Um dos mais tradicionais mecanismos de autopreservação da mente humana é a ideia de que “tudo nessa vida tem um lado bom”. Você não perdeu seu emprego, você “se tornou disponível para uma nova oportunidade profissional”. Seu guarda-roupa não pegou fogo, você vai “poder comprar várias roupas novas”. Você não flagrou sua noiva beijando seu pai na véspera do casamento, você “ganhou a chance de conhecer outra pessoa e aprendeu sobre os limites da família tradicional no ocidente”.
Em suma, diante de uma situação evidentemente terrível e que gera apenas tristeza e desgosto, o cérebro humano – e a sua mãe e os caras no Linkedin – vão sempre tentar te fazer acreditar que existe ao menos algum aspecto positivo envolvido, por mais absurdo que ele seja, por mais tortuosa que a linha de pensamento necessária para chegar até ele precise ser. “Roubaram seu celular mas agora você vai viver mais o momento”, “extraviaram suas malas pra você entender que não precisa de bens materiais”, “o que você pode aprender sobre resiliência com o fato de que seu chefe promoveu o filho dele e não você?”.
Mas existem certas coisas que mesmo as mentes mais dedicadas, mesmo as mães mais dispostas, mesmo os CEOS mais dissociados, não conseguiriam transformar em positivas. Uma delas, com toda certeza, é a derrota de hoje do Flamengo para o Athletico-PR, por um 1×0, na Arena da Baixada.
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Afinal, o que podemos falar que deu certo num Flamengo desconjuntado, confuso, que errava passes simples, criava muito pouco e perdeu para um rival que até essa partida não havia marcado um gol sequer no campeonato? Vamos valorizar a titularidade de Pedro, cuja mãe chorou no meio de semana pela ausência do filho em campo e hoje possivelmente chorou pela presença? Vamos celebrar Isla, que após duas boas partidas aparentemente recuperou a memória e voltou a ser aquele Isla caótico que aprendemos a temer? Vamos valorizar as experiências de Paulo Sousa, que aparentemente já entendeu como o Flamengo funciona mas quer tentar variações que não funcionam apenas pra passar o tempo?
Porque é possível entender a lógica por trás de uma equipe mista quando você tem no meio de semana um jogo de Libertadores. Mas precisava ser tão mista assim? É visível que ainda precisamos de soluções no setor defensivo, mas Léo Pereira na lateral-esquerda vai ser uma delas? Você está mesmo poupando o time quando precisa, diante do resultado negativo, começar a colocar os titulares pra correr na reta final diante de um adversário extremamente limitado mas disposto a bater sem medo?
A verdade é que, por mais que alguém vá tentar elogiar a entrada de Everton Ribeiro, a estreia de Pablo, talvez até mesmo a dedicação de Thiago Maia, um Flamengo que vinha em franca evolução mostrou, em virtude das mudanças, da desorientação e do eterno álibi do gramado sintético, uma pausa no seu crescimento. Tivemos mais um jogo ruim, mais uma atuação fraca, mais um momento em que a sensação é de que Paulo Sousa complicou o simples apenas pelo prazer de complicar.
Resta esperar que na partida mais importante, de quinta-feira, contra a Universidad Catolica, o Flamengo volte a ser a equipe em evolução dos últimos jogos e que, é claro, pontos como esses perdidos hoje, não façam falta lá na reta final. Porque lado bom o resultado de hoje não teve, mas consequências ruins seria até surpreendente se não tivesse.