Pelotas, Deuses e Monstros

26/02/2015, 16:26

Walter Monteiro, presidente da Embaixada FlaRS, é o convidado de hoje do Blog Coluna Rubro Negra! Ele esteve no estádio Bento Freitas ontem, e conta para nossos leitores como foi estar onde o Flamengo esteve. E dessa vez vencendo!

 

Walter Monteiro (@womonteiro)

“Rezem para que um dia vocês não precisem enfrentar os xavantes. Quando eles vêm a Porto Alegre, nós fechamos todos os estabelecimentos comerciais da estrada para que não sejam destruídos pela torcida”. A recomendação me foi passada por um comandante da Polícia Rodoviária Federal no dia em que nossa Embaixada foi convocada para um evento de preparação da segurança para um jogo de risco máximo, nas vésperas do dia que Ronaldinho Gaúcho enfrentaria o Grêmio no Olímpico.

“Conhece a cidade Rio Grande? No dia que o Brasil foi lá disputar um jogo de acesso, só 200 xavantes conseguiram entrar. Eram mais de 6 mil torcedores riograndinos, mas os xavantes quebraram tudo o que encontraram pelo caminho desde que cruzaram o pórtico da cidade”. Um colega meu no trabalho tentava me demover da aventura de ir a Pelotas ver a estreia do Mengão.

“Aos adversários que tem medo de visitar o Bento Freitas, fica aqui no nosso álbum de fotos do caldeirão, para que vocês saibam o que é uma torcida de verdade.” No finado Orkut, esse era o tópico mais movimentado da comunidade de torcidas do Rio Grande do Sul, com dezenas de relatos épicos dos feitos xavantes.

Vencendo a resistência familiar, os protestos de caminhoneiros e o desabastecimento de combustível, matei o trabalho e parti para Pelotas de ônibus, disposto a enfrentar o chamado “Xavanchester United” (apelido que ganhou depois de derrotar o Grêmio em plena Arena, o que depois se viu que não era tão difícil assim). Mais do que isso, fui encarar a  torcida com fama de braba.

Não se falava em outra coisa no RS essa semana: o Brasil, time que renasceu das cinzas depois que um acidente automobilístico matou e feriu parte do seu elenco e jogou o time para as mais baixas divisões regionais e locais, estava pronto para repetir o feito de 30 anos atrás e humilhar de novo o rubro-negro original. Fui obrigado a assistir incontáveis reprises dos frangos do Fillol e da pixotada do Leandro.

Já fui a jogos de Libertadores menos mobilizados do que esse. A cidade inteira - 350 mil habitantes - respirava a partida como se ali ocorresse a final do Super Bowl. Os outros passageiros do ônibus, os balconistas da rodoviária, o taxista que me levou até o hotel, os consumidores no supermercado, todos uniformizados com camisas e adereços do Brasil. Um amigo me ligava apavorado, porque teve a infeliz ideia de ir direto ao estádio trocar o voucher do ingresso com a camisa do Flamengo e foi cercado e hostilizado.

Tudo caô, como se viu depois!

Não sei se era a afinidade das cores mais belas do mundo, mas logo que cheguei nas cercanias do estádio notei um clima bem mais ameno. Com a camisa do Flamengo encoberta por uma camisa vermelha, atravessei uma multidão de xavantes até o posto de troca de ingressos, mas encontrei um ambiente familiar e tranquilo. Tão tranquilo que mesmo tendo me perdido dos amigos, resolvi ir sozinho a um bar, pedi uma cerveja, sentei e confraternizei com os bebuns que ali batiam ponto.

Os xavantes soltaram umas fumacinhas coloridas, encheram uns balõezinhos brancos, bateram umas palminhas e ficou nisso aí...silenciosos na maior parte do tempo, deixaram a gente cantar à vontade.

Para nós, da FLA RS, foi uma emoção muito peculiar. Fundada em 2007, ainda não tinha sido possível comemorar uma mísera vitória em nosso estado, já que a última vez que o Flamengo vencera aqui fora em 2004, também pela Copa do Brasil. A nossa virgindade, enfim, caiu.

E teve um lance muito maneiro, que foi a comemoração do gol do Pará. O moço, como se sabe, não tem lá muita intimidade com esse negócio de gol, em 11 temporadas como profissional só tinha balançado a rede 6 vezes, o que dá mais ou menos a média de meio gol por ano. Em três temporadas no Grêmio, só tinha marcado um golzinho solitário - adivinha contra quem? Pois é….

Perseguido pela torcida de Volta Redonda, Parazinho estava mais solto em Pelotas, a ponto de mandar a caneta com confiança. De forma improvável, a bola entrou. E em uma cena tão rara quanto seus gols bissextos, não foi comemorar fazendo dancinha, sinais para as câmeras, imitação do Cristiano Ronaldo ou abraçando o treinador. Ele saiu desembestado, correndo loucamente em direção à torcida do Flamengo, lá do outro lado do campo. Me senti na obrigação de retribuir e também corri para o alambrado.

Agora vejam como a vida é irônica e são mágicos os Inexplicáveis Poderes do Manto. Eu amaldiçoei como nunca a vinda do Parazinho, aprés tantos comentários irados de amigos gremistas. Estava certo de que o lateral ambivalente viria para a Gávea para repetir suas insossas e irritantes atuações das bandas do Humaitá. Por isso, cornetei com força e antecipadamente.

Terminamos ali, eu e Pará, separados por um alambrado, cada um mais feliz do que o outro. Nossa, como ele estava alegre. E eu também. Tanto que tive que ser retirado dali à base de cassetete, que o policial gentilmente bateu na grade e não em mim, agradeço a deferência,

Fiquei ali pensando, como se criam monstros a partir do nada (os xavantes só gritaram de verdade na hora que o golzinho nascido da falta inexistente garantiu o passeio na Cidade Maravilhosa). Fiquei lembrando como deuses são eternos e infalíveis, porque o simples fato de um dia terem vencido o time de Zico rendeu ontem festa, placa comemorativa e celebrações infinitas.

E, afinal, como é bom ser Flamengo. Não vi Zico em Pelotas, mas vi Pará! E isso me bastou.

Pra cima deles!


Partilha
Mundo Rubro Negro
Autor

Notícia e opinião de qualidade sobre o Flamengo desde janeiro de 2015