O assédio no estádio ou a especificidade de um comportamento coletivo em um universo masculino
Nos últimos dias recebemos a excelente notícia de implementação de um novo protocolo, “Não é Não! Respeite a decisão”, no combate ao assédio nos estádios. O Maracanã foi o primeiro estádio contemplado por essa medida, realizada pela Secretaria da Mulher do Estado (SEM-RJ).
Cartazes foram colocados nos banheiros e em pontos estratégicos, onde o aplicativo Rede Mulher é divulgado. As equipes de segurança também receberam um treinamento de capacitação, com foco no enfrentamento de ocorrências e no acolhimento das vítimas de assédio e importunação em partidas de futebol.
➕ Reparação histórica ou a busca pela equidade
Essa medida é extremamente importante e reforça a Lei 8.330/2024 de combate ao assédio em estádios de futebol e nos demais locais onde se realizam atividades desportivas, recém aprovada pela câmara municipal.
E comprova a existência de uma especificidade na misoginia estrutural no ambiente do Futebol. Especificidade que precisa ser estudada, pensada, para que as medidas tomadas contra o assédio em estádios sejam sempre assertivas.
Muitas estatísticas já foram publicadas sobre o tema. E os números no Brasil são sempre os mesmos: mais da metade das mulheres já sofreu algum tipo de assédio, e mais de 80% das mulheres não se sente à vontade dentro de um Estádio. Não esquecendo que até fora deste local, em dias de jogo, os casos de violência contra mulheres aumentam em mais de 20%.
Ou seja, o Futebol continua sendo um mundo masculino, retrogrado, resistente às mudanças da sociedade, violento e hostil para com as mulheres. Coibir a violência é fundamental. Campanhas de conscientização ajudam bastante também.
Mas talvez possamos ir mais à fundo do problema, refletindo em cima das condutas inadequadas e exacerbadas na arquibancada. Pois, não podemos deixar de levar em conta o comportamento coletivo e suas dinâmicas próprias: o ser humano muda quando integra um grupo. Ele não é mais um indivíduo, ele se funde com os outros e prevalece o anonimato, através do qual ele se comporta de forma peculiar. Sozinho, ele age de uma forma. Em grupo, ele se torna anônimo, seus atos são legitimados pelo coletivo e ele reproduz comportamentos agressivos, violentos, imitando os outros, “contagiado” pelos outros.
É como se as inibições fossem derrubadas e o coletivo legitimasse os impulsos mais primitivos. Condutas sublimadas avariadas e transformadas em atos bárbaros. O inconsciente é uma arma poderosa, e as atitudes dele decorrentes só podem ser combatidas quando reveladas.
Na análise psicanalítica, as palavras são uma passagem do inconsciente para o consciente e “curam” comportamentos nocivos. Da mesma forma, refletir e conscientizar sobre atitudes fomentadas e exacerbadas no ambiente coletivo do Estádio, podem ser um caminho para diminuir a violência que delas emana.
Estamos longe de esgotar a questão e as medidas de prevenção e punição aos assédios nos estádios. Mas que esse novo protocolo da SEM-RJ seja o pontapé inicial de uma ampla reflexão sobre o tema.
Até porque o Flamengo já ganhou a concessão definitiva do Maracanã e está prestes a adquirir o terreno para a construção de seu Estádio próprio. Que sejamos modelo de referência no combate a toda e qualquer forma de violência contra mulheres. Que sejamos protagonistas para que elas se sintam acolhidas e possam torcer livremente, sem medo de passar por nenhum tipo de constrangimento. Que a essência plural e inclusiva do CRF seja posta em prática, empoderando suas mulheres e suas meninas, onde o coletivo seja realmente coletivo, independentemente do gênero, desconstruindo a ideia arcaica segundo a qual o Futebol é dos homens.