Pedagogia do opressor (resenha do livro Outro Patamar - Téo Benjamin)

10/08/2020, 14:07
livro outro patamar

Téo descortina para os leigos as minúcias e os métodos ocultos por trás do show de bola que o Flamengo deu nos gramados

Blog Unapitanga | Por Arthur Muhlenberg – Twitter: @Urublog

Já faz muito tempo que o futebol deixou de ser o violento esporte bretão onde 22 marmanjos corriam como selvagens atrás de uma bola. Ainda que o esporte tenha preservado a sua capacidade de ativar alguns dos instintos humanos mais primitivos, tanto em seus praticantes como na assistência, o futebol hoje é mais um campo da Ciência. Para alcançar a excelência na sua prática, além do talento e da aptidão física comuns a todos os esportes, é indispensável adquirir conhecimento baseado na observação sistemática e na análise lógica.

Do mesmo autor: Arthur Muhlenberg: Os Nus e os Bem Vestidos

Não é nenhuma forçação de barra afirmar que com “Outro Patamar”, Téo Benjamim, engenheiro de formação, mas mulambo como eu e você, forma no bonde dos divulgadores científicos, fechamento cada vez mais necessário ao país nos tempos de renascimento do obscurantismo em que vivemos. Aproveitando-se de um evento há muitos e muitos anos esperado pela Nação, o Ano Mágico Rubro-Negro, Téo descortina para os leigos de todos os graus e em linguagem acessível, as minúcias e os métodos ocultos por trás do show de bola que o Flamengo deu nos gramados.

Outro Patamar” se diferencia de outras obras surgidas na esteira das recentes conquistas rubro-negras, como “Festa na Favela”, de Jorge Murtinho e Nivinha Richa, “19 81 – Ficou Marcado na História”, de Allan Titonelli e Daniel Giotti, “Libertador” e “Heptacular”, deste humilde plumitivo, por privilegiar o discurso neutro e factual dos eventos esportivos registrados com tintas impressionistas pelos autores supracitados. Sem, contudo, conseguir disfarçar o olhar mulambo e apaixonado pelo façanhudo Fuderoso da Gávea.

Uma das coisas mais legais na abordagem de “Outro Patamar” ao Ano Mágico, ao contrário do que querem nos fazer crer alguns nefelibatas da obra pronta, é a consciência de que o 2019 do Flamengo não começou no minuto seguinte às 23 horas e 59 minutos do dia 31 de dezembro de 2018. O livro começa nos levando às eleições de 2003 no Barcelona, que originaram o bestseller “A Bola Não Entra Por Acaso”, de Ferran Soriano, o livro de cabeceira da galera que veio a vencer as eleições de 2012 no Flamengo.

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Quem leu a obra do cartola culé sabe que não é um livro sobre futebol, mas um guia para os gestores de clubes de futebol no processo de tomada de decisões. Em seu livro Téo mostra que independentemente do montante dos recursos à disposição dos dirigentes rubro-negros desde 2013, foi a coerência na tomada de decisões, e uma ideia muito clara de que clube o Flamengo pretendia ser no cenário do futebol mundial, o fator determinante para que o Flamengo se tornasse, em pouco mais de sete anos, um paradigma de gestão esportiva no Brasil.

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Para o perfeito entendimento do caminho que o Flamengo percorreu até seu encontro com Jorge Jesus em junho de 2019 Téo vai mostrando, com didatismo, mas sem cagação de regra, como os avanços táticos desde o catenaccio, filho do Ferrolho Suíço nascido nos anos 30 consagrado por Helenio Herrera na Internazionale dos anos 60, passando pelo horroroso, mas eficiente, kick and rush da inglesada, o futebol total da escola holandesa de Rinus Michels na qual Cláudio Coutinho se inspirou e Cruijf foi o maior expoente, desaguaram no pós-modernismo tático de Wenger, Guardiola, Kloop, Pochetino, Jorge Jesus, e por que não, Domènec Torrent.

Ao mesmo tempo em que o livro vai nos ensinando o que é uma marcação alta, um triângulo de base baixa, uma pressão pós-perda, um passe-falso, entre outros termos arcanos que antes pertenciam apenas aos iniciados, nos mostra a aplicação desses conceitos nos jogos do Flamengo que quase todo mundo ainda guarda vividamente na memória. Como seria possível esquecer o ano em que o Mengão passou o rodo impiedosamente em todo mundo?

Uma aplicação muito esperta da didática preconizada por Paulo Freire, que se fundamenta na crença de que o educando assimila o objeto de estudo com uma prática dialética com a realidade. Quando o conhecimento vem embrulhado num papel de presente bonito só não aprende quem não tiver mesmo a fim. Uma opção claramente idiota, muito bem dissecada no sensacional capítulo As Mentes Fechadas do Futebol Brasileiro, um detalhado resumo da Via Dolorosa do Míster em Pindorama.

“Outro Patamar” é daqueles livros que quando acabamos de ler nos sentimos imediatamente menos burros. Só por esse motivo já mereceria a total atenção da mulambada. Mas ainda por cima “Outro Patamar” é bem escrito sem literatices, tem uns graficozinhos maneiros e um prefácio do Everton Ribeiro. Melhor que isso só um Bi Mundial. Mas aí já é papo pra outros livros.


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