. Do Flamengo se espera que proponha o jogo. O Flamengo é, por natureza, ofensivo, criativo, ele propõe as ações, ele busca o gol. Você nunca vai ver um torcedor rubro-negro confortável com um Flamengo retrancado, que espera o adversário, que não se lança na busca pela vitória. E claro, cabe ao Flamengo ter técnica. O clube que já teve Leônidas, Carlinhos, Zico, Junior e Petkovic não se contenta com transpiração, ele exige inspiração, ele não se contenta com raça, ele exige que a arte venha junto no pacote.
E por isso esse time de Dorival Junior, um técnico que chegou desacreditado, para comandar um grupo que passava, ainda em junho, a sensação de que a temporada já tinha acabado, vem provando cada vez mais o quanto ele é Flamengo.
Porque a vitória desta quarta-feira, por 1×0 contra o Athletico Paranaense, numa Arena da Baixada lotada e diante de um adversário que – dentro dos seus direitos constitucionais – parecia muito mais interessado em fazer faltas sem bola do que em fazer um gol, foi uma apresentação exemplar do que é esse espírito rubro-negro, do que se espera de um time de vermelho e preto. Do que significa se doar, buscar o protagonismo da partida, e realizar todas essas tarefas com a técnica e a qualidade que nos lembram porque o futebol pode sim ser algo mágico e especial.
Seja pela defesa sólida organizada por Dorival Junior, com um Santos cada vez mais inimigo do rebote, um Léo Pereira que obviamente morreu e foi substituído e um Rodinei que vive a melhor fase da sua vida; seja por um meio onde Vidal corre com a vitalidade de um jogador de 21 anos e João Gomes marca como se já tivesse disputado duas copas; seja pelo privilégio que é acompanhar a fase atual de Pedro, um centro-avante que tem mais recursos que todos os armários do STF somados; o que se vê é um Flamengo que não apenas vence, mas vence com um requinte, um protagonismo e uma qualidade capazes de animar o torcedor.
Então a classificação desse meio de semana, que leva o Flamengo para as semifinais da Copa do Brasil e nos coloca como o único time no país que ainda briga pelos três títulos nacionais, é mais um lembrete do quão bonito e do quão especial é torcer para o Flamengo, ainda mais quando o Flamengo decide realmente ser Flamengo. E ainda que falte muito para levantar alguma taça, ainda que nessa altura nada esteja garantido, é impossível não pensar que, se o Flamengo continuar sendo tão Flamengo assim, não existe vitória que não seja possível.