Há pelo menos duas décadas, o futebol do Estado do Rio de Janeiro vive sob o jugo de uma poderosa força involutiva...
Gustavo Genovese
Há pelo menos duas décadas, o futebol do Estado do Rio de Janeiro vive sob o jugo de uma poderosa força involutiva. O atual presidente do Vasco, Eurico Miranda, comanda de fato os rumos do futebol carioca, e o faz desde os tempos do lastimável dirigente Caixa D'água, passando agora pelo atual – de difícil adjetivação, pois que corre-se o risco de se resvalar na ofensa pessoal, algo que parece tão ao seu gosto - que atende pela alcunha de “Rubinho”. É fato incontestável que, os últimos presidentes da FERJ outro papel não tem desempenhado do que o de meras marionetes manipuladas ostensivamente pelo poderoso chefão vascaíno.
A filosofia administrativa que orienta a direção da FERJ espelha, perfeitamente, a perversa cultura enraizada no esporte brasileiro, a qual apresenta as seguintes características: amadorismo primitivo; autoritarismo anacrônico; parcialidade nas decisões; truculência no trato com os filiados; falta de transparência na gestão; inconfessáveis manobras de bastidores; enriquecimento da entidade em detrimento dos clubes e o desprezo pelos seus reais interesses.
Essa lamentável realidade não mudará, no âmbito do provinciano futebol carioca, ao menos, nos próximos anos, e, talvez, mesmo, nas décadas vindouras, pois que, igual ao câncer, os maus dirigentes geram metástases ...
Num momento em que se discute no Congresso Nacional a edição de uma lei que possibilita aos clubes o refinanciamento de suas dívidas fiscais com a União, exigindo-se para tanto contrapartidas em termos de responsabilidade administrativa e práticas rigorosas em matéria de governança institucional, causa espanto o comportamento da FERJ que busca, deliberadamente, fragilizar economicamente os clubes que não são simpáticos àqueles que a dirigem.
Em tal contexto, a criação de uma liga de futebol, a qual Flamengo e Fluminense emprestaram o nome provisório de Liga dos Clubes Cariocas, é uma realidade que se impõe. Apenas, faz-se necessária uma ampla discussão acerca do caminho jurídico a ser trilhado, bem como em relação à abordagem mercadológica a ser realizada.
Sem esmiuçar de forma desnecessária e tediosa, considerando a natureza deste texto, os aspectos legais quanto ao formato jurídico-institucional de uma possível liga a ser criada, vejo como a solução mais viável a constituição de uma associação civil de abrangência regional, uma liga regional (nos termos dos artigos 13, V; 16, § 2°; 20, § 2°/6°, todos da Lei n° 9.615, de 24 de março de 1998 – Lei Pelé -, assim como do Decreto 3.944/2001, que a regulamenta). Esse figurino jurídico, inclusive, não é algo inédito, pois em passado recente teve existência quando da constituição das Ligas Rio-São Paulo, Sul-Minas, Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Para a instituição de tal liga, cujo âmbito é regional, faz-se necessária apenas – uma vez observada a legislação aplicável à espécie - a comunicação da criação da respectiva liga às entidades nacionais de administração do desporto, no caso, as relativas ao futebol.
Assim, uma liga regional de clubes, a qual abarcasse mais de um Estado da Federação, por exemplo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, passaria a compor o Sistema Nacional do Desporto, mediante o atendimento da legislação em vigor, conectando-se juridicamente à CBF, que é o ente que integra o sistema FIFA. Nesse contexto, a forma de inserção do Flamengo no sistema organizacional da FIFA se daria através dos vínculos da liga regional criada, e do próprio clube, com a CBF, deixando de existir o liame existente por meio da FERJ, da qual, em momento oportuno (após a criação da liga regional e o reconhecimento pela CBF da sua adequação às exigências legais e regulamentares), o Flamengo se desfiliaria.
As vantagens para o cube seriam de diversas ordens. Algumas imediatas e evidentes, como: auferir maiores receitas através de contrato de TV, sem a participação parasitária da FERJ; poder fixar em valores muito inferiores as taxas cobradas pela liga a ser criada a título de despesas administrativas (a FERJ, por exemplo, cobra 10% sobre as receitas de bilheteria); incorporar as receitas oriundas das placas publicitárias (valor hoje abocanhado pela FERJ); disputar partidas em outras praças pelo Brasil afora, com ganhos de bilheteria e de fidelização de mercados; além de aprofundar a abordagem profissional em relação aos sócios-torcedores e à política de precificação dos ingressos. Isso tudo sem contar com o ganho em termos de lisura e credibilidade que um campeonato organizado fora da estrutura decrépita da FERJ imediatamente significaria.
Restam, ainda, por acrescentar, algumas breves considerações sob o ponto de vista mercadológico do que poderia representar a fuga desse verdadeiro atoleiro esportivo-econômico em que o campeonato carioca, nos moldes em que é disputado, se transformou. É preciso que tenhamos consciência que essa marcha ininterrupta de fracassos promovidos e organizados pela FERJ não terá fim. O Flamengo, que hoje é referência em gestão administrativa, não pode, passivamente, tomar parte nessa tragédia apregoada. É preciso que se adote uma atitude mais pró-ativa, buscando-se conquistar novos mercados para o campeonato que ocupa os primeiros meses do calendário esportivo anual do clube.
Tendo presente essa realidade, entendo que a estratégia de mercado mais adequada seria tentar cooptar clubes de outros estados – até porque, a liga a ser criada teria necessariamente âmbito interestadual -. A minha percepção é de que os clubes mineiros (Cruzeiro, Atlético e América-MG) seriam extremamente receptivos à ideia da criação de uma liga regional – dependendo da quantidade de clubes que viessem a participar, talvez nem precisassem deixar de disputar o campeonato local -. Esses clubes teriam um enorme ganho em termos, inclusive, de repercussão, nem se fale no aspecto econômico, pois participariam de um campeonato de expressão nacional, o que só a presença do Flamengo é capaz de possibilitar.
Enfim, com a criação de uma liga regional, com a participação de clubes de grande expressão no cenário nacional – com o obvio ganho em termos financeiros que isso significa -, e o abandono do campeonato organizado pela FERJ, o Flamengo também estaria, além de tudo, frustrando a desprezível estratégia do chefe da organização vascaína de fomentar, na base do rancor insano, a rivalidade entre os clubes; e, assim, jogar por terra os delírios megalomaníacos do iracundo dirigente que acalenta o sonho de reconstruir os escombros de São Januário (com o apoio do prefeito Eduardo Paes, seu aliado político), usando a alavancagem dos mandos de campo administrados pela FERJ, assim como pelo fato de que tanto o Maracanã, quanto o Engenhão, não poderão ser usados em boa parte do primeiro semestre de 2016 em função das obras relativas ao jogos olímpicos.
Esperemos que a atual direção do Flamengo, mais uma vez – e como tem feito nesses dois anos de profícua administração - honre as tradições de coragem e hombridade do clube, e leve os interesses da instituição até as suas últimas consequências.