O Flamengo que não se enxerga: a sina de um time que existe menos a cada dia

31/03/2022, 01:52

O Flamengo perdeu de 2 x 0 para o Fluminense na primeira partida das finais do Campeonato Carioca 2022. Com o resultado do jogo realizado na noite dessa quarta-feira (30), no Maracanã, o Rubro-Negro precisa vencer a partida da volta no próximo sábado (2) por três gols de diferença. Vitória por dois gols leva a disputa do título para os penaltis.

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Diante de mais de 45 mil torcedores rubro-negros (maioria absoluta no estádio), o Flamengo de Paulo Sousa não soube resolver os problemas apresentados por Abel Braga e o aguerrido time do Fluminense. O mesmo Fluminense que três dias antes se classificou contra o esforçado mas limitado Botafogo, na bacia da almas, com um gol chorado de German Cano aos 51 minutos do segundo tempo. O mesmo Fluminense que foi eliminado da Libertadores da América ao ser dominado completamente pelo Olímpia, no Paraguai, uma semana e meia antes. Mas contra o Flamengo, o Fluminense soube exatamente o que fazer.

Como na partida da Taça Guanabara, Abel entrincheirou seu time, mandou seus jogadores irritarem os rubro-negros e testarem a covardia da arbitragem desde o primeiro segundo do jogo. E mais uma vez, deu tudo certo. Dessa vez deu tão certo, que o Fluminense fez dois gols com German Cano aos 38 e aos 40 minutos do segundo tempo.

No futebol brasileiro, há muito tempo, o anti-jogo vale a pena. Técnicos e jogadores sabem que os árbitros são conservadores por instinto. Que apitam para evitar maiores problemas, que evitam complicar os jogos expulsando cedo demais. No jogo de hoje, Felipe Melo, já amarelado, entrou com força claramente desproporcional em Marinho, mas o árbitro Wagner do Nascimento Magalhães apaziguou. Da mesma forma, a arbitragem brasileira é “faltista”, usando a interrupção do jogo a cada contato para não perder o “controle” da partida. Zagueiros, por exemplo, sabem que terão faltas assinaladas em 90% das vezes, se caírem no chão no contato com os atacantes. Abel sabe de tudo isso. Felipe Melo idem. E assim o Fluminense triunfou mais uma vez.

Flamengo vive ilusão coletiva

Mas não foi só isso. Antes de reclamar de tudo que está errado no entorno, o Flamengo precisa se olhar no espelho. E ao se olhar no espelho, o Flamengo precisa enxergar a realidade e não mais a imagem construída em 2019 e propagada desde então. O clube inteiro, incluindo torcida, diretoria, comissão técnica e jogadores, precisa se libertar das lembranças de um time que existe menos a cada dia. Jorge Jesus foi embora, Pablo Mari foi embora, Rafinha foi embora. Gerson foi embora. E os que ficaram, não são mais os mesmos. Com as exceções heróicas de Arrascaeta e Filipe Luis, os remanescentes do time dos sonhos já não são nem sombra do que um dia foram. E parece que, ao se olharem no espelho, seguem vendo aqueles jogadores que encantaram o Brasil, conquistaram a América e assustaram o Mundo ao ameaçar vencer o todo-poderoso Liverpool.

Fotos: Glvan de Souza/Flamengo

Olhe para Gabigol. Na saída do Maracanã, um torcedor falou para todos ouvirem: “Alguém aqui prestou atenção no aquecimento do Gabigol? Ele não acerta uma bola no gol! Nem no aquecimento.” O exemplo pode ser exagerado, mas está claro que o Gabigol de 2022 é um reflexo pálido do atacante que cheirava a gol em 2019. No time de Jorge Jesus, Gabigol espirrava e abria o placar para o Flamengo. Hoje, infelizmente, vive majoritariamente dos seus penaltis indefensáveis.

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Olhe para William Arão. Durante o jogo, um torcedor que preferiu rir da desgraça ao invés de chorar, bradou: “Arão, você é estagiário de arbitragem?! Só corre ao lado da bola! Não combate ninguém!” Infelizmente, é verdade. Aquele volante moderno, que Jorge Jesus instigou, há muito desapareceu. O Arão que ainda é titular três anos depois joga sem intensidade, erra passes, parece desligado. Ainda mais quando se compara com o dinâmico João Gomes ao seu lado, correndo maratonas e ceifando canelas a cada jogo. Erra também, mas nunca por omissão.

Erros se acumulam e custam pontos e taças

Fotos: Glvan de Souza/Flamengo

Fora de campo, a cegueira é ainda mais danosa. A ilusão de grandeza causa tomadas de decisões injustificáveis. O Leo Pereira de tantos e tantos erros segue no elenco. Recebeu proposta, mas o Flamengo achou que poderia vender por mais. E hoje Leo Pereira entrou em campo para entregar a vitória ao Fluminense. Mesmo roteiro com o reserva Andreas Pereira, que entregou o título da Libertadores de bandeja para o Palmeiras e, ao que tudo indica, será comprado por 10 milhões de Euros. Para ser reserva. O mesmo pode ser dito de tantas contratações duvidosas desde 2019: Gustavo Henrique, Leo Pereira, Bruno Viana, Isla, Kenedy, Andreas, Marinho. E a renovação de contratos com jogadores que há muito ja deveriam ter sido dispensados. Diego Alves e Diego Ribas são os exemplos mais dramáticos, mas podemos citar Vitinho, Arão, Rodinei e o eterno machucado Rodrigo Caio.

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Para concluir, o Flamengo precisa acordar. Acordar e abrir os olhos para poder enxergar a realidade a sua frente. Todos os envolvidos precisam entender que a realidade que viveram naquele ano mágico virou pó. Aquele time impiedoso, que condicionava quase todas as partidas a seu favor, hoje não consegue furar a retranca de Abel. O Abel que perdia de 2 x 0 para o Botafogo até os 51 do segundo tempo.

O Flamengo vencedor de 2019 se tornou o Flamengo da Supercopa 2022. O time que teve inacreditáveis 4 chances de garantir o título e desperdiçou as quatro. O time que tem o melhor cobrador de pênaltis do país, mas ele se recusou a cobrar, contribuindo para a derrota final.

O Flamengo precisa enfrentar seus demônios. Despir-se da fantasia de melhor elenco do Brasil e recomeçar. O Mister Paulo Sousa disse quando chegou que o passado de nada vale se as vitórias cessarem. Para o Flamengo, as vitórias cessaram. Sobraram a soberba e as desculpas. Até quando o Flamengo vai seguir sem enxergar a sua real imagem? A Libertadores começa na próxima terça, dia 3 de abril. Será que dá tempo?


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