Relação com os patrocinadores, com a própria TV, o projeto da Primeira Liga, e principalmente dinheiro. O MRN tenta explicar o intrincado xadrez para entender por que, apesar das declarações de que só firmaria um contrato de televisionamento do Carioca caso todas as suas exigências fossem atendidas, não assinar nenhum acordo com a Globo simplesmente nunca foi uma opção factível para o Flamengo.
Histórico
A briga pelos direitos de TV tinha dois eixos principais: a busca pela valorização dos direitos do Campeonato Carioca, que apesar de ser transmitido em mais Estados e internacionalmente, rendia cotas bem inferiores às recebidas pelos grandes no Campeonato Paulista; e o direito de os clubes receberem o dinheiro diretamente da Globo, sem que ele passasse pela Ferj.
Essa segunda exigência talvez fosse ainda mais importante do que a primeira, já que nos últimos anos a Ferj usou seu controle sobre os direitos de TV do contrato anterior com a Globo ao seu bel-prazer, sob argumento de que os clubes haviam decidido em arbitrais pelas mudanças -- quando na realidade federação, pequenos, Botafogo e Vasco agiam de maneira mancomunada para subtrair dinheiro que contratualmente pertenceria ao Flamengo e ao Fluminense, e até ao Vasco, quando esse ainda era adversário político da federação, na gestão Roberto Dinamite.
Foi o caso do campeonato de 2014, quando a Ferj retirou 10% da cota que seria dos grandes por direito automático e usou esse dinheiro para aumentar a premiação do campeonato -- o Flamengo precisou ser campeão carioca para reaver um dinheiro que já seria seu contratualmente.
Às vésperas do início do último Estadual outra ingerência da Ferj abalou ainda mais o já desgastado relacionamento entre a entidade e o Flamengo. A Ferj, em conjunto com Vasco, Botafogo e demais clubes pequenos, decidiu que a segunda parcela dos vencimentos da Globo referentes ao televisionamento não seria depositada nas contas de Flamengo e Fluminense. Cerca de 11 milhões de reais foram redistribuídos para todos os filiados. O motivo alegado foi, de novo, a participação da dupla na Copa da Primeira Liga. O prejuízo do Flamengo foi de mais de 6 milhões de reais já provisionados no orçamento anual. Um golpe duro desferido pela entidade em conluio com Botafogo e Vasco, afora os pequenos clubes, os mesmos que agora se sentem traídos pelo Flamengo, que se nega a participar do contrato coletivo de transmissão com a Ferj de procuradora legal de todos os clubes.
Assim como em 2016, o Regulamento Geral de Competições da Ferj para 2017 mantém a multa equivalente ao valor integral da cota de televisão para times que disputarem outras competições -- leia-se Primeira Liga -- sem o aval da entidade. Como o Flamengo não tinha firmada ainda sua assinado no acordo da Ferj com a Globo, Rubens Lopes adicionou um outro dispositivo no RGC, estabelecendo cinco milhões de reais de multa para clubes sem direito à cota de televisão. A multa continua sendo um instrumento de chantagem da federação caso o Flamengo atravesse seus interesses.
Não há dúvidas que o Flamengo, sob esse ponto de vista da análise, ao assinar o contrato diretamente com a Globo, elimina estas manobras recentes se repitam no futuro, concedendo desejada tranquilidade orçamentária.
A Globo colocou sobre a mesa de negociação dois contratos de transmissão do Carioca. Em ambos o acordo é válido por 8 anos e a única e gigantesca diferença reza entre os valores: com o Flamengo, 120 milhões anuais; sem o Flamengo, 90 milhões. A Ferj reparte esse dinheiro assim: R$ 15 milhões para cada um dos quatro grandes, R$ 12 milhões para si própria e R$ 48 milhões para o restante dos clubes participantes e também para as premiações. No segundo contrato, os R$ 15 milhões do Flamengo sumiriam e a perda dos demais R$ 15 milhões seria socializada. Mas o que fez a Ferj para manter o apoio irrestrito de Vasco e Botafogo e atrair o Fluminense, sob nova direção, para o seu lado? Informou aos pequenos que somente suas cotas sofreriam diminuição, caso fosse assinado o segundo contrato, de 90 milhões. Parece que a corda vai roer para o lado mais fraco como sempre -- a ironia é que o lado mais fraco nesse caso sempre fecha com a federação.
Placas
Apesar de o MRN não ter conseguido ainda apurar com 100% de segurança o valor oferecido pela Globo ao Flamengo, uma coisa é certa: ele não chega a esses R$ 30 milhões de diferença entre o contrato que a Globo oferecia pelo torneio com e sem a presença do clube. No momento que noticiamos a assinatura do contrato com a Globo, na última quinta-feira, apuramos que o valor era acima dos 15 milhões. Existem especulações que o valor de aumento é irrisório e até mesmo boatos de que o valor não aumentou em nada. Outras fontes nos disseram que a Globo estaria disposta a financiar uma parcela da obra no estádio que está sendo erguido na Portuguesa da Ilha, porém nada que possa causar grande otimismo entre os conselheiros da Gávea que terão que votar para aprovar - ou reprovar - o contrato na próxima quinta-feira.
Aí é que entra na equação uma questão-chave que ficou fora do contrato: a das placas de publicidade. Embora a Globo não tenha dado ao Flamengo a garantia de que poderá explorá-las, por já ter cedido esse mesmo direito à Ferj em um contrato já assinado, e por entender que não se pode envolver numa disputa judicial, o Flamengo calcula ter boas perspectivas de manter o direito obtido em liminar de negociar as suas próprias placas, posto que a Lei Pelé é bem clara ao dar aos clubes essa possibilidade. Como o MRN tentou quantificar em uma série de reportagens sobre a disputa judicial entre a Ferj e a Sportplus, empresa contratada para negociar com os anunciantes o espaço publicitário, há um potencial milionário por trás desse direito. Só que sem o campeonato na TV ele não valeria nada, já que as placas são voltadas majoritariamente para o público que assiste ao jogo em casa, muito superior em quantidade do que aquele que vai aos estádios.
Não soa irreal que o marketing já tenha engatilhado contratos de publicidade para as placas e planos para a Arena da Ilha. Como levar isso à cabo sem TV? É hora de falar especialmente dos patrocinadores aqui.
Patrocinadores
Na virada do ano, o Flamengo estendeu alguns patrocínios e fechou alguns outros. Ainda negocia a joia da coroa, que é o patrocínio master com a Caixa. Quando os patrocinadores fecham acordos com o Flamengo, o fazem para ter sua marca exposta o ano todo, principalmente na maior janela de exposição do nosso país: a TV Globo. Em 2016, o Flamengo teve sete dos seus jogos no Carioca transmitidos pela Globo. Foram os únicos jogos do clube com transmissão por TV aberta até o início do Campeonato Brasileiro. Esses sete jogos tiveram, juntos, uma audiência de quase 8 milhões de domicílios apenas no Rio de Janeiro -- e muito mais do que isso no resto do país e fora dele. Isso além da repercussão em programas jornalísticos da TV Globo, alguns de audiência até maior.
Quando a Carabao decide entrar pesado no mercado brasileiro e escolhe a camisa do Flamengo como veículo para essa entrada, ela espera aparecer com destaque no principal veículo de mídia brasileira. Quando a MRV e a Yes acertam seus contratos, têm o mesmo pensamento. Em escala menor, até a Uber conta com a exposição do técnico Zé Ricardo dando coletiva depois do jogo e sua marca aparecendo no microfone na Globo nas reportagens sobre jogos do Carioca -- até porque a Libertadores impede esse tipo de exposição de marca. E a Orthopride quer ter sua marca exibida nas camisas de treino nas reportagens do Globo Esporte ou do RJ TV.
Mesmo sem ter informações de bastidores, é razoável supor que quando a equipe de marketing do Flamengo se sentou para fechar esses patrocínios, ouviu dos anunciantes dúvidas parecidas com as que a Sportplus recebeu dos potenciais interessados nas placas de publicidade: mas o Flamengo vai estar na TV no Carioca? E é razoável também supor que tenham dado algum tipo de garantia: sim, fiquem tranquilos, vamos chegar a um acordo, o Flamengo não estará fora da TV. Contratos assinados e aprovados no Conselho Deliberativo, é de se esperar que esses patrocinadores tenham cobrado uma rápida definição da questão do Carioca.
Mas a questão não se esgota aí.
Primeira Liga
A passos de formiga, o Flamengo vem tentando nos últimos anos criar uma Liga independente de federações e confederações no Brasil. É uma batalha árdua , mas se algo poderia consolidar a Primeira Liga, seria um contrato de longo prazo com a TV. Esse contrato foi assinado na semana passada, com a perspectiva inclusive de que a final, desde que disputada por pelo menos um clube grande, seja transmitida em TV aberta -- um grau de exposição muito superior ao que a Primeira Liga teve agora. Com o ex-vice de Marketing rubro-negro José Sabino como figura de proa da Primeira Liga que acertou o contrato com a Globo, é razoável supor que tenha havido algum tipo de relação com a assinatura do Flamengo no contrato do Carioca -- e além da proximidade dos dois acordos, que inclusive serão votados pelo CoDe na mesma sessão, outro bom indício é a duração igual: três anos, sendo que a proposta original da Globo de contrato para o Carioca era de oito anos.
Sem a competição ser incluída no calendário oficial da CBF, e com a extensão da Libertadores para o ano inteiro, não fechar o contrato com a Globo seria neste momento praticamente uma pá de cal na Primeira Liga e nos esforços do Flamengo para criar essa estrutura independente das federações, ainda mais num momento em que os outros grandes da competição (Atlético-MG, Cruzeiro, Inter, Grêmio e o próprio Fluminense) fecharam contratos para televisionamento do Estadual que aumentam em muito seus ganhos anteriores e dão uma sobrevida a esses torneios. Nesse sentido, aceitar assinar o contrato do Carioca mesmo sem ter todas as suas demandas atingidas pode ser o famoso "passo atrás" que precede "dois passos à frente" na consolidação da liga.
Ainda não acabou.
Pay per view
No novo contrato de televisionamento do Brasileiro, que entra em vigor em 2019, a metodologia de cálculo do número de assinantes por clube no pay-per-view pode mudar para ser definida pelo cadastro voluntário preenchido pelos assinantes. Mas por enquanto, e esse ano ainda, o método usado para averiguar a porcentagem de torcedores de cada clube entre os assinantes são duas pesquisas anuais feitas pelo Ibope, uma no primeiro e outra no segundo semestre.
A ausência do Flamengo no Campeonato Carioca poderia significar uma saída em massa dos seus torcedores da base de assinantes do pay-per-view, e esse movimento poderia coincidir com a pesquisa, significando uma perda milionária para o Flamengo -- além do risco potencial de pela primeira vez não aparecer como líder desse ranking, o que afetaria a imagem do clube. Em 2016, o Flamengo já perdeu dinheiro depois que a Globo eliminou algumas cidades de ampla maioria rubro-negra da sua base de pesquisa, e a debandadada de torcedores do clube poderia distorcer ainda mais a pesquisa de maneira negativa.
Apesar de as finanças do Flamengo estarem em gradual e constante melhora e de novas fontes de receita virem surgindo, o clube simplesmente ainda não pode se dar ao luxo de abrir mão de R$ 15 milhões anuais -- ou potencialmente até o dobro disso, se incluirmos na conta as luvas divididas pela duração do contrato, a possibilidade de explorar as placas e os efeitos na cota de pay per view. Uma demonstração disso é o fato de o Flamengo nesse momento simplesmente não ter dinheiro em caixa para reforçar o ataque carente e ter que recorrer a empréstimos para pagar a montagem do estádio na Ilha.
Uma frase do filósofo americano Kin Hubbard se aplica muito a esta situação: “Quando alguém lhe disser «Não é uma questão de dinheiro, mas de princípios», pode ter certeza: trata-se de uma questão de dinheiro.”
Vitória parcial
Num mundo ideal, o Flamengo poderia manter sua posição firme até o final, o clube chegaria à final do Carioca e o campeonato não seria transmitido na Globo, valorizando tremendamente o nosso passe. Ou então, escalaria um time alternativo, boicotaria abertamente o campeonato, e iria gradualmente asfixiando o Carioca, até que ele morresse por inanição e o Flamengo não precisasse mais enfrentar clubes semiamadores em plena segunda década do século XXI. Não estamos num mundo ideal, e diante de uma guerra impossível de ser vencida sozinho, é preciso ao menos sair vencedor da batalha.
Quando decidiu comprar a briga contra a Ferj e conseguir um contrato melhor para o Campeonato Carioca, o Flamengo contava com um aliado de peso -- o Fluminense. Quando o tricolor deu para trás e firmou o contrato, o Flamengo se viu isolado. Com uma posição de força, por ser o trem pagador do futebol carioca, mas isolado. E uma só andorinha não faz verão -- por mais que essa andorinha tenha o peso de um urubu-rei.
Se terá que seguir batalhando na Justiça por algumas demandas que fazia para assinar, e outras nem assim serão atendidas -- notadamente a exigência para que a Ferj diminuísse a taxa que cobra da renda dos jogos de 10% para 5% -- é preciso saudar a grande vitória de ter conseguido um contrato independente da Ferj, o que permite ao Flamengo trabalhar com a previsibilidade de que terá a quantia X de dinheiro por conta do vínculo com a TV nos próximos três anos. Resta saber agora se essas ponderações e esse pragmatismo serão suficientes para convencer os conselheiros a aprovar o contrato. A resposta deve começar a surgir amanhã, quando o acordo estará disponível para consulta dos conselheiros na secretaria e seu teor deve acabar sendo conhecido pelo grande público. Como dizia uma antiga dirigente que voltou ao noticiário nos últimos dias em um outro contexto, "a semana promete".
(Diogo Almeida e Rodrigo Rötzsch)
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