O sonho da casa própria

16/02/2016, 00:57

Fonte: Divulgação

Dizem que um dos maiores desejos do brasileiro é adquirir um imóvel próprio. Porém, dependendo da forma, e do momento, o sonho pode virar pesadelo.

 

Eu tive o privilégio de ministrar a palestra Casais Inteligentes Enriquecem Juntos, baseada no best-seller homônimo do consultor financeiro Gustavo Cerbasi.  Há uma parte específica dedicada ao tema da casa própria. De forma resumida, Gustavo discorda do dito popular “quem casa quer casa”.

 

Cerbasi tem uma experiência própria. Ao casar, ele e a esposa adquiriram um apartamento para morar. Certo dia ele descobriu quanto seu vizinho pagava de aluguel e percebeu que faria melhor negócio vendendo o seu imóvel e, com o dinheiro investido, a rentabilidade seria suficiente para pagar o aluguel e ainda lhe sobrariam juros.

 

Essas questões ficam aparentemente no campo pessoal e emocional. Todavia, ao ampliarmos para um clube de futebol, a coisa é mais complexa, embora o lado emocional conflite também com o racional.

 

Eu (e pelo visto também o presidente Eduardo Bandeira de Melo) sempre acreditei que o Maracanã fosse a casa do Flamengo. E há uma boa lógica nisso. Afinal, o Flamengo nunca teve a propriedade do estádio Mário Filho, mas sempre teve a posse, incluindo o direito a lado de torcida nas arquibancadas.

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As grandes conquistas do Clube foram no Maracanã, ou no mínimo forjadas por lá. É certo que tivemos algumas decepções, mas a história de um gigante do futebol é composta de vitórias e insucessos. O Maracanã era tão fantástico, que mesmo o Santos do Pelé jogou muitas de suas grandes partidas nele.

 

Como eu ainda não fui ao novo Maraca, talvez ainda não tenha percebido que ele não mais nos pertence. Mas aquele em minha mente sempre me impressionou, desde a primeira vez que pus os pés na rampa, e a fantástica sensação ao subir pelos apertados túneis e já ouvir o barulho da Magnética.

 

Agora em 2016, não consigo aceitar ver o Flamengo sem o Maracanã para jogar. E me preocupa o fato de não enxergarem que precisamos de um estádio capaz de comportar um número grande de torcedores para ajudar no custeio de um time de futebol competitivo e vencedor.

 

Em 2013, eu fiquei indignado com os que tentaram impedir que fossem cobrados valores “elevados” de ingresso para a final da Copa do Brasil contra o Atlético Paranaense. Nem quero me aprofundar nisso, pois acredito que seja um assunto que já foi amplamente debatido. Mas o pior de tudo foi a redução de lugares no antes “Maior do Mundo”.

 

O Maracanã já teve 199.854 torcedores presentes (173.850 pagantes) em 16 de julho de 1950, na partida Brasil 1x2 Uruguai, decisão de Copa do Mundo. Atualmente possui capacidade para 78.838, uma elitização imposta pela FIFA, e sabe-se lá por mais quem, que nos limita muito no que fazer com o estádio nos dias atuais.

 

Eu sou um defensor de um estádio que possua setores mais caros, que compreendam camarotes, por exemplo, com serviços adicionais; e locais reservados a ingressos populares. Com a atual estrutura do Maracanã isso é mais difícil, pois além da redução da capacidade, a legislação estadual do Rio de Janeiro garante gratuidade para cerca de 12% dos ingressos!

 

As palavras de Muricy Ramalho em defesa ao Estádio Raulino de Oliveira em Volta Redonda não encontraram respaldo na diretoria do Flamengo. E por uma justificativa plausível, o estádio conta com capacidade para 21.000 espectadores. O Estádio da Cidadania é bem moderno e possui um bom gramado, mas é indicado para jogos de pequeno e médio apelo. Desaconselhável para um clássico, regional ou nacional.

 

O Maracanã, mesmo com os problemas de gratuidade ainda supera o Morumbi que tem capacidade para 67.052 espectadores. O São Paulo possui um estádio que lhe proporciona boa arrecadação de longa data. Bem localizado, o clube ainda teve ingresso de preço médio na estreia do Paulistão em 2015 no valor de R$32,10.

 

Mas as novas arenas salgaram o preço médio dos ingressos para a Arena Corinthians (R$43,60) e Palmeiras no Allianz Parque (R$71,50). Esses números foram obtidos na Edição da Folha de São Paulo em 10/02/2015.

 

O Maracanã, assim como o Minerão e as novas arenas paulistas ficaram muito caros em decorrência da forma como foram concebidos. Ou seja, eles tiveram que se submeter às exigências e desmandos da FIFA e de nossos governantes. Os estádios não foram construídos para atender aos clubes do futebol brasileiro. Por isso que hoje o Flamengo não tem onde jogar, o Cruzeiro joga para as moscas, a torcida do Palmeiras reclama (e com razão) do preço dos ingressos...

 

Quanto ao Corinthians, pasmem, ele ainda não possui estádio próprio. Do Itaquerão ele tem, no máximo, a posse. Independente da nebulosidade da construção da Arena, o Corinthians começou a pagar 5 milhões de reais mensais desde julho de 2015, compromisso assumido por 12 anos, de uma dívida inicial de 400 milhões de reais. Mas alguma coisa não fecha nessa demonstração, pois o passivo da construção do estádio supera 1,15 bilhão de reais.

 

A criação de um FII – Fundo de Investimento Imobiliário para viabilizar o estádio era muito boa ideia, em princípio. Ocorre que a conjuntura econômica reduziu sensivelmente a atratividade desse tipo de investimento, embora eu não possa afirmar a principal fonte dos prejuízos constantes das Demonstrações Contábeis deste FII nos anos de 2014 e 2015.

 

O fato é que praticamente toda a renda dos jogos do Corinthians vai diretamente para o Arena Fundo de Investimento Imobiliário, administrado pela BRL Trust Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S/A.

 

Diante de tudo isso, a decisão de arrendar o Maracanã ou construir um estádio próprio é algo mais complicado do que podíamos imaginar. Afinal, o Flamengo precisa de dinheiro imediatamente. Financiar não resolveria nosso problema, muito pelo contrário. A pergunta fundamental é “onde jogaremos as partidas de maior apelo de público”?

 

No Rio de Janeiro a alternativa ao Maracanã seria o Engenhão, com capacidade para 46.931 pessoas. Mas além de todos as controvérsias acumuladas que envolvem dúvidas em relação à solidez de sua estrutura, o Estádio Nilton Santos possui sérias restrições em seu acesso. E essa, em minha opinião, é a grande vantagem do Maracanã. Eu desconheço outro estádio com tamanha localização privilegiada. O público pode ir de carro, trem, ônibus, metrô, e pela proximidade com áreas residenciais, a pé também é uma boa opção.

 

Para concluir, em função ainda da transparência insipiente das contabilidades dos clubes brasileiros, eu me arrisco a dizer que são poucos os casos de sucesso da boa utilização e arrecadação de estádios próprios no Brasil. Na minha percepção, o Internacional consegue bons resultados na relação de seu programa de Sócio-Torcedor e o Beira-Rio (que possui capacidade para 50.038 espectadores).

 

A Arena Grêmio conta com 56.500 lugares, para uma conta tão difícil de pagar quanto a corintiana, embora o custo real ao clube ainda seja uma incógnita. O estádio custou 600 milhões de reais, a OAS queria que o Grêmio pagasse cerca de 360 milhões de reais, mas devido ao estado crítico da Construtora, o valor teria caído para 170 milhões de reais.

 

O meu principal objetivo ao levantar esse assunto é provocar uma reflexão tanto no que estrategicamente é ideal para o estabelecimento de um contrato permanente de estádios, e o que deve fazer o Flamengo diante da indisponibilidade atual de Maracanã e Engenhão.

 

No que tange a construir um estádio no Rio de Janeiro, ele seria para qual capacidade? 20.000 pessoas? 45.000? E em qual localização? E quanto ao Maracanã, abandoná-lo? Como eu já manifestei por diversas vezes, não consigo imaginar o Flamengo sem Maracanã...

 

E nessa temporada, o que fazer? Jogar em Volta Redonda? Ilha do Governador? Juiz de Fora? Espírito Santo? Brasília? Nordeste? Será que essa indefinição prejudicará o Flamengo no Campeonato Brasileiro?

 

Quero fazer mais dois comentários. Neste domingo jogamos contra o Vasco em seu estádio, cuja capacidade atual é de 21.880 espectadores. Por motivos de segurança apenas cerca de 19.000 foram disponibilizados. A situação financeira do clube cruzmaltino é deplorável. O fato de eles possuírem uma casa própria não lhes resolveu a vida.

 

Enquanto na Argentina o Boca Juniors tem La Bambonera ao seu dispor para até 49.000 pessoas, o clube faz promoções de venda de diversos atletas, na busca cotidiana de recursos. Na Espanha, o outro lado da moeda, Real Madrid conta com a força dos 81.044 assentos do Santiago Bernabéu e o Camp Nou proporciona que os apaixonados catalães disputem os 99.786  lugares para acompanhar o Barcelona.

 

Sinceramente, não entendo por qual motivo reduziram os estádios brasileiros. O Flamengo é um clube de futebol para jogar para mais de 100.000 pessoas. Para quem tem dúvidas, basta conferir os principais públicos do velho Maracanã, que jamais serão batidos pelo novo.

 

Cordiais Saudações Rubro-Negras!


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Ricardo Martins
Autor

Administrador de Empresas, Flamenguista puro sangue, Consultor de Benefícios especializado em Previdência Privada e apaixonado pela vida!