A morte de um gigante

10/04/2016, 07:00

Por Thauan Rocha | Twitter @Thauan_R e @flaimparcial

 

Minha história começou a terminar no dia 10 de agosto de 2016, quando meu dono anunciou que a Odebrecht assinou um contrato com a BWA para mudar quem cuidaria de mim. Se era legal ou não, pouco importaria, o acordo estava selado e os poucos homens da lei que se importavam comigo se viam cercados no meio de tantos outros corruptos. Nada podiam fazer.

O governador foi esperto, esperou a Olimpíada começar para aproveitar o momento de distração das pessoas. Poucos se preocuparam de fato em me defender. Não houveram protestos significativos contra essa decisão, apenas um ou outro apareceu aqui perto. Nas redes sociais houve certa mobilização, mas foram abafados pelo maior evento esportivo do mundo. A mídia, focada nos jogos e naturalmente compassiva, pouco falou sobre o assunto. Estavam perdendo a minha morte.

Logo eu, um gigante que já viu de tudo, estava sendo esquecido. Eu, que já acolhi quase 200 mil torcedores em uma só noite para a final da Copa do Mundo de 1950, que já recebi 177 mil em um mágico Fla x Flu pelo outrora charmoso Campeonato Carioca, parecia não ter mais importância para as pessoas.

O tempo sempre trouxe mudanças, tanto para as pessoas quanto para mim, isso é normal. Eu mudei para receber o Pan, mudei para receber outra Copa, mas uma coisa não mudou: os meus amigos. Alguns apareciam menos, como Botafogo e Vasco, mas o Flamengo e Fluminense sempre estavam comigo.

Alguns dizem que as mudanças que eu sofri foram responsáveis por minha morte, dizem que eu perdi o chame, mas não foi só isso. Quem deveria cuidar de mim não o fez, me negligenciou. Debilitado, mas ainda acordado, vi o Flamengo e a Nação lutando por mim. Brigaram com forças maiores que eles, não tiveram medo, mas não aguentaram. Eu já vi muitas coisas e por isso sei que ser honesto e ter condições de cuidar bem não bastam, sempre havia algum tipo de corrupção entre meu dono e quem cuidava de mim.

Não querendo fazer parte disso e com uma proposta para cuidar de outro, o Flamengo saiu e levou a Nação com ele. Com lágrimas nos olhos, eu e eles, sabíamos que não havia outro jeito. E é aí que os aparelhos que me mantinham vivo começaram a falhar. Tentaram dar um jeitinho, fazendo shows gigantes de mês em mês, diminuíram os repasses para os meus donos, demitiram os ajudantes, mas não dava resultado.

Vez ou outra eu tomava mais fôlego quando o Flamengo voltava a me visitar. Assim como aconteceu com uns amigos de Brasília, Manaus e outros estados, comecei a receber times de fora pagando caro por sua presença, era o jeito que tinha para tentar me manter vivo. O Fluminense sempre estava aqui, mas não tinha jeito, ele sozinho não conseguiria. O Flamengo sempre foi o meu preferido, foi o que mais me ajudou. Sem ele aqui não dava.

O tempo foi passando e eu fui ficando mais fraco, fui ficando cada vez mais sem ar, e agora só conseguia ver a BWA, minha responsável, brigando com meu dono para ver quem ficaria com esse fardo. De estrela mundial para fardo. Triste fim para mim. Fico triste porque também fazia parte da cultura local. Já fui homenageado em diversas músicas, quadros, textos, livros etc.

Sempre estive presente na vida do carioca e do brasileiro amante do futebol.

Agora não consigo enxergar mais nada, não sei em que ano estou, mas tenho a impressão de que não se passou muito tempo. Hoje só consigo ouvir alguns poucos barulhos de algumas pessoas decidindo o que vão fazer assim que se livrarem de mim e outros falando para irem desligando os aparelhos e começando a minha remoção.

Muitos choraram, mas já era esperado, não foi nenhum espanto. Outros nunca se importaram. Então esse é o meu fim, essa é a minha morte!

 

Assinado,
Estádio Mário Filho, conhecido como Maracanã.


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