“Saia despreocupado. Você pode conquistar o mundo dessa vez”
Gilberto Gil – Doces Bárbaros
Ricardo Martins # Blogueiro da Nação-MG
Tem gente que acha que é fácil torcer pelo Flamengo. Esses não conhecem o “seu” Carlino, que nos seus 82 anos é de uma fidelidade incrível. Chova ou faça sol, ele sai as 5 da manhã para trabalhar. Quando o Flamengo perde, até quem não gosta de futebol aparece para tentar tirar um sarro com ele. Pior, os covardes somem diante das conquistas do Mengão.
Seu Carlino viu pela TV o Flamengo vencer a Chapecoense por 1x0. Seu Carlino fez a parte dele, torceu. Mas isso não significa que gostou muito do que viu. Afinal, o time é limitado; mas nesse jogo a atuação de Samir, Jonas, Luiz Antonio, Canteros e Pará foram boas.
Eu aprendi a torcer pelo Flamengo com seu Carlino. Por isso que sou convencido que torcer é algo incondicional. Entretanto, conforme já abordei em textos anteriores, o torcedor contemporâneo se tornou uma espécie de consumidor, e isso propicia a criação de sofismas para justificar erros ou acertos.
O sofisma nos leva a crer que a realidade tem que ser a que queremos, e não necessariamente a que vivemos. Em função disso a caça as bruxas toma o lugar das atitudes objetivas. Por isso que são eleitos os bodes expiatórios. Da noite para o dia um determinado atleta não presta, até o ponto de nenhum prestar, assim como treinador e diretores são ultrapassados.
O que difere o futebol atual é a possibilidade dos torcedores se manifestarem amplamente, com destaque para o que se propaga nas redes sociais. O que se vê nos comentários da maioria dos sites especializados em esportes (com ênfase no futebol) é uma verdadeira guerra de informações. E assim como na guerra tradicional, a primeira coisa que morre é a verdade.
Com relação ao nosso Flamengo, inegavelmente há novas situações que trouxeram a constatação de novos tempos. Novos sim, inéditos não. Afinal, nunca é demais lembrar que ao longo da década de 80 vivemos um período em que os resultados de dentro de campo eram refletidos fora dele e mais, fortalecidos por uma gestão financeira que não atrasava salários, por exemplo.
Houve tempos na Gávea, que o “bicho” era pago aos jogadores em até 48 horas. Pagar em dia sempre foi obrigação, porém todos sabem de épocas em que o mês no Flamengo poderia chegar até a 90 dias para os atletas do futebol e, pasmem, cerca de oito meses para os demais funcionários.
Então não pode haver dicotomia entre a gestão financeira e a gestão do futebol. Uma é ligada intrinsecamente a outra. Não obstante essa compreensão a realidade é capaz de impor atitudes contraditórias, proporcionando paradigmas para o futebol profissional que foram, no mínimo, irresponsáveis, onde os clubes contrataram sem se importar como honrar seus compromissos. E o Flamengo foi perdendo litígios judiciais para Romário, Gamarra, Petcovich e mais dezenas de jogadores, além de cerca de 800 ações trabalhistas com profissionais diversos.
O paradoxo maior é saber que, assim como praticamente todos os times grandes do Brasil, caso o Flamengo fosse uma empresa comum, provavelmente teria falido ou, na melhor das hipóteses, se tornaria concordatário.
Por tudo que abordei, nós temos que declarar gratidão a atual diretoria. Todavia, por razões diversas, a presente gestão do futebol não apresenta resultados muito diferentes das gestões pós 1992. Um dos principais motivos deveria nos ser óbvio, a ausência de jovens valores da base capazes de construir hegemonia ao longo do tempo no time de futebol profissional.
Ocorre que cometemos um erro de juízo de valor para com as possíveis revelações, e matamos os meninos no nascedouro. Vou citar alguns. Andrezinho, Felipe Melo, Felype Gabriel, Adryan, Pedro Beda, Caio Rangel, Matheus, Negueba, Rafinha e mais outros jovens que se destacavam nas categorias de base, mas que por diversos motivos não vingaram com a camisa do Flamengo no time profissional.
Nesse exato momento temos dois jogadores na seleção sub-20: Jorge e Jajá. Ocorre que, se eles tiverem bom desempenho na Seleção Brasileira , como parece que estão tendo, e não atendendo de imediato os problemas da equipe profissional do Flamengo, a possibilidade de irem embora a um preço pífio aos cofres do Fla, é muito grande.
Um Flamengo forte passa por uma base forte, por um trabalho de longo prazo da comissão técnica, e de contratações pontuais de lideranças técnicas. E aí está outro erro significativo. Esta gestão conseguiu a façanha de contratar sete treinadores. Sendo que o melhor trabalho foi o de Mano Menezes, que resultou na conquista da Copa do Brasil. Enfatizo esse fato, pois Jayme de Almeida foi campeão por um time montado por Mano Menezes, disso não tenho dúvidas.
Mano Menezes saiu alegando que o time não o entedia, mas hoje desconfio que ele via algo de muito errado, que estava no Clube, no elenco, ou em situações que envolviam terceiros. Mano era um treinador de longo prazo, a meu ver.
Os demais foram fracassos. Exceto Luxemburgo, que pegou a equipe em uma situação muito ruim. Na visão da diretoria, Luxa teria condições de realizar um bom trabalho de longo prazo. Na minha também. Ocorre que Luxa declarou publicamente sobre a necessidade de contratar. O que se comprovou evidente. Se isso melindrou jogador já é outra história. Se manter Luxa para 2015 foi um erro, a diretoria demiti-lo com o Campeonato Brasileiro em andamento foi um fracasso.
Fracasso comum aos times no Brasil. Estamos na sexta rodada do campeonato e já foram demitidos seis treinadores. E esses mesmos demitidos logo assumem as vagas dos outros. É uma rotina vergonhosa. Eu como rubro-negro tenho vergonha maior ainda quando testeminhei ao longo dos anos contratações como a de Ney Franco que, nas duas vezes em que esteve no comando do Fla, nos deixou na zona do rebaixamento.
Agora contratamos Cristóvão. Dizer que ele não tem bagagem para assumir o Flamengo não é cornetá-lo, é uma simples constatação. Acho que ele já fez trabalhos dignos, porém sua contratação conflita com a visão de longo prazo que defendo. Cristóvão veio para fazer o que todo treinador vem fazer no Flamengo: apagar incêndio. E, no desespero, muitos colegas passaram a defendê-lo com unhas e dentes, sob uma tênue justificativa que o time melhorou a postura, posicionamento, vontade.
Mas assim como hoje ouvi por duas vezes que Luxemburgo tem responsabilidade zero das duas vitórias consecutivas, desde que assumiu o Cruzeiro, Cristóvão obtém os mesmos resultados do Flamengo de Luxa. A questão é muito simples, Luxemburgo herdou um time arrumado, enquanto Cristóvão um desarrumado e permeado de vícios de um passado recente.
Lamento informar aos meus amigos que acham que, com esse elenco, aliado a todas as contratações especuladas, o Flamengo disputará título do Campeonato Brasileiro de 2015, que isso não faz sentido. Desculpem-me, mas não alimento tal expectativa, pois o Flamengo não se preparou para a competição, e não foi só por causa de uma suposta incompetência dos gestores do futebol, mas também pela concorrência com outras equipes que disputariam a Taça Libertadora da América, que acabaram tendo prioridade na escolha de vários jogadores, como por exemplo, Luccas Pratto que foi para o Galo.
Por mais apaixonado torcedor que eu seja, é difícil acreditar que essa equipe que vi suar para ganhar da Chapecoense com um a menos vá mudar da água para o vinho em 32 rodadas faltantes. A realidade é dura, não temos elenco. O que está se formando poderá dar frutos em 2016, ou 2017, mas a tarefa para 2015 é até fácil, diante do nível do certame: se manter na primeira divisão.
Espero que Cristóvão acerte a equipe de forma a fazê-la jogar com simplicidade e objetividade. Torço para vencermos Coxa e Galo na seqüência, mas sei que isso demandará superação do time, e não necessariamente a vontade do treinador. Uma coisa é certa, se ficarmos colocando as mazelas do pobre futebol apresentado na conta do ex-treinador, nós cometeremos o grave erro de negar a responsabilidade da diretoria. Afinal, a gestão do Clube é a que detém o poder de montar a comissão técnica e contratar.
Se em algum momento passou na cabeça de algum gestor rubro-negro que seria possível suportar mais um ano com um time medíocre, esse pensamento já foi demovido, principalmente após a entrevista em que nosso ex-treinador foi veemente na afirmação de que o Conselho Gestor não entendia nada de futebol. Curiosamente nosso gerente de futebol Rodrigo Caetano ampliou sua exposição diante dos assuntos afins no Flamengo, logo após as reclamações publicas de Luxa.
A divulgação persistente de reforços nos leva a ficar em dúvida se a austeridade proferida até agora não estaria por ruir. Longe de eu querer que isso ocorra. Mas Diego, Robinho, Ganso, Sheik, assim como Guerrero não virão de graça. E também não sei se Alan Patrick e mais dois do instável Palmeiras seriam soluções.
Fico receoso se a diretoria ceder à fórmula do Sr. Márcio Braga que, diante de salários atrasados contratou Dimba a peso de ouro. Lógico que a situação estrutural é diferente, mas a dívida do Flamengo em 2004 era menor do que a atual. Os tempos eram outros, e não queremos que eles retornem.
No fundo eu acredito que a diretoria queira mais do que nunca ajustar as contas do Flamengo, de modo a permitir que sejamos um super clube no menor espaço de tempo possível. Mas o relógio deles é bem diferente do da Magnética. Nossa torcida já deu mostras que apóia a organização financeira, mas nem mesmo o seu Carlino gosta de ser motivo de chacota. Até por que seu Carlino tem 82 anos de Flamengo na primeira divisão, e sequer conta com tal possibilidade.
Em termos práticos, a diretoria deveria ter sido mais clara nos momentos cruciais. Se ela achava que esse elenco daria conta do recado, mas Luxa não, então deveria ter trocado de treinador no fim de ano. Mas a partir do momento que manteve Luxemburgo no controle, a diretoria deveria ter anunciado publicamente, e em particular aos jogadores, que Wanderley Luxemburgo era o treinador, e que tanto ele, quanto o grupo seriam cobrados.
A contratação do Cristóvão aparenta ter o objetivo de se ter um profissional já acostumado a trabalhar com o que se tem, sem ficar cobrando contratações. E nessa postura, os que vierem nem precisam ser chancelados pelo técnico. Ele que simplesmente trabalhe. Se não der certo, então será dispensado, para que venha alguém com um pouco mais de nome, e mais um salário a pagar.
Quanto ao campeonato, por mais analítico que eu tente ser, me vem a memória 2008, quando liderávamos jogando um futebol convincente, e repentinamente perdemos 4 jogadores na janela, e o time ficou uma longa sequencia sem vencer (acho que uns 10 jogos). Coisas desse tipo, associadas ao que ocorreu em 2009 me levam a crer que nem tudo está perdido, mas nossa Torcida tem que entender qual o seu papel na história.
Nem tudo foi, ou está perdido. Mas nossa posição na tabela continua muito ruim. Cáceres, Armero e Guerrero estão servindo suas seleções na Copa América. Estes e os eventuais reforços ainda não estão disponíveis. E por mais que possamos criticar, jogadores como Pará são o que temos no momento. Pará inclusive ganhou o meu respeito, pois, assim como o treinador Cristóvão, ele busca fazer seu trabalho com bastante dignidade, e enfrentou eventuais vaias com bastante coragem. Mas por favor, não cobrem de Pará ou de Cristóvão coisas que eles não são, Pelé ou Telê Santana.
Desqualificar o elenco do Flamengo seria um equívoco. O grupo não é ruim, mas claramente sente a falta de lideranças técnicas, jogadores que decidem e conseguem extrair o máximo de cada um da equipe. Nessa característica Robinho seria excepcional, Elias também. Jogadores desse naipe fariam Samir e Jonas crescerem, por exemplo. Jonas que vem se apresentando como um baita jogador, apesar dos críticos tentarem rotulá-lo injustamente como violento. Samir que é um zagueiro técnico, que já comprovou o seu valor, mas que necessita de orientações bem pontuais.
Nosso elenco é enxuto e eu não gostaria de perder atletas na janela de transferências. Não vejo grandes nomes disponíveis, o que torna o desafio maior para manter e qualificar o grupo atual, com vistas a consolidar um trabalho sustentável para os próximos anos. É inadmissível pensar que repetiremos 2009, para afundarmos como em 2010.
O Flamengo que sonho, e que acredito que devamos defender, deve ser inspirado naquele da década de 80, mas que vinha sendo gestado desde 1974, que já apresentava alguma solidez em 1978, e que se consolidou em 1980. Temos a oportunidade em recriar uma era de grandes conquistas. Resta saber se teremos a devida paciência e sabedoria.
A receita talvez seja bem simples: pé quente e cabeça fria...
https://www.youtube.com/watch?v=n19lqUVxKuk
Cordiais Saudações Rubro-Negras!