Primeiro é preciso admitir que se você for falar de “ética”, “profissionalismo” ou qualquer outro conceito desse tipo, não vai sobrar ninguém na discussão.
De um lado temos um treinador que abandonou uma seleção no meio da repescagem da Copa do Mundo e que, quatro dias antes de assinar contrato com seu novo time, tinha seu agente garantindo que ele permaneceria onde estava. Do outro lado temos um treinador que se oferece, através da mídia, para assumir um clube que já tem treinador, isso sem deixar de criticar o trabalho desse outro profissional.
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No meio disso tudo, é claro, temos uma diretoria pressionada que foi até outro país assediar, também publicamente, um treinador que já estava empregado, assinou com outro, mas aí quando o primeiro treinador voltou a estar disponível no mercado ela continuou mantendo contato.
Ou seja, entre Paulo Sousa, Jorge Jesus e Marcos Braz temos profissionais experientes, já de certa idade, e que não podem ser, a menos que alguém tenha curado uma criança doente de ontem pra hoje, acusados de serem santos.
Então deixando de lado a questão ética da coisa – que obviamente está toda errada, mas vem sendo abordada por parte da mídia como o primeiro crime jamais realizado neste jardim do éden esportivo que é o futebol brasileiro – o que surge é a verdadeira, e talvez mais importante questão no meio disso tudo: trocar Paulo Sousa por Jorge Jesus, neste momento, seria bom para o Flamengo?
Por um lado teríamos o retorno desse que é o verdadeiro Dom Sebastião rubro-negro, o homem que dirigiu o time no melhor ano da era pós-Zico, o cidadão que transformou o Flamengo numa máquina ofensiva e eficiente de levantar taças. Com Jorge Jesus vimos um futebol que não víamos há décadas, conquistamos coisas que outrora pareciam impossíveis e tivemos um Flamengo que em campo finalmente conseguiu ser do mesmo tamanho que é fora dele.
Por outro lado existe não apenas o atestado de amadorismo que a demissão de Paulo Sousa traria – imagine fixar uma multa de 20 milhões de reais para demissão de um treinador e aí colocar ele na rua assim que outro se oferece – como a cada vez mais clara percepção de que, ainda que o trabalho de Paulo Sousa seja sim fraco até agora, ele não é o único problema do Flamengo em 2022.
Temos um departamento de futebol com cada vez menos comando e convicção, que montou um elenco cheio de deficiências, com renovações confusas e atletas sem condições de permanecer no clube. Temos um departamento médico que em 2019 parecia capaz de ressuscitar um jogador falecido em 4 semanas mas que agora demora meses para resolver qualquer lesão e entrega jogadores que irão imediatamente se lesionar de novo. Temos falhas individuais grotescas que sinalizam, ou uma queda técnica de jogadores que anos atrás vinham bem, ou questões psicológicas que a diretoria parece ignorar, como se apenas problemas pessoais graves justificassem o contato do atleta com um profissional de saúde mental.
Ou seja, ainda que um possível retorno do nosso antigo treinador pareça sedutor diante do fraco futebol do Flamengo de Paulo Sousa, é preciso lembrar que, ainda que se chame Jesus, Jorge não iria resolver todos os problemas do Flamengo sozinho. O futebol rubro-negro, seja com Paulo Sousa, Jorge Jesus ou Pep Guardiola, precisa ser reestruturado em vários níveis, desde sua direção até a preparação física, passando pelo setor médico e até financeiro.
O fato de que estamos, em pleno mês de maio, discutindo a demissão de um treinador que chegou em dezembro, para recontratar um técnico que saiu, por vontade própria, dois anos atrás, é apenas um reflexo da bagunça que esse Flamengo, que em 2019 sonhava em se tornar hegemônico, acabou se tornando.