Foi assim que um amigo flamenguista, Edvaldo, carioca radicado em nossa Ouro-Preto, participante do grupo “Flacorneta”, batizou o gol de Cebolinha contra o Fluminense, no Fla-Flu de 25 de fevereiro de 2024.
Se eu já estava propenso a escrever sobre o tema, fiquei ainda mais sugestionado graças a essa bela designação para um belíssimo gol.
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Todos discutimos a eterna questão do “futebol de resultado e o futebol-espetáculo”. Porque no nosso imaginário as seleções da Hungria, de 1954, da Holanda, de 1974 e do Brasil, de 1982, sobretudo essa última, foram injustiçadas nos placares, por esses meros detalhes aritméticos, que são os gols, tão raros no esporte-bretão em comparação com outros esportes.
Pensemos no basquete com seus placares de 100 pontos ou próximos a isso. Durante um jogo, “Magic Johnson” brincava de dar passe, fintar, fazer mágica em quadra e lá ao final tinha mais de 30 pontos feitos. Oscar, idem. Jordan, 40, 50 pontos. Enquanto no futebol, pode-se jogar o fino da bola e não vencer a meta adversária. Gol é coisa rara!
Nós, pobres aficionados por um esporte de escassos placares, a ponto de nos traumatizarmos tanto com um 7 a 1 sofrido pela seleção canarinho ou um 6 a 0 imposto a nosso Mengão, escores banais para jogos feios de rugby, futebol-norte americano, handball, acostumamo-nos a ver os grandes jogadores fazerem de tudo em campo, menos o gol que esperávamos.
Os dois quase gols históricos de Pelé, o pênalti perdido em Copa pelo Galinho em 1986, para ficarmos com dois dos maiores de nossos jogadores.
E também as firulas do Maradona e do Ronaldinho Gaúcho, dois de nossos outros maiores jogadores, que muitas vezes geraram gols próprios ou de seus companheiros, mas que, não raro, permitiram “apenas” quase gols, seus ou de terceiros, porque depois de driblarem três, quatro, entortarem as próprias vistas dos expectadores – “como eles fizeram isso?”, todos se perguntando na frente da TV ou, de corpos-presentes, no estádio –, eram finalmente vencidos por algum defensor desavisado querendo cumprir sua função em campo e estragando a beleza em prol do dever.
Por isso que as eficiências numéricas de Messi e Cristiano Ronaldo impressionam tanto: eles jogam bonito – CR7 às vezes -, mas fazem gols. Ponto. É isso que importa, pois vivemos na sociedade do desempenho.
O que faria hoje ele e o que faríamos hoje do Garrincha, que, segundo Eduardo Galeano, acreditava que “futebol é uma festa, e não um emprego ou negócio” e, acrescento eu, um monte de números?
Sim, há saudosismo no ar, caro leitor, cara leitora, mas quero falar que dos anos de 1990 para cá, pelo menos, o futebol mudou muito, e a parte física, combinada com avanços tecnológicos na mensuração do desempenho esportivo e a assunção de que futebol é geometria, como já se disse, fez com que focássemos em coisas meio óbvias, que antes soavam mais intuitivas: posse de bola é importante, verificar a média de quilômetros dos jogadores por jogo, quebrar linhas, marcar sobre pressão, subir as linhas etc.
Tite chegou ao Flamengo, entre outros atributos que lhe conferimos, por ser alguém que arma bem o time, organiza defesa que toma poucos gols, ainda que pensemos que os times dele não jogam tão bonito, não fazem tantos gols.
Deixo essa discussão para outro momento e entro de fato no tema: que golaço do Cebolinha, não em si pelo desfecho no correto chute desferido, quando a bola ainda é tocada pelo Fábio, goleiro, antes de entrar no gol, que talvez pudesse até ter defendido, mas pelo antes …
No meio do campo, /
onde os deuses do futebol habitam, /
De la Cruz, em sua cruzada pelo santo cálice bretão /
o gol, apenas o gol, /
recebe a bola, /
em mais um jogo /
do mais charmoso clássico.
E com classe ele passa /
pelo primeiro marcador – /
ai que dó! -, /
muda de direção –
por onde vai ele, /
como garoto que no papel é dono das linhas -, /
vence outro marcador /
na técnica e guarra uruguaia /
e passa para o Arrasca.
Esse faz o que pode fazer, /
sempre perseguido em campo /
sempre por mais de um adversário, /
e de costas recebe o passe: /
o que pode mesmo ele fazer?
Com a força-técnica de seu calcanhar,/
um Aquiles de momento, /
entorta Antônio Carlos, /
zagueiro desconhecedor /
da elegância sutil do quatorze /
rubro-negro nosso: el Arrascaeta.
Para onde ela foi? /
Logo a bola está com Pedro, /
tocando idêntico verso /
do seu companheiro-garçom, /
que da bola é um grande poeta!
Onde está a bola? /
Nos pés de Cebolinha, /
vindo das imensidões do Maracanã, /
e no meio de quatro adversários, /
agigantando-se como no passado, /
nos gramados tal como Leviatã.
Que bonito é! /
Na cadência do samba, /
pois no domingo se sonha /
no palco do Maraca, /
e em preto-e-branco se faz o gol /
na beleza clássica de antigo cinema, /
do futebol bonito de toda poesia.
Bem, o poeta pode ser pior que o cronista, mas não haveria forma melhor de cantar uma poesia em forma de gol, afinal “a palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como outro falso: a palavra foi feita para dizer”, como saiu da boca de Graciliano Ramos e como li em crônica do craque das quatro e de todas as outras linhas, mestre Tostão.