Reinaldo Rueda está muito perto de ser o novo treinador do Flamengo.
O colombiano levou o Atlético Nacional ao título da Libertadores de 2016, com um futebol de encher os olhos. Em dois anos, foi por duas vezes campeão colombiano (2015 e 2017), uma Copa da Colômbia, 2016, uma Superliga da Colômbia (2016) e a Recopa Sul-Americana (2017).
O que esperar de Rueda? Qual suas características? Qual expectativa para a chegada de um treinador no meio da temporada? Esquema de jogo?
Nada melhor para falar sobre o assunto do que Joza Novalis (@jozanovalis). Que já foi entrevistado aqui no Ninho sobre a participação do Flamengo na Libertadores em 2017 - que se encerrou de forma patética e escreveu de forma magnífica sobre a contratação de Orlando Berrío.
Eis Reinaldo Rueda, por Joza Novalis:
Reinaldo Rueda é apontado como um dos favoritos para assumir o banco de reservas do Flamengo. Colombiano de 60 anos, Rueda é tido como um estudioso do futebol. Porém é bem mais que isto. Uma coisa é estudar, pegar em livros ou “colar” em profissionais e técnicos famosos apenas para confirmar o que se sabe ou o que se pensa saber; outra, bem diversa, é fazer a mesma empreitada tendo profunda consciência de estudante; alguém humilde e que ainda se encanta diante do conhecimento emitido por um mestre. Este é Reinaldo Rueda. Na Alemanha, todos são elogios para o ex-comandante do Atlético Nacional em virtude de sua humildade, gentileza e refino no trato com as pessoas. Quem o vê, e não o conhece bem, chega a duvidar de suas inúmeras conquistas ao longo da carreira. Mas, enfim, Rueda daria certo, se confirmado como técnico do Flamengo? Possível que sim. Vejamos, então, de quem se trata, sua visão de futebol, suas preferências e se de fato seria uma boa para o Rubro-Negro carioca.
Dispensável falar de suas conquistas, até os mais leigos se lembram de algumas. Melhor pontuarmos alguns fatores que o levaram a elas. Em 2007, seus estudos já o encaminhavam para uma carreira importante, era comandante do banco da seleção de Honduras, conduzida por ele, tempos depois, para a Copa do Mundo da África do Sul. Contudo, sua visão de futebol era voltada para a armação de equipes defensivas. Foi então que conheceu seu assistente técnico atual, Bernardo Redín. As duas mentalidades eram bem diferentes, pois Redín, embora ainda fosse um estudioso do assunto, era já um adorador do futebol ofensivo. O mais lógico era que o assistente fosse influenciado por quem o empregava, mas foi o contrário. Redín modificou a visão de Rueda, mostrando-lhe as vantagens de armar uma equipe voltada para a construção do jogo ofensivo. Rueda já era um profissional atento aos atletas, mas se impressionou com a meticulosidade com a qual Redín percebia os limites de um jogador e criava um plano para corrigi-los. Este foi outro traço do assistente que Rueda assimilou à sua prática profissional. Redín ficou ao lado de Rueda até 2014, quando foi anunciado como técnico do Monagas, da Venezuela. Porém, assim que assumiu o Atlético Nacional, Rueda chamou seu assistente de volta.
No Atlético Nacional, a impressão era a de que qualquer treinador estaria fadado ao fracasso, após a gestão impecável de Juan Carlos Osório. Rueda decidiu manter o estilo de jogo de Osório, modificando e fortalecendo a zaga, com a adoção da linha de quatro. Porém, manteve a saída da bola pela defesa, com a aproximação do volante para recebê-la e favorecer as triangulações. Além disso, treinou seus zagueiros para o lançamento da bola, que em geral era cruzado. Se Henríquez estava mais à direita, o lançamento buscava o extremo esquerdo; se na esquerda, seus lançamentos buscavam o extremo do setor direito. Em geral, o resultado era positivo, pois com a proximidade de um, e às vezes de dois volantes, à primeira linha, os defensores e principalmente volantes rivais eram surpreendidos com os lançamentos a partir da zaga. Além disso, um plano individual foi adotado para a qualificação técnica de cada jogador, principalmente aqueles que estavam no banco ou na fila para serem promovidos à equipe principal. Bernardo Redín se ocupou, por exemplo, de Berrío e seu treinamento foi vital para que o atacante flamenguista aprendesse a trocar o lado do campo, entrar em diagonal, jogar de 9 e qualificar o passe curto nas imediações ou dentro da área. Não bastasse isto e um plano de adaptação ao estilo da equipe foi adotado para os jogadores que chegassem ao Atlético Nacional. Tudo isto o Flamengo também ganhará, caso confirme Rueda.
Durante o tempo que ficou no Atlético Nacional Rueda demonstrou ser um perito em gerir plantel numeroso e qualificado. Isto ocorre, em parte, porque todos os atletas são testados quanto ao conhecimento e assimilação da proposta. Testados durante as partidas, as conversas prévias e o balanço dos erros e acertos, após os jogos. Tudo é muito claro e feito às vistas de todos, o que torna quase impossível a contestação de possíveis descontentes. Outro aspecto que faz de Rueda um bom gerente de elenco é que sua presença agrega aos jogadores uma mentalidade vencedora. Sim, muitos podem tentar o mesmo com sua fala pensada (ou não) aos seus atletas do elenco. Mas sabemos que uma coisa é o jogador olhar para um técnico esforçado e outra é olhar para um vencedor. O respeito é outro
Flamengo precisa de um técnico inteligente
Se há um debate impróprio na mídia é aquele que pauta treinador estudioso versus treinador “boleiro”. Quando pensamos neste último, possível que nos lembremos de Renato Portaluppi. Provável que aqueles que creem que ele não estuda, ou não é assessorado por vastos estudos, se enganem. Futebol moderno não admite mais um “boleiro” qualquer, principalmente em time grande. Flamengo precisa de um técnico inteligente, pois o caráter do seu elenco o exige. Quando o jogador sabe de cor o que o técnico vai dizer, ele não o escuta. E se não escuta é natural que pouco a pouco, e mesmo contra sua vontade, deixe de respeitá-lo. Todo atleta tem em sua cabeça uma ideia de jogo ou no mínimo pistas de como solucionar problemas durante uma partida. Errado ou certo, o atleta só abandonará sua visão, em prol da orientação do técnico, caso esta orientação o surpreenda. Para tanto, o discurso do comandante precisa renovar-se o tempo todo e materializar seus conhecimentos e a ampliação desses conhecimentos aos “olhos” do jogador. Caso esta não seja a situação, é até provável que os problemas não apareçam quando o time estiver ganhando. Porém, quando a equipe começar a perder a “coisa” muda de figura.
Todo ato rebelde de um jogador tende a começar na rejeição do padrão de orientação de seu comandante. Daí para formação de grupinhos é um piscar de olhos. E há situações, sabemos ou desconfiamos, em que o próprio treinador, perdido em seu papel de técnico, troca o comando da equipe pelo comando de algum grupinho formado pelos por ele ou pelos atletas. Portanto, quanto mais o elenco for qualificado tecnicamente e possuir jogadores inteligentes, mais ele necessitará de um técnico inteligente, estudioso e vencedor. Neste sentido, Rueda também se perfila como nome ideal para o Rubro-Negro.
O passador, o passe-surpresa e os recebedores
Treinadores da escola de Bielsa refletem a todo instante sobre o passe dentro de uma partida. Rueda não é um seguidor puro do “el Loco”, pois seu repertório inclui outros, como Ancelotti, Del Bosque e Osório, de quem (e às vezes indiretamente, através de Bernardo Redín),filtra os principais traços do bielsismo na sua filosófica de jogo. Pois bem, para esses treinadores, o passe é o que há de mais importante no futebol.
O passe preconiza basicamente que a bola chegue de forma segura ao seu recebedor. Dentre os dois tipos que há, é óbvio que a conexão da bola entre passador e receptor se realiza de forma tranquila no chamado passe simples. Este tem sua utilidade, mas sua importância é limitada no sentido de que serve só para quebrar a pressão do rival e para a manutenção da bola enquanto não se configura uma situação oportuna para o chamado segundo tipo de passe, o decisivo, aquele que resolve.
Especialmente durante seu tempo no Atlético Nacional, Rueda se ateve muito à reflexão sobre o caráter do passe. Inteligente que é, concluiu pela obviedade de que o passe decisivo é o mais importante e de que o passador precisa contar com uma visão periférica lapidada de forma a entender a fuga da marcação de seus companheiros próximos ou distantes. Todavia, concluiu também por algo não tão óbvio, o fato de que o melhor passe é aquele que chega aonde o receptor determina, e não o contrário. Efeito disso é que com o treinamento correto, e exaustivo, o jogo inteligente se amplia, ganhando terreno não só na mente do passador, mas também dos receptores da bola. A partir daí, e sob a supervisão de Redín, Reinaldo Rueda revolucionou os treinos no Atlético Nacional.
Técnico estrangeiro no meio da temporada
Atualmente, se o nome de um técnico estrangeiro é apontado como possível ocupante do banco de uma equipe brasileira, logo surge o argumento de que ele não teria tempo para se adaptar, já que estamos no meio da temporada. Antes de examinarmos a questão, vale lembrar que ela é resultado de outra anterior, a de que um técnico de fora não dá certo no futebol brasileiro. Engraçado como muitos ainda enchem o peito para falar “futebol brasileiro”, como se ainda fôssemos, no contexto do futebol mundial, algo além de um retrato que se desbota na parede.
Pois bem, técnico estrangeiro no meio de temporada é uma fria, mas brasileiro também é. Fatores circunstanciais parecem primar sobre sucessos ou insucessos na troca de técnico no meio de temporada. Se não for assim, Levir Culpi, Autuori e Mancini são gênios, enquanto Dorival Junior, Eduardo Baptistas e Alexandre Gallo, toscos. Apenas três exemplos que pautam as situações de Santos, Atlético-PR e Vitória, após suas trocas de treinadores: há outros. Ora, vejamos, se conhecimento e intimidade com o futebol brasileiro são vitais, por quais motivos então um técnico novo em um clube, como Dorival Junior, atualmente no São Paulo, não dava jeito no Santos? Por que Mancini não praticou na Chapecoense os “milagres” que tem praticado no Vitória? Na verdade, números mostram que com exceção de Tite, nossos técnicos “de ponta” se equivalem.
A outra questão é que técnico estrangeiro não serve para o futebol nacional. Se isto é uma verdade, ela está pela metade, pois técnico brasileiro também não serve. Tempo médio de nossos técnicos nos clubes ilustram bem a afirmação. Esta situação escancara o que se espera de um comandante do banco de reservas: que faça milagres. Não há tempo para seu trabalho ea pressão que sofre é ininterrupta embora se transvista, após as primeiras derrotas, em apoio para inglês ver. Porém, não sejamos totalmente inflexíveis frente a uma triste realidade: tempo ideal para um treinador realizar o seu trabalho e construir uma equipe vencedora, no Brasil, não existe. Sendo assim, é necessário reconhecermos que os técnicos tradicionais, e que praticam o “mesmo”, apenas perpetuam o ciclo vicioso de suas contratações e demissões, nos clubes do país.Então, um ideal mais aceitável sobe ao palco: o de que um técnico diferenciado, com ideias novas e com amplo conhecimento teórico e prático de futebol converta o tempo longo das conquistas em tempo médio. Por isso Rueda seria bem-vindo ao Flamengo. Jorginho, Carpegiani e outros nomes que se especulam são, com todo o respeito, “o mesmo”; Rueda é o diferente.
Difícil determinar o que é tempo ideal para um técnico comandar no Brasil e obter êxitos, mas 14 meses, ofertados a Zé Ricardo, parecem suficientes; pode não ser o chamado tempo longo, mas, no mínimo, é um senhor tempo médio para um técnico de ponta. Se Reinaldo Rueda se perfila como um treinador acima da média, e se a ele for ofertado um tempo parecido e até menor do que o oferecido a Zé Ricardo, ele tem tudo para triunfar no banco de reservas do Flamengo.
Esquema de jogo
Rueda é um adorador do 4-2-3-1, com dois volantes como peças vitrais da geração do jogo. Os dois laterais tendem a ser, primeiro, laterais, depois, apoiadores. Podem e devem apoiar, mas sem custos para o exercício da tarefa defensiva da equipe. Não estamos falando de laterais-zagueiros, pelo contrário até. Porém, são dos laterais que Rueda mais cobra atenção à parte defensiva. Depois destes, veem os volantes, de quem o sistema exige múltiplas funções, como a do tradicional auxílio aos laterais.
Os dois volantes precisam de mobilidade entre os zagueiros e a linha de três, mais à frente. No sistema, um deles recua para facilitar as triangulações e gerar uma saída com progressão em linha. Este jogador poderia ser Ronaldo ou Cuéllar. O campo se amplia para o passe, mas a bola vai circular numa linha horizontal até que o segundo volante a receba, se posicionando já como primeiro homem do setor criativo, ou ainda quando a bola for lançada diretamente para o meia centralizado e principal responsável pela criação das jogadas ofensivas. É vital para o sistema de Rueda que o passe saia limpo de seus volantes, pois se por um lado estes estão diretamente envolvidos na criação das jogadas, por outro, seus erros de passe podem ser o calcanhar de Aquiles do sistema defensivo.
Em situações de extrema necessidade, veremos uma transição ofensiva com 2-1-4-3, na qual dois zagueiros suportam um volante, enquanto o outro vira um meio-campista. Este jogador terá a seu lado um meia de origem e dois interinos, que são os laterais. A compactação vai saltar aos olhos, porém, uma pouco à frente veremos os dois extremos convertidos em atacantes, ao lado do camisa 9. Em tal contexto passador e receptor se confundem e a movimentação torna-se fluida e incessante, com ou sem a bola e tanto da parte dos passadores quanto dos receptores da redonda. Os ponteiros trocam de posições ou entram na área em diagonal, dificultando a marcação rival. Prioriza-se passe curto entre as linhas, contudo, por vezes, um passe final e decisivo surge justo do volante que se coloca à frente dos zagueiros. Este sistema cobrará do centroavante significativa precisão para entrar e sair da área, pivoteando e abrindo espaços para os dois pontas. Sabemos que Guerrero pode ser este jogador.
Uma linha de três sem Diego?
Provável. Há poucos técnicos tão flexíveis quanto Reinaldo Rueda, porém é a custos que ele abandona o 4-2-3-1. Com sua chegada, Berrío deverá ser o extremo pelo setor direito, pois sua associação com o lateral tecnicamente era um dos pontos fortes do campeão da Libertadores. Importa bem para o sistema que o extremo seja criativo, porém importa mais que ele tenha velocidade e até força física na execução de suas tarefas em campo. Para que o setor tenha um meia-atacante que se notabilize pela criatividade ele precisa exercê-la em altíssimo nível, de forma a compensar suas deficiências defensivas. E se este é o ponto, ele se complica ainda mais pelo fato de que pelo setor esquerdo Trauco não é um bom marcador.
Por outro lado, a linha de três exige um meia centralizado que saiba trabalhar atrás dos extremos. Este jogador há de ter uma visão periférica e precisa pensar rápido para gerar passes que quebrem as linhas defensivas e encontrem os atacantes em espaços vazios. Deste jogador o sistema exige uma alta velocidade de raciocínio e escolhas; sua mente precisa ter a velocidade física de um Orlando Berrío. No Atlético Nacional, este papel era exercido por Macnelly Torres, atleta que fisicamente nunca foi dos mais velozes. No entanto, nas situações de contragolpe ele era preciso nos passes longos no costado da zaga, em geral cruzados, e que deixavam Borja na cara do gol. Sua velocidade de raciocínio se fazia indispensável para o sucesso das jogadas. Percebemos que Everton Ribeiro pode ser um ponta-articulador dos bons, e que também pode atuar pelo setor esquerdo. Porém, dada à sua condição de principal passador da equipe, é bem provável que Rueda o utilize centralizado, no lugar ocupado hoje por Diego.
Alternativa seria modificar o sistema para um 4-1-4-1. Mas se há uma grande vantagem em um elenco qualificado é que ele oferece opções para o técnico praticar o esquema que mais lhe convém. Diego poderia ser recuado para segundo volante. E pode. Mas, como vimos acima, é exigido dos volantes um altíssimo comprometimento também com a marcação. Desta forma, tudo indica que Diego possa ir para o banco de reservas.
Se confirmado Rueda...
Chegada de Rueda pode significar uma mudança real de patamar no Flamengo. O clube da Gávea teria no seu banco de reservas um dos mais inteligentes e vencedores técnicos das Américas. Teria uma equipe que joga da mesma forma dentro e fora de campo, o que contribui para assegurar a identidade futebolística da equipe e nutrir seu DNA de personalidade. Além disso, o clube poderia ser estimulado a investir pesado nas suas estruturas e no treinamento sofisticado de seus atletas, até mesmo os das categorias de base. Os assistentes de Rueda são todos eles profissionais sofisticados. Dentre eles, está Eduardo Velascos, tido como o melhor preparador de goleiros da Colômbia, e profissional com vários convites recusados para trabalhar no futebol europeu. Então, se for o caso de Reinaldo Rueda ser confirmado como o novo técnico,que ele tenha sorte, assim como o Flamengo em seu caminho. Caminho que de fato se anunciaria como novo, diferenciado e promissor.
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Foto destacada nas redes sociais: Atlético Nacional
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