Jornalista esclarece pontos importantes sobre a Superliga
Lucas Dantas (Twitter: @lucasdantas), à convite do MRN Informação
O Flamengo e a Superliga
Uma notícia dada na última semana, às vésperas da decisão da Superliga Feminina 2014-2015, dava conta de um interesse do Flamengo em voltar para a competição que não disputa desde 2005, no naipe das mulheres, e 97, no masculino. O último título (se não me engano, o único) foi com elas, em 2001, naquela final contra o Vasco, no Maracanãzinho. Foi também a última vez que nem Osasco e Rio de Janeiro não estiveram na final (pelo menos uma das equipes).
Para o Flamengo, é bom disputar a Superliga? Me pediram essa análise e achei que seria legal falar um pouco. Como jornalista que trabalha diretamente no mundo do voleibol e em viagens e coberturas, vi muitos ginásios, ouvi muita coisa, li muitas notícias e acompanhei de perto, principalmente nas conversas em off, sobre o esporte no país. Não sou e nem pretendo ser o dono da razão, mas queria mostrar que existem coisas que vão além da simples vontade de montar um time. Claro que o Flamengo sabe disso. Mas muitos torcedores não sabem, então acho que seria legal falar um pouco (ou muito. Senta que lá vem história).
Público: O voleibol é o segundo esporte mais popular do país, dizem. No coletivo é, com certeza. Mas não sei como está o quadro MMA x vôlei. Saindo de Rio e São Paulo, o esporte é muito forte em diversas praças importantes, com ginásios sempre recebendo públicos de 2 mil a 6 mil pessoas, dependendo de sua capacidade. Muitos desses públicos são empurrados pela presença de atletas da seleção brasileira nos times. Sesi, Cruzeiro, Minas, Rio, Taubaté e Osasco lotam os ginásios onde jogam, independentemente do adversário e de sua posição na tabela. Ginásios, diga-se, fracos, velhos e com estrutura precária na maioria das vezes. Mas o público fiel comparece. Em Cuiabá, para a Copa Brasil feminina, não havia espaço vazio na arquibancada. Em Maringá, em janeiro do ano passado, o Chico Neto teve sua lotação de 6 mil pessoas preenchida nas finais masculina e feminina, com venda de ingressos a 30 reais.
Claro que um time de vôlei do Flamengo ajudaria, muito, a manter ou até aumentar, nas cidades com ginásios disponíveis, essa média acima. E se montar um time com atletas de seleção ou pelo menos uma equipe nível 5-6 (explico depois), já é uma garantia de boa audiência. Mas isso na audiência física, no local. Porém, não esperem rendas financeiras. O ingresso do vôlei não chega a 30 reais, quando muito. Numa final, cujos preços e lucros são da CBV, eles sobem o valor, mas ao clube cabe apenas uma pequena quantidade de ingressos. Times pequenos aproveitam a vinda dos grandes para ganhar algum trocado com ingressos, mas para o Flamengo, essa conta não vale a pena.
Adendo: vale ressaltar que as torcidas são diferentes. Uma torcida de vôlei é bem diferente, em tudo, da de futebol. Claro que quando juntam os esportes as semelhanças aparecerão, mas o público, o perfil, a cara de quem vai a jogo de vôlei normalmente é BEM DIFERENTE do futebol.
Audiência TV: “Ah, o Sportv vai bombar com o Mengão no vôlei”. Sim, é claro que um jogo do Flamengo no Sportv deverá dar uma audiência maior que o normal da Superliga mas, como em tudo na vida, o termômetro será o time em si e a fase do jogo. Os horários de transmissão da Superliga são sexta, 21h30, para elas, e sábado, 21h30, para eles. Se as pessoas já reclamam com o futebol nesse horário, e isso rola um dia no campeonato, imagina uma constante? Não tenho acesso aos números do “canal campeão”, mas sei, de off, que o vôlei não é a melhor das audiências, quando fora de fase decisiva. Um Flamengo x Juiz de Fora de tabela, num sábado às 21h30, teria seu público no ginásio em torno de 500 pessoas, máximo. Quantas na frente da TV? Vôlei é um esporte de tempo indeterminado. Pode durar 1 hora como 2 horas e meia. É um esporte de quem gosta. Quem não gosta ou assiste esporadicamente, vê apenas quando o jogo tem apelo.
Local: onde jogar? Alguns times, quase todos, na verdade, contam com apoios de prefeituras para utilizar os ginásios que ficariam às escuras se não fosse o vôlei. Osasco, Brasil Kirin, São Bernardo, Maringá, Montes Claros... a lista é grande. E faz sentido. Antes que pensem em “farra do dinheiro público”, isso é uma das tarefas da prefeitura, sim, e é bom para a cidade e para o esporte. É um apoio que não agride ninguém, muito pelo contrário. Mas, no caso do Flamengo, como seria isso? O Maracanazinho não viria de graça, ainda mais para manter jogos com públicos pequenos. O Tijuca tem dono. A Arena da Barra, idem. Todo mundo aí quer ganhar dinheiro com aluguel. Onde o Flamengo jogaria?
O Cruzeiro joga em Contagem, a 30 minutos de Belo Horizonte, no ginásio poliesportivo cedido pela prefeitura. Tanto o Sada, do milionário Vittorio Medioli, quanto o Cruzeiro Esporte Clube poderiam alugar um ginásio em BH, certo? Por que? Não é melhor ir para uma cidade ao lado, onde a prefeitura pode ceder um (bom) espaço que estará sempre cheio de cruzeirenses? O Flamengo poderia fazer isso? Por que não? Volta Redonda tem torcida de vôlei e local para jogos. O ginásio da Ilha São João é da prefeitura. O time sofreu com problemas financeiros e acabou. A torcida ficou órfã. Precisa dizer mais?
Nome: Nesse ponto, o Flamengo nada de braçada. Ao contrário da esmagadora maioria dos times da Superliga, o nome seria Flamengo e só Flamengo. Pode arrumar o patrocinador que for, mas o nome será Flamengo. E o patrocinador não poderá reclamar porque, além de ter estampada sua marca em todos os lugares (mesmo que a Globo não diga o nome, a marca estará lá, como é no futebol), poderá vender camisas com sua logo. Sim, isso mesmo. E vai ganhar.
Nas duas últimas finais de Superliga que fui no Mineirinho, a camisa do Cruzeiro com a marca verde do Sada na barriga dividia espaço com a tradicional azul do time de futebol, se não fosse mais numerosa. Ela é mais barata que a do futebol, mas é oficial e ainda ajuda o esporte específico. A torcida comprará e desfilará coma camisa, sem dúvidas. Para os fãs de vôlei, um deleite e mais uma opção de Manto para comprar. Só vi vantagens...
Time: aqui é um ponto complicado. Masculino ou feminino? O que é melhor? Notadamente a audiência e apelo de mídia do time masculino é maior que o feminino (e olha que são elas as bicampeãs olímpicas). Mas os naipes possuem suas particularidades na hora de montar uma equipe, a começar pelo ranking.
Para quem não sabe, esse ranking deveria equilibrar as equipes impedindo que um messias venha e compre todo mundo, montando uma máquina de voleibol. No masculino isso funciona, em termos. No feminino, os nove anos seguidos da mesma final provam que não funciona. Não vou entrar nos detalhes do ranking porque isso pede um texto exclusivo. O que importa é que para a próxima temporada, os times já estão quase fechados. E com isso entende-se que os melhores jogadores já têm “dono”. A oferta no voleibol não é como no futebol. O esporte é diferente a montagem de elenco também. Você monta um time com 12 nomes dependendo de cada jogo e momento da partida, ou até já pensando na final. Qualquer time que queira vencer a Superliga Masculina sabe que em determinado momento precisará bater o Cruzeiro, então precisa montar seu time pensando em como fazer isso. O mesmo no feminino, com Osasco ou Rio. Aí precisa de um bloqueador para determinados momentos, um ponteiro passador quando precisar segurar o jogo, um saque forte para quebrar o passe adversário, blablabla...
A ideia é montar no masculino. Porém, no feminino, por incrível que pareça, pode ser mais fácil, uma vez que muitas importantes jogadoras estão no exterior e quando repatriadas voltam com uma bela bonificação de pontos. Com duas “gringas” 7 e algumas jogadoras 5 já se forma um belíssimo time para a competição. Mas o Rio já tem o Rexona. Vale a pena montar um time para rivalizar com um projeto de anos? E juntar os dois? Bernardinho e a líbero Fabi gostariam da ideia, aposto...
Base: Nesse ponto o Flamengo ganharia muito. Aliás, o time já tem uma categoria de base bem ativa e com certeza pode trazer dali alguns atletas para fortalecer o time principal. Afinal, craque o Flamengo... vocês sabem. E quem é contra qualquer projeto que visa fortalecer o esporte nacional? Muito melhor, mais econômico e produtivo que sair pagando fortunas para atletas consagrados, é pegar um time feito em casa, trazer algumas peças pontuais para dar liga e experiência e botar a prata da casa para jogar. Com isso, consolida o projeto, revela atletas e aumenta receita de escolinhas e afins. Inclusive, se o Flamengo optar por começar com a base já será um grande negócio para marcar território. Depois, mostrando que a parada é séria, vai ter jogador fazendo fila na porta para jogar em um time que não vai acabar depois de um ano. O Flamengo precisa mostrar que não é aventureiro (embora, no Brasil, qualquer projeto esportivo além do futebol é uma aventura), mas um time sólido. E Superliga, com projeto, só se ganha depois de alguns anos. O Cruzeiro é o que é hoje porque roeu muito osso no início. A outra opção é derramar um caminhão de dinheiro e montar uma sucursal da Seleção Brasileira.
Calendário: Ponto crítico. A Superliga vai de agosto/setembro até abril/maio. Só São Paulo tem um estadual forte. Minas é um par ou ímpar entre Cruzeiro e Minas Tênis e o resto do Brasil não tem nada. Como ocorre em muitos times, periga os jogadores ficarem treinando e disputando amistosos até começar a Superliga. E se forem eliminados antes dos playoffs, corta uns dois meses desse calendário. Uma sugestão seria montar a equipe e ir para os EUA ou Europa disputar torneios de pré-temporada. Daria uma boa bagagem.
Resumindo, acho que seria muito bom o Flamengo voltar a jogar a Superliga. E com certeza os dirigentes sabem de tudo o que falei aí em cima. Isso é mais para o pessoal de fora, que não conhece bem como funcionam as coisas e acha que basta botar a camisa em quadra que a torcida fora faz o resto. Não é. Mas que seria um espetáculo ver a Nação dominar o Maracanazinho em mais uma final, isso seria. Imagina, Flamengo campeão mundial de futebol, basquete e agora vôlei?