O Flamengo como elemento de transformação - entrevistamos a vereadora Tânia Bastos
Tânia Bastos esteve no centro de uma grande polêmica envolvendo o Estádio Luso-Brasileiro - que está sendo reformado pelo Flamengo após acordo de uso por pelo menos três temporadas com a Portuguesa - quando soube que moradores organizavam uma ação judicial pedindo a paralisação das obras. A alegação era que a região sofreu muito com os jogos do Botafogo ano passado e não poderia receber nos próximos anos os jogos do Flamengo de maneira nenhuma.
O MRN foi recebido no gabinete da vereadora para tentar esclarecer alguns pontos sobre a convocação da reunião de moradores na Superintendência: "os moradores colocaram questões muito importantes", sobre encontro entre Tânia e Bandeira na Gávea: "eu disse a ele que a Tânia Bastos não era contra o jogo". Rebateu críticas e acusações: "em nenhum momento quis aparecer às custas do Flamengo". E explicou o que pensa da vinda do Flamengo para o bairro: "há muita carência na Ilha e o Flamengo pode sim ajudar".
Entrevista feita por Diogo Almeida
A vereadora mora na Portuguesa da Ilha há muito tempo. Como foi a experiência dos jogos na Arena Petrobrás, em 2005, e agora em 2016, quando o equipamento virou a Arena Botafogo e o bairro voltou a receber um grande contingente de pessoas?
Em 2005 o poder público deu toda a assistência ao clube da Portuguesa. É normal que haja alguns contratempos, antes e após as partidas. A gente sabe como os torcedores ficam. Mas a segurança era boa. Tinha a cavalaria da PM e muitos guardas municipais em todo o entorno dando segurança para os moradores e aos próprios torcedores. O que ocorreu ano passado com a Arena Botafogo foi completamente diferente. Ausência total do poder público, que não pareceu sequer saber que a Ilha do Governador estava recebendo um jogo de Campeonato Brasileiro, o que basicamente se traduziu em pouco policiamento e caos no ordenamento público. Os problemas foram tantos e de tal ordem, que a comunidade está realmente traumatizada.
E como essa ausência do poder público a qual a vereadora se refere refletiu no bairro da Portuguesa?
É preciso entender um pouco da geografia do local. A Associação Atlética Portuguesa é cercada basicamente por residências, um comércio bem escasso, só na Estrada do Galeão que podemos dizer que tem comércio mesmo. Bem mais próximo do clube, antes de chegarmos a Estrada do Galeão, encontra-se o maior hospital da Ilha, o Evandro Freire. Então, com a chegada do Botafogo com sua Arena Botafogo nós ficamos vulneráveis, não era visível o aumento do efetivo de guarda à medida que os torcedores chegavam. Isto aumentava a sensação de insegurança na Portuguesa, o bairro. As ruas iam recebendo cada vez mais gente, carros, ambulantes, flanelinhas - o aumento do movimento em si não é o grande problema, claro, afinal, é dia de jogo. O grande problema é que tudo isso acontecia sem regra, sem ordem alguma. Ambulantes ocupavam a frente das portas das pessoas e flanelinhas tomavam as calçadas para eles.
Enquanto vereadora, uma representante da região, o que tentou fazer para ajudar a população?
O presidente da Portuguesa, o senhor João Rêgo me disse que todas as vezes que procurava os representantes da prefeitura, não conseguiu absolutamente nada. Era como se fosse um “toma que o filho é seu”, me contou. Os mais prejudicados, como sempre, foram os moradores. O meu último mandato foi muito difícil nessa questão dos pedidos de melhoria para o bairro. Eu não era atendida, simplesmente. Completamente ignorada. Porque eu pertencia ao partido do Crivella. Enquanto o partido era um aliado de Eduardo Paes, e não tinha nome definido, as coisas eram fáceis. Eu fiz meu papel enquanto vereadora, aqui na câmara, votei a favor e contra projetos independente da origem. Se achava que eram boas iniciativas para a população eu votava a favor, simples assim. Mas não é o que acontece muitas das vezes na política do Rio de Janeiro, quando o que importa é prejudicar e beneficiar de acordo com os interesses eleitorais pessoais e/ou partidários. Eu tenho aqui no gabinete a cópia de mais de quarenta ofícios, requerimentos de coisas simples, como o recapeamento de ruas, uma poda de árvore, coisas simples, corriqueiras. Não chegavam na Portuguesa simplesmente porque eu ganharia, entre aspas, para eles, capital político. É uma coisa desoladora. Mas passou e agora as coisas estão caminhando corretamente.
Por que a reunião de moradores na Superintendência deu tanta polêmica?
O presidente da Portuguesa me procurou temendo esse movimento dos moradores no sentido de tentar vetar os jogos do Flamengo. E sabendo realmente que nada foi feito quando o estádio foi alugado ao Botafogo e continuamente escutando reclamação de morador tomei uma providência no sentido de acertar as contas. O clube Portuguesa não poderia sair prejudicado, o Flamengo também não, o comércio da Ilha idem, mas, sobretudo, que a conta não ficasse com a Portuguesa, bairro. Eu conectei as pontas através dessa reunião pensando no melhor para todas as partes.
Qual foi sua avaliação sobre a reunião?
Os moradores colocaram questões muito importantes. Acredito que pelo menos algumas não são difíceis de resolver. É controlar o trânsito, criar soluções através de um estudo prévio. Ordenar a entrada e saída de moradores, dando o direito que usufruam de suas ruas em dias de jogos, da mesma forma que fazem em dias sem jogos. Cadastramento e controle de ambulantes. Combate a flanelinhas com a utilização do sistema de vagas oficialmente adotado pela Prefeitura. Aumento do efetivo da PM e da GM. Escolta dos ônibus de Torcidas Organizadas do Flamengo e adversários. Uma força-tarefa no sentido de otimizar o transporte público que hoje é basicamente feito por ônibus e, quem sabe conseguir algumas soluções criativas. Esse ponto eu vi que também gerou certa polêmica quando eu falei do metrô de superfície integrando. E é um bom gancho pra dizer pra torcida que eu sei que o Flamengo não implementa nada. O que a gente tá querendo aqui é fazer com que haja um legado. É um desejo muito grande da população que algumas estações do metrô disponibilizem o metrô de superfície até o bairro. Ônibus integradores do Terminal Fundão do BRT. Um contingente muito grande utiliza os trens, uma boa ideia seria disponibilizar linhas especiais a partir de algumas estações especiais, como Deodoro, Bonsucesso, Engenho de Dentro etc. Estamos sem a barca. Quem tem que fazer isso não é a Tânia Bastos, não é o Flamengo, claro. É o poder público. Ele precisa ser provocado. Todos saem ganhando. O pior cenário é aquele que grande parte da torcida venha para a Ilha de carro por falta de transporte público.
O Flamengo pode ser usado como elemento transformador dentro dessa realidade de abandono urbano, e até mesmo social, que a Ilha do Governador parece estar mergulhada?
Precisamos sim aproveitar a visibilidade natural que o Flamengo oferece jogando no bairro. A Ilha é porta de entrada do turismo estrangeiro no Rio, que é a cidade mais visitada do Brasil. Eu penso que o Flamengo precisa também pensar em ações que o aproximem do bairro. Eu sei que serão muitos jogos aqui. Então a primeira coisa que o Flamengo precisa fazer é entregar para o bairro um evento que não seja um martírio para sua população. É muito importante o apoio do superintendente Daniel Balbi e do administrador regional Márcio Pimenta. O presidente da Portuguesa também se preocupa. Eu estarei completamente à disposição de todos para ajudar no que for preciso junto ao prefeito Marcelo Crivella. Então temos tudo para fazer dar certo com a Guarda Municipal e demais órgãos. Convenhamos que isso também é o básico e não responde a sua pergunta. Se o Flamengo se envolver com o bairro, o morador vai relevar pequenos transtornos que acontecem antes e após os jogos. O esporte salva vidas, transforma caminhos. Há muita carência na Ilha. E com certeza o Flamengo e seus parceiros podem fazer ações importantes. Quantos comerciantes podem ajudar. E veja bem como foi importante a reunião na Superintendência, pois o presidente da Associação Comercial também foi; disse que já estava trabalhando para promover os jogos, de forma a fazer com que a torcida aproveitasse a rede de restaurantes e serviços da Ilha. Quantas boas parcerias o Flamengo pode acabar fechando? Não sou da área, sou assistente social e penso como assistente social. Mas sei o quanto uma marca se fortalece fazendo ações sociais. Sim, penso o Flamengo como elemento transformador. Já é um clube-cidadão, que paga seus impostos e cumpre seus compromissos. Pode ir além. Todos nós podemos.
O que você conversou com o presidente do Flamengo, antes dessa reunião?
Eu disse a ele que a Tânia Bastos não era contra o jogo. Mostrei pra ele que não é porque é o Flamengo, não tem nada a ver com a torcida do Flamengo, menos ainda! Eu sou rubro-negra, vou aos jogos, mas olha… não preciso colocar isso como importante nesse imbróglio, independentemente da minha torcida e do clube que mandasse os jogos no Luso-Brasileiro, sabe? Eu disse para o presidente que o que a Tânia Bastos precisa e os moradores da Ilha, especialmente no entorno da Portuguesa, é que o poder público ajude os dois clubes e ele compreendeu.
A visita ocorreu porque a torcida acreditou que você estava fazendo uma mobilização contra o Flamengo?
De certa forma sim. As pessoas estavam me xingando pelas redes sociais, eu nunca fui xingada!. Fiquei indignada. Mas também quis tranquilizar o clube. Eu disse que minha intenção não era proibir nada. Minha intenção era chamar a atenção do poder público. O Flamengo envolve muita paixão. Aproveitei para mostrar ao presidente Eduardo Bandeira o quanto também a instituição Flamengo pode sair fortalecida se os jogos causarem o menor impacto possível. É uma convivência que deve durar três anos, no mínimo. Não é melhor que comece com o pé direito? Ou o planejamento será reativo? Ele viu a importância da reunião e o seu site pôde acompanhar o quão foi importante o Fred Luz ter ido, os representantes de torcida, que depois até ficamos batendo um papo com eles e foi muito legal.
Ficou surpresa com a reação negativa da torcida?
Olha, em nenhum momento eu quis aparecer às custas do Flamengo. Eu estou no meu terceiro mandato, fui reeleita dentro de um cenário muito difícil de atuação na Ilha porque as pessoas me conhecem e sabem quem eu sou. Minha vida na Ilha do Governador é bem exposta. Entrei para a política de forma natural e considero um trabalho de sacerdócio. Eu não estou aqui para ganhar dinheiro. Não estou aqui para fazer falcatruas. Houve uma colocação de um blog* que eu enriqueci. Ele pegou um apanhado de informações de um levantamento de um jornal falando dos vereadores que tinham enriquecido de forma desproporcional. Uma coisa que não tem sentido algum porque o levantamento soma valores de bens que pago de forma financiada a longo prazo, está tudo alienado ao banco. Está tudo declarado no meu imposto de renda. E por que não me procurou antes de escrever? E a torcida comprou um fato inverídico e reagiu. Foi dito que eu trabalhava em causas irrelevantes. Deram o exemplo de um projeto que beneficiaria servidores públicos, dando a entender que eu estaria ganhando mesadinha. Um absurdo. Por que não falou da Casa dos Autistas? Quem tem um familiar autista aqui no Rio sabe o quanto a gente vem lutando por essa causa, o quanto o ex-prefeito Eduardo Paes prometeu e não cumpriu. Espero que todos que me atacaram percebam que erraram. Enfim, sei que ajudei criando esse grande diálogo. Estou torcendo agora por grandes vitórias, dentro e fora de campo, para o Flamengo e para a Ilha do Governador.
*A vereadora se refere ao blogueiro Túlio Rodrigues, do blog Ser Flamengo, que publicou matéria questionando crescimento expressivo de seu patrimônio. [Nota do editor].
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