O ex-jogador do Flamengo que se tornou escritor premiado

26/06/2015, 17:16

Diogo Almeida


 

José Roberto Padilha voltou à carga novamente. O ex-jogador de futebol com passagem pelo Fluminense, Flamengo e Santa Cruz já havia ,em julho de 2013, redigido um texto direcionado a outro jogador do Flamengo: Renato Abreu. Porém, naquela ocasião, a crítica foi totalmente direcionada para a diretoria rubro negra.

Renato Abreu, um talentoso meia-esquerda de 35 anos, 73 gols marcados, artilheiro da década da maior nação do nosso futebol, melhor jogador do Estadual 2011, bicampeão da Taça GB 2007/2011, bicampeão estadual 2007/2011, campeão da Copa do Brasil de 2006 e várias vezes convocado para a seleção brasileira, com a chegada de um novo treinador foi afastado do elenco rubro-negro. Não foi colocado no banco de reservas como deveria, em respeito ao seu passado no clube, mas convidado a treinar sozinho para que seu talento como cobrador de faltas, verdadeiros mísseis desferidos fora da área, de falta, pênalti ou de escanteios, não possam ser testemunhados nem pela imprensa, nem pelos torcedores. Eu disse convidado? Desculpe-me, foi abrir seu computador durante o recesso da Copa das Confederações, e leu no site oficial do seu clube a seguinte nota “O Clube de Regatas do Flamengo acertou, na tarde desta segunda-feira, a rescisão do contrato do atleta Renato Abreu. A diretoria agradece pelos serviços prestados e deseja boa sorte ao jogador!”.

Agora o então secretário de esportes do munícipio de Três Rios, interior do Rio de Janeiro, direcionou suas baterias para a baixa performance de Cirino nos últimos tempos, em fase que só piora a cada jogo. O texto publicado no blog do jornalista Renato Maurício Prado correlacionou a má fase do atacante paranaense às noitadas no Rio. Antes de ser apenas um texto crítico sobre um jogador iludido com os encantos que a fama e a riqueza proporcionam, o que chamou a atenção de todos foi o tom emotivo e a forma carinhosa com que descreveu à sua saída do Fluminense e chegada ao Mais Querido:

Em 1976, com sua idade, saia da concentração do Flamengo, em São Conrado, para estrear no Fla-Flu do troca-troca. Não tinha dormido direito. Havia deixado meu time de coração, o que defendi desde os 16 anos até os profissionais, e estava ansioso, pensando como me comportaria defendendo uma camisa por profissão. Não mais como prazer e por paixão. Até que o ônibus, antes de ultrapassar o túnel Dois Irmãos, passou diante da favela da Rocinha. Pela janela, vi gente despencando por aquelas escadas em euforia em direção ao Maracanã. Gente simples, humilde, trabalhadora, que se dirigia ao estádio para dar sentido a sua vida. Uma vitória do Fla, e esta fé estava escancarada nos olhos de cada torcedor, era o combustível que precisavam para ser feliz. E a medida que nos aproximávamos do Mário Filho, mais gente vinha chegando, como numa procissão. Por respeito a eles, lutei 90 minutos como se o adversário fosse mesmo um adversário.

O MRN entrou em contato com José Roberto Padilha e descobriu que além de atual secretário de esportes de uma pequena cidade fluminense, ele também é um escritor premiado. "Crônicas de um ex-jogador", seu 4º livro, recebeu medalha de bronze do I Prêmio João Saldanha de Jornalismo Esportivo de 2010.

Quando pedimos para reproduzir seu texto nesta matéria, Zé Roberto, como era conhecido em seus tempos de ponta, nos deixou à vontade para reproduzir seu e texto e ainda acrescentou com uma certa espirituosidade: "Só esqueci de dizer para ele, Marcelo, provar domingo que estou errado, porque 3 dos meus quatro filhos são rubro-negros e vão agradecer. A nós dois."

“Bom dia, Marcelo. Temos algo em comum: chegamos como promessas à Gávea, aos 23 anos. Eu vindo de um troca-troca com o Fluminense, você como destaque no Atlético Paranaense. Mesmo sendo tricolor, mas amante do futebol arte, juntei-me à nação rubro-negra para reverenciá-lo".

Sim, porque você parecia o atacante que está fazendo falta ao futebol brasileiro. E o Flamengo seria a porta que o levaria à seleção. Habilidoso e veloz, suas atuações celebravam o surgimento de um novo Jairzinho, um Müller, um Búfalo Gil que levantava a torcida em cada contra-ataque. Os grandes times do futebol brasileiro sempre contaram com um, pois os gênios que empunham a dez precisavam de uma flecha para acionar o seu habilidoso arco em direção ao gol adversário.

Você começou bem, mas foi caindo de produção e fui temendo pelas suas atuações na noite do Rio. De tão bonita e concorrida, é um colírio para o turista. E uma armadilha para os que chegam à Gávea e não encontram os atletas que encontrei. Outro dia, na Internet, havia sua foto entre Pico, Éverton e outros candidatos ao sumiço, com uma “long neck" às mãos comemorando... a zona do rebaixamento?

Em 1976, com sua idade, saia da concentração do Flamengo, em São Conrado, para estrear no Fla-Flu do troca-troca. Não tinha dormido direito. Havia deixado meu time de coração, o que defendi desde os 16 anos até os profissionais, e estava ansioso, pensando como me comportaria defendendo uma camisa por profissão. Não mais como prazer e por paixão. Até que o ônibus, antes de ultrapassar o túnel Dois Irmãos, passou diante da favela da Rocinha. Pela janela, vi gente despencando por aquelas escadas em euforia em direção ao Maracanã. Gente simples, humilde, trabalhadora, que se dirigia ao estádio para dar sentido a sua vida. Uma vitória do Fla, e esta fé estava escancarada nos olhos de cada torcedor, era o combustível que precisavam para ser feliz. E a medida que nos aproximávamos do Mário Filho, mais gente vinha chegando, como numa procissão. Por respeito a eles, lutei 90 minutos como se o adversário fosse mesmo um adversário.

Não tive sorte dentro de campo. Na quinta partida defendendo o clube, fraturei o tornozelo direito, passei dois meses com gesso e quando voltei, pressionado e com botinha de esparadrapo, era cedo demais para a lesão e cumpri meu contrato capengando. Ao seu final, restou-me tentar a vida em Recife, no Santa Cruz. Mas tive sorte fora de campo. Nos vestiários, no dia a dia com meus companheiros. Zico, Junior, Cantarele, Jaime, Rondinelli, Geraldo, Tadeu e Luisinho eram autênticos funcionários da nação. Treinavam em dois períodos, dormiam cedo, se cuidavam. Tinha samba no ônibus e cerveja gelada, mas apenas no domingo. Após o dever. Nos juniores, chegando, surgiam Adilio, Andrade, Leandro, Tita e Julio César. Era uma família que, quando se juntou, ganhou tudo. Viraram exemplos porque conquistaram o mundo. Mas, antes respeitaram sua nação. Honraram o futebol.

Permita-me um conselho, Marcelo. Largue esta turma. E volte a treinar e dormir cedo. Se cuidar. Brindar com “Stelinha” apenas quando atingirem o G-4. O anti legado que Ronaldinho Gaúcho deixou ao clube foi abrir sua mansão a semana toda para o pagode. Implantou o desrespeito com o torcedor, atrasou a vida de tantas promessas, como você, que poderiam chegar à seleção, mas que hoje não passam de “adrianos”. Dignos de pena pelos atletas que poderiam ser diante de dom concedido para reverter uma injustiça social. Só depende de você mudar este jogo. Um grande abraço. Zé Roberto”.


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Mundo Rubro Negro
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