Precisamos falar sobre Jayme (ou sobre auxiliares e treinadores)

12/07/2016, 20:01

Texto escrito por Homer Fla (Twitter: @Homer_Fla)

 

Quando, em meados dos anos 2000, a brilhante Lionel Shriver escreveu o thriller extremamente bem trabalhado que inspira o título desse post, a até então desconhecida autora ofereceu ao mundo uma crônica onde o suspense e o drama não se manifestam nos resultados, mas sim na angustiante tentativa de compreender o que levou a situação a esse ponto, assim como na busca por entender e identificar o impacto isolado de cada uma do longo conjunto de influências individuais e coletivas que levou a tal circunstância. Então, sob a ótica da obra, da busca de causas, circunstâncias e consequências, não apenas de resultados, precisamos falar sobre (Kevin) Jayme.

Domingo, com o técnico Zé Ricardo cumprindo suspensão automática, Jayme de Almeida voltou a sentar no banco de reservas como treinador do Flamengo, dando continuidade a uma relação de altos e baixos no posto evidenciada pela discrepância entre seus dois resultados mais recentes, a derrota por 4 a 0 frente ao Corinthians e a vitória por 2 a 0 contra o Galo. Mas de qual Jayme estamos falando? De um dos 9 campeões nacionais pelo Flamengo ou o senhor que não vêm conseguindo fazer com que a equipe tenha bom rendimento em suas últimas passagens?

Jayme de Almeida: O vilão

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Foto: Flamengo

É factual que a malconduzida saída de Jayme do comando do Flamengo, em 2014, causou uma série de rusgas e desgastou sua relação não só com a diretoria, mas também com a torcida. Até por isso, seu retorno, em 2015, pouco antes da saída de Vanderlei Luxemburgo, foi bastante questionada.

Questionou-se sua postura ao sair do clube, que tendeu desnecessariamente para a beligerância em detrimento de valorizar o carinho de outrora, sua qualificação para o cargo, seus métodos de treinamento. E tudo com razão. Mesmo que o currículo de Jayme mostre algumas experiências no próprio Flamengo, em clubes menores do Rio, Espírito Santo e Paraná, e até mesmo no Japão, ora como técnico, ora como auxiliar, isso somente não era o suficiente num momento em que o Flamengo já ambicionava dar um passo à frente no caminho da modernização e da profissionalização.

Embora pouco tempo depois, paradoxalmente, a torcida tenha sido iludida pelo canto da sereia, comprando e defendendo Muricy como reciclado, graças a uma semana em Barcelona e um par de entrevistas, sem questionamento, até que fosse confrontada com a dura realidade, o questionamento sobre Jayme naquele momento era totalmente necessário e válido e, se expandido e exaurido por discussões e análises, a contratação de Jayme talvez nem tivesse ocorrido.

No entanto, mais de um ano depois, o que vimos, isto é, o resultado, foi uma sequência de insucessos e uma desconstrução no imaginário coletivo que deve ser estudada. Desde seu retorno, Jayme de Almeida comandou o Flamengo em 7 oportunidades (8, se contabilizado o jogo contra o Corinthians), obtendo o temerário desempenho de 4 (5) derrotas, 2 empates e apenas uma vitória, com um aproveitamento desastroso de 24% depois de seu retorno, muito inferior ao seu aproveitamento de 62,7% enquanto técnico do Flamengo.

Mais do que isso, sua relação com a torcida se deteriorou com a apatia do time nos jogos comandados por ele, relembrando e acentuando os velhos erros que levaram a torcida à loucura e causaram sua substituição no início de 2014, como a demora para substituir, a dificuldade em fazer a correta leitura do jogo e de seu time imprimir intensidade, a insistência com um esquema improdutivo e com jogadores questionados e problemas defensivos recorrentes com bola aérea e bola parada, chegando ao ápice com a apatia da equipe no último domingo, onde não foi capaz de evitar a  – ou foi corresponsável pela -  goleada, gerando a ira da torcida.

Nem mesmo a vitória por 2 a 0 sobre o Atlético Mineiro pareceu reparar a empatia da torcida com o ex-treinador. De maneira quase que irreparável, nenhum mérito da vitória é creditado ao auxiliar, em passo que qualquer falha ou derrota, como a goleada sofrida contra o Corinthians, entra diretamente na conta do Campeão da Copa do Brasil de 2013.

Jayme no Imaginário Coletivo

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Foto: Flamengo

Os maus resultados, o desgaste com a torcida e as falhas consecutivas transformaram Jayme em uma entidade caricata. O time está com problemas na bola aérea? A culpa é do Jayme, que é responsável por treinar a defesa. Problemas de Bola Parada? Mais uma vez, falha do Jayme, que não arruma o posicionamento. O treinador insiste em não escalar os melhores jogadores? Sem sombra de dúvida é influência do Jayme. As substituições são erradas ou tardias? Ele anda escutando os conselhos do Jayme. O treinador abdica de uma tática que vem dando certo, retornando para o datado esquema com pontas limitadas? É evidente que o Jayme fez sua cabeça.

Tudo isso sem a presença de uma única reportagem que comprovasse influência direta ou sequer que os fatos relatados são parte da atribuição do auxiliar técnico, ou especificamente dele– em geral, as comissões técnicas do Flamengo têm dois auxiliares, um permanente (Jayme) e outro trazido pelo treinador em exercício –, e não apenas mais um devaneio ou delírio coletivo, na tentativa de escolher heróis ou vilões.

Dessa maneira, atribuir erros recorrentes inerentes aos diversos treinadores que aqui passaram a figura de Jayme de Almeida sem nenhuma evidência de sua participação concreta, apenas por serem erros que também foram cometidos por esse em sua passagem, se torna um grande erro recorrente, preferir escolher heróis e vilões em detrimento de visualizar seu significado verdadeiro: todos os demais técnicos que passaram por aqui vêm cometendo erros inadmissíveis, dignos de auxiliares. Erro esse que não consiste apenas em blindar treinadores tentando transferir responsabilidades, mas ocultar essa discussão sobre o desempenho, infantilizando um dos temas mais complexos do debate recente sobre o Flamengo.

Até mesmo porque as características atribuídas à Jayme, o Grande Vilão, renderiam não só um grande roteiro como também a construção de um dos vilões mais perversos da história de Hollywood, o Grande Jayme de Almeida, o maquiavélico vilão que, com a capacidade de articulação digna do Imperador Palpatine, consegue consumir rapidamente consumir a mente dos treinadores contratados para que escalem Márcio Araújo, insistam no 4-5-1, demorem a substituir e, quando o façam, errem, e não consigam reparar os problemas com bola aérea. Tudo isso realizado de maneira tão fria e calculista que daria inveja à Don Michael Corleone e Dr. Hannibal Lecter, visando unicamente acabar com o Flamengo, movido por um desejo de vingança por sua demissão cristalino e transparente, com ímpeto que aterrorizaria até mesmo Darth Vader.

Não. Jayme não é o vilão da descrição que, dado seu estilo sereno, não passa de um grande deboche. Como todos nós, tem acertos e erros e, possivelmente, tem sua parcela de contribuição no insucesso atual do futebol – embora considere essa seja difícil de aferir, visto que não acompanho os treinos para saber qual sua função específica –, do mesmo modo que não vem se mostrando uma opção válida como interino, dado o desempenho pueril do time sob seu comando, mas sem dúvida sua influência não é tão grande quanto pintam. Tampouco, Jayme é o inimigo.

Jayme de Almeida: O herói

Foto: Flamengo
Foto: Flamengo

Do mesmo jeito que Jayme teve um caminhão de erros em sua passagem como treinador, que acabaram culminando numa eliminação precoce da Libertadores e um péssimo início de Brasileirão, com o time jogando em péssimo nível, Jayme também teve bons momentos e virtudes que devem ser avaliadas.

Calmo e motivador, usou seu perfil conciliador para promover uma rápida reação do elenco à saída conturbada de Mano Menezes, capitalizando o desejo do elenco de provar o erro de Mano com a necessidade de reação imediata, conduzindo o Flamengo à conquista da Copa do Brasil mais difícil de todos os tempos e de um final tranquilo de Brasileirão por meio de mudanças pontuais – a troca de Cáceres por Amaral deu mais liberdade a Elias e mais poder de marcação ao meio, que ficou mais leve, enquanto a entrada de Paulinho pela esquerda no lugar de Rafinha diminuiu os problemas defensivos e se tornou uma válvula de escape letal as dobradinhas com André Santos, além da barração de Marcelo Moreno para o retorno triunfal de Hernane, que sob seu comando se tornou o impiedoso Brocador, comandante de um ataque letal que garantiu o 10º título nacional na nossa sala de troféus.

Tudo isso sem esquecer da inexplicável química daquela equipe, composta por uma dezena de jogadores limitados, com a magnética, que encheu o Maracanã para assistir que um Flamengo que até então postulava na segunda metade da tabela passasse impiedosamente por cima de todo o G4 do Campeonato Brasileiro, conquistando um título maiúsculo e improvável.

Em geral, estudamos casos de sucesso para identificar seus acertos e tentar replicá-los. Atribuir todo sucesso à sorte (ou analogamente todo insucesso a falta dela) – que é um fator que nunca pode ser desconsiderado ou desprezado –, porém, é não só dispensar um material vasto de experiências, informações e acertos que poderiam ser assimilados pela mentalidade do clube e replicados, embora possa e deva ser avaliado qual a importância fundamental do treinador nesse processo e se algo que foi feito não poderia ser feito por outros profissionais, visto que no futebol, assim como na vida, o custo real é na verdade o custo de oportunidade.

Falando sobre Jayme

Foto: Flamengo
Foto: Flamengo

Mediante tudo que foi exposto, acredito que chegou o momento de Jayme de Almeida ter seu papel reavaliado. Não só pelos resultados, mas possivelmente pela análise das causas: A repetição dos mesmos erros que cometera enquanto técnico, o desgaste com a torcida e eventualmente com o elenco, mas sobretudo, a falta de capacidade de reação, que fora a tônica do time sob seu comando.

Se enquanto técnico uma de suas grandes virtudes foi fechar o elenco e conseguir capitalizar e motivar o time, no momento Jayme parece desgastado e desconfortável, o que fica transparecido por dois pequenos episódios. Após o empate por 2x2 com a Chapecoense, sua esposa recorreu ao Facebook para tecer um par de críticas sobre o comportamento do time. Antes disso, ainda em 2015, havia sido revelado seu desconforto após a demissão de Vanderlei Luxemburgo, sendo cogitada inclusive sua substituição por Petkovic.

Jayme tem méritos que permitiram que seu nome ficasse marcado permanentemente na História do Flamengo como um dos 9 treinadores campeões nacionais, numa galeria que contempla nomes como Cláudio Coutinho, Carlinhos Violino e Zagallo. No entanto, por essa circunstância de constante desgaste, seja com a torcida, seja com o elenco – ainda existem vários jogadores remanescentes de sua passagem como treinador –, não parece haver grande perspectiva de que a equipe consiga ter um bom rendimento em suas intervenções como interino.

Aliado a isso, Zé Ricardo inicia na Gávea uma nova trajetória e, confirmada sua efetivação – a qual acredito ser a melhor escolha –, o momento seria perfeito para uma mudança de função de Jayme, abrindo espaço para a chegada de um novo auxiliar técnico, em consonância com os métodos de Zé Ricardo e, sobretudo, sem nenhuma espécie de vínculo ou rusga com o elenco, me pareceria interessante.

Não. Infelizmente, Jayme não é nem de perto o que seria o caricato vilão hollywoodiano das escalações ruins ou do time apático, o que torna o problema muito mais complexo e difícil de ser resolvido. Tampouco me parece ter qualquer parcela maior de contribuição nos resultados do que a de um simples auxiliar. Mas, exceto se vem realizando algum tipo de performance ou trabalho excepcional na preparação da equipe – e, se isso vem acontecendo, Jayme na verdade é um grande injustiçado, o que também não acredito –, sua permanência como auxiliar parece ser uma tentativa insensata de prolongar um casamento infeliz.

Por parte do Flamengo, que na história recente tem uma taxa de alta rotatividade de treinadores, fazendo com que auxiliares comandem a equipe com alguma frequência, existe um auxiliar que não parece trazer os resultados de outrora, implicando em resultados ruins sob seu comando e insegurança em caso de expulsões ou demissões dos técnicos – muitas vezes, a pressão causada por uma sequência relativamente curta de derrotas após demissões força a contratação apressadas ou afobadas.

Por parte de Jayme, suas virtudes, como o perfil conciliador, a capacidade motivacional, o conhecimento do clube e do espírito de sua torcida e o estilo ‘Paizão’ poderiam ser melhor aproveitados em outra função, tirando tanto Jayme do desgaste constante e frequente com o elenco, em passo que encerra de vez as especulações sobre sua eventual influência sobre as diversas áreas, já que também vem sofrendo pressão da torcida.

Desse modo, acredito que, por mais que os jogos dirigidos por ele venham sendo bem espaçados, existe necessidade de reavaliar a colocação de Jayme, bem como de entender a causa do baixo rendimento, visto que o resultado vem sendo infrutífero para os dois lados e gera nada além de desgaste. Assim, o Flamengo poderia analisar a necessidade, se houver, de alguém com o perfil e as virtudes e a qualificação de Jayme em outra área, definindo assim sobre uma eventual recolocação ou deliberando sobre sua permanência, evitando que essa relação de desgaste se acentue ainda mais, enquanto extrai o melhor de seu profissional em uma área mais própria e dá mais um passo na tão sonhada profissionalização da Comissão Técnica.

Tudo isso ao perceber e reconhecer um indicativo que parece evidente de encerramento de ciclo, evitando assim que um casamento que agora parece infeliz e pouco produtivo evolua para mais um divórcio longo, doloroso e litigioso.

Assim, as análises sobre Jayme nos conduzem a uma discussão profunda que implica em um conjunto de questionamentos: A que podemos atribuir o insucesso recente do Flamengo sob o comando de Jayme? Qual o tipo de interferência do auxiliar no trabalho dos treinadores? Quais fatores devem ser levados em conta na escolha dos membros da comissão técnica? Jayme poderia contribuir em alguma outra área ou deveria permanecer como auxiliar técnico? Seu trabalho deveria continuar? O que causa a rejeição recente da torcida a seu nome?

 

Crédito imagem destacada: Gilvan de Souza/Flamengo

 

Fontes:
  1. http://blogs.odia.ig.com.br/nabola/2016/05/26/mulher-de-jayme-de-almeida-critica-time-do-flamengo-em-rede-social/
  2. http://extra.globo.com/esporte/flamengo/trazido-de-volta-por-luxemburgo-jayme-fica-desconfortavel-no-flamengo-corrente-tenta-emplacar-petkovic-como-auxiliar-16279529.html

 


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