Após o empate com o Palmeiras, com mais dois pontos sendo atirados na lixeira da falta de comando do futebol rubro-negro, foi difícil encontrar o sono. Puxei das minhas anotações para os livros que vou escrevendo nas horas vagas, sobre o primeiro tricampeonato da Era Maracanã, sobre a Taça de Ouro de 1982 e o pretensioso projeto para uma história do Flamengo em quadrinhos. O sono não veio. Cometi o erro de entrar no Twitter e ver o destempero do presidente e gente defendendo Márcio Araújo e Rafael Vaz.
Não vou me alongar sobre mais um ataque de raiva do presidente. Apenas me espanta que ele não compreenda a irritação de uma torcida que está no direito de esperar muito mais deste time e desta gestão, no que toca o rendimento do futebol.
Li, aqui e ali, que Márcio Araújo e Rafael não tiveram culpa no empate e nos gols sofridos. Obviamente trata-se de uma análise reducionista. Tudo de ruim que aconteceu com o time ontem passa pelo fato de o time precisar compensar, durante todo o jogo, as deficiências geradas por Márcio e Rafael. Um time com dois jogadores assim, deficientes, corre mais para produzir menos. Cansa antes. Perde-se antes. Não se arranja, porque o jogo é para onze, e não para nove.
Um parágrafo para cada. Se eu soubesse desenhar, desenharia. Mas de pouco adiantaria para aquele que, vendo os jogos, são acometidos de cegueira.
Márcio Araújo desarruma todo o time. É horroroso no passe, entendido aqui o passe como algo que faz o time avançar e se coordenar. O passe que chega aos pés do companheiro, mas que é dado no contra fluxo, é passe errado, e essa é a especialidade de Márcio Araújo. E assim ele ocupa espaços que não são seus, recupera bolas que o time não teria perdido se no lugar dele estivesse um jogador útil, atropela seus companheiros que estão marcando, como fez com Cuéllar contra o Grêmio. Pior: ele cria espaços para os adversários porque induz a zaga a avançar, e assim nasceram os dois gols do Palmeiras e o do Cruzeiro, nas crateras atrás dos beques. Cereja do bolo: em determinado momento, ele tentou um chute a gol. De canhota, de virada, de fora da área. Era melhor ter dado uma facada na bola, pobre bola.
Rafael Vaz sofre da Síndrome de Júnior Baiano, aquela na qual um zagueiro acha que joga dez vezes mais do que realmente joga. E então se descuida dos deveres mínimos de um beque, porque tudo será compensado com seu talento imaginário. Põe-se a lançar, apresenta-se para o jogo, esbarra com o centroavante do próprio time quando vai ao ataque, acredita que é um batedor de faltas. Talvez Guerrero não conseguisse o gol naquela falta, mas não há dúvidas de que era a melhor opção, o mais preparado, com melhor histórico recente. Vá lá se o Diego tentasse o chute, ou o Trauco. Mas Vaz bateu a falta aos seus costumes, ridiculamente. Era melhor ter dado uma facada na bola, ou no próprio Guerrero, pobre Guerrero.
Dirão que ignoro o pênalti perdido por Diego. Não ignoro, e Diego tem sua parcela de responsabilidade nos pontos perdidos diante do Palmeiras. Mas tem crédito, e estava desgastado pela má partida que fazia, correndo errado, e corre errado porque o time é mal escalado e mal organizado. E assim chegamos ao Zé Ricardo.
Estamos em julho e o time é um bando. O treinador está perdido. Até mesmo a titularidade de Cuellar – o mais prejudicado pela epilepsia tática de Márcio Araújo – é a prova disso. Cuellar passou boa parte de seu tempo de Flamengo afastado como se fosse um pária. Um leproso. E de repente é titular. Ou Zé estava muito errado antes, ou agora. De qualquer modo, quem paga o preço é o time. Não fosse a insistência doentia com Márcio Araújo, o time já teria achado seus dois volantes entre as quatro opções aceitáveis: Cuellar, Arão, Rômulo e Ronaldo, os dois últimos os leprosos da vez.
A única chance de Zé Ricardo fazer algo de produtivo ainda em 2017 aconteceria se o futebol tivesse comando. Alguém que enxergasse o óbvio e colocasse Márcio e Rafael para negócio, para algum time de Série B, que é o lugar de ambos. Alguém que diminuísse a chance de Zé Ricardo errar, limpando o elenco daqueles jogadores que já provaram em todos os níveis que não podem jogar no Flamengo: Márcio, Rafael e Gabriel.
Eu não tiraria Zé Ricardo do Flamengo. Apenas faria dele o auxiliar de alguém mais experiente. Acredito que ele pode vir a ser um bom treinador, mas queimou etapas fundamentais. E o elenco é tão forte que pode até resolver entre si os defeitos gerados pelo treinador, e jogar o melhor futebol do campeonato mesmo com o Zé no banco, mas se isso acontecer, será apesar do Zé e, possivelmente, tarde demais para buscar o título.
O Flamengo poderia ter trocado Zé Ricardo por uma solução provisória, como Levir, enquanto pensava o planejamento para 2018. Ou pode chamar um estrangeiro, que teria menor chance de acerto imediato, mas ainda assim, bem mais do que Zé Ricardo. Mas vai insistir no erro, vai jogar fora um campeonato que poderia ser nosso, por motivos que, para quem olha de fora, passam por teimosia e vaidade. A coisa vai continuar, diz Bandeira. O preço da coisa é ter sido eliminado da Libertadores e deixar escapar por entre os dedos um campeonato por pontos corridos, mesmo com o elenco mais forte de todos. Bandeira não quer apenas vencer. Quer vencer e provar que todos estamos errados.
E, convenhamos, é um prazer solitário demais para o presidente do time de maior torcida do país.
Mauricio Neves é autor do livro "1981- O primeiro ano do resto de nossas vidas" e também escreve no MRN. Siga-o no Twitter: @flapravaler
Imagem destacada no post e redes sociais: Gilvan de Souza/Flamengo
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