Por Daniel Endebo (twitter: @danisendebo)
Fevereiro entrava em sua reta final quando o Flamengo anunciou oficialmente a desistência por Elias. O camisa 8, destaque absoluto da temporada 2013, tentou convencer os dirigentes do Sporting a aceitar a proposta rubro-negra, fato que foi negado pelos lisboetas; o Mais Querido, por sua vez, não estava disposto a dar um centavo a mais do que oferecera. Sem encontrar um denominador comum, o clube desviou olhares para o mercado, a fim de reforçar outros setores.
Éverton e Leo, destaques no Atlético-PR, foram contratados; Mugni, elogiado armador do pequeno Colón chegava cercado de expectativas; veteranos como Alecsandro e Elano vinham para "dar cancha" ao time que, quase que por acaso, chegou à Libertadores. Faltava encontrar um nome capaz de substituir Elias.
Alguns torcedores, iludidos pelo bom desempenho de Luiz Antônio na reta final de 2013, acreditavam que o prata da casa estava, enfim, pronto para assumir a bronca. Mas um controverso movimento fora de campo minou para sempre a relação entre o jogador e a Nação. A "volância", região do campo de onde emanava o coração do time campeão da Copa do Brasil, era terra arrasada dias antes da Libertadores da América.
Sem os condutores de bola, Amaral virou abóbora; o renegado Muralha foi lançado titular sem convencer ninguém; Cáceres conseguia emplacar sua primeira sequência de jogos desde que fora contratado. Havia ainda o garoto Feijão que, a bem da verdade, ninguém entende porque foi contratado. Elano, o coadjuvante de luxo da Copa de 2010, era quem poderia oferecer algo a mais ao setor, mas sua precária condição física fez do atleta uma dor de cabeça sem tamanho.
Sem verba para quebrar a banca, o Flamengo mapeou o mercado. E encontrou Márcio Araújo livre após término de contrato com o Palmeiras. O jogador não poderia ser inscrito na Libertadores, mas ter opções a mais parecia um bom negócio. As credenciais, entretanto, não eram animadoras. Márcio fora alvo de uma campanha promovida por torcedores alviverdes, que faziam uma contagem regressiva para sua saída do clube (relembre aqui). Aos 29 anos, ninguém esperava de Márcio Araújo mais do que um feijão com arroz - e pouquíssimos esperavam que ele estivesse temperado.
Dizer que o volante trouxe impacto imediato ao time seria um tremendo exagero. Mas a primeira memória viva que os rubro-negros têm de Márcio Araújo com o Manto Sagrado é dele empurrando a bola, aos 46 do segundo tempo, impedido, para marcar o gol do título estadual.
No primeiro semestre de 2014, Márcio Araújo resumiu-se a isso. Não é pouca coisa, se pensarmos que houve troca de treinadores e lesões de atletas importantes. As coisas mudariam efetivamente com a chegada de Luxemburgo e a regularização de Canteros.
O profexô sacou logo que a bola deveria passar pelos pés do argentino para chegar com qualidade à frente. Márcio Araújo, o operário, marcaria por Leo Moura e ajudaria Cáceres no combate direto. Se sobrasse tempo - e pulmão -, ele poderia se aventurar na frente. O meio encaixou e a temporada que se encaminha para o "inevitável-sempre-evitado" rebaixamento, terminou em águas calmas. Luxa pediu pela renovação com o camisa 8, dando a entender que tinha novos planos para sua equipe, mas que via utilidade no jogador.
Os primeiros movimentos de 2015 confirmaram a ideia do treinador. Canteros não mais seria um terceiro homem de meio-campo; tal qual fizera com Rincón, no fim dos anos 90, e Mazinho, no início da mesma década, o talentoso jogador seria recuado para aumentar a qualidade na saída de jogo. Contra Canteros, pesa o fato de que não é um atleta rápido - e nem um grande marcador. Para jogar ao seu lado, Vanderlei indicava Cáceres, o melhor "jogo sujo" do elenco.
Assim foi a campo o Mengão no torneio Super Series. Venceu, é verdade, mas escancarou lentidão na transição, além de espaçamento entre as linhas da equipe. Em jogos mais competitivos, seria necessário ajustar o setor para não comprometer o rendimento da equipe. Logo na estreia do Carioca, Vanderlei sacou Cáceres no decorrer da partida e lançou Márcio Araújo. A melhora foi imediata. E notável.
Na segunda rodada, o camisa 8 iniciou no onze ideal do Mais Querido. E num misto entre a fragilidade do adversário e a impressionante melhora do atleta, Márcio Araújo virou febre na internet. A imagem onde mostra seu índice de 100% de aproveitamento nos passes alimentou comparações (esdrúxulas, naturalmente) com alguns dos melhores passadores do futebol mundial. Mas o recado estava claro: se o Flamengo 2015 seria diferente, Márcio estava disposto a melhorar também para ser parte desse time.
Os números impressionam: é o segundo atleta do time que mais passa a bola - atrás somente de Canteros -, mas é quem possui o mais elevado índice de acerto, considerando mais de 100 passes (96% de acerto); dentre os titulares, está em segundo que menos perde a posse da bola, atrás somente de Wallace, que a retém muito menos. É líder no quesito desarmes. Aparece como terceiro que mais dribla do time, atrás de Nixon e Éverton, atletas com vocação ofensiva.
Hoje, Márcio Araújo é titular merecidamente. Se os números não dizem muito aos céticos (especialmente nesse etapa da temporada), notar a diferença de ritmo do time com Cáceres e com Márcio Araújo é suficiente para tirar certas conclusões. Aos 30 anos, vê-lo evoluir sem perder a simplicidade que marcou sua carreira, é inspirador. Que a nova onda do camisa 8 inspire outros atletas a buscarem, ininterruptamente, evoluir em suas carreiras.
SRN