Jorge Jesus no futebol brasileiro: bom futebol aliado a resultados
Paixão pela camisa e pelo jogo: Jorge Jesus com certeza está ajudando no processo de mudança de mentalidade no futebol brasileiro
O que você vai encontrar neste artigo:
– Jogar feio e ganhar ou jogar bonito e perder é um dilema superado
– Nos últimos anos equipes pragmáticas venceram e deixaram uma falsa impressão
– Em 2019, a nova diretoria optou por grandes jogadores com muito poder de decisão
– A escolha de Abel Braga sinalizou que a nova diretoria seguiria a cartilha rezada por Palmeiras, Corinthians e Cruzeiro
– Porém, a torcida do Fla não aceitaria essa filosofia de futebol de resultado
– Com Jorge Jesus, finalmente tudo e muito mais do que a Nação esperava foi encontrado
– E hoje o torcedor do Flamengo não tem do que reclamar: tem as glórias e também tem o prazer de ver o seu time jogar
Por Marcelo Portella
Uma discussão que sempre faz parte das resenhas de futebol: jogar feio e ganhar ou jogar bonito e perder? Não raro vemos comentaristas com visões mais simplistas defendendo que “futebol é bola na rede”, “o que interessa é botar na casinha”, “o que importa são os três pontos”. Óbvio que não é possível escolher, pois nenhuma destas formas garante absolutamente nada. E ainda que houvesse qualquer garantia, a escolha seria sempre pela opção que traz a vitória.
De 2016 pra cá, quando a meu ver essa discussão ficou um pouco mais debatida, tivemos: Palmeiras do Cucabol e de Felipão levantando o Brasileiro em 2016 e 2018, respectivamente. Corinthians de Carille (esse com um futebol não tão feio assim, mas focado em uma defesa forte) campeão brasileiro de 2017. Cruzeiro de Mano Menezes campeão da Copa do Brasil em 17 e 18. Treinadores no melhor estilo futebol de resultado que tiveram êxito e foram ovacionados por grande parte da mídia.
Com um elenco recheado de jogadores dispensados de outros clubes, o Grêmio de Renato Gaúcho tentou fugir dessa “caixinha” e apresentou um bom futebol e com ele ganhou a Libertadores de 2017. Em 2018 e 2019, por vezes demonstrou um futebol vistoso, embora não tenha conquistado nada relevante.
O Flamengo de intensa troca de treinadores de 2016 até 2018 (Zé Ricardo, Rueda, Carpegiani, Barbieri e Dorival) oscilou sobre o que queria buscar. Em alguns momentos apresentou um bom futebol (principalmente em 2018 com Barbieri e depois Dorival), mas faltou um algo a mais. Poder de decisão.
Em 2019, com uma nova diretoria, o Flamengo meio que tentou buscar uma receita que deu certo em seus rivais. Para ser mais exato, tentou imitar a estratégia do Palmeiras. Também trouxe um treinador de vestiário, com currículo, com experiência: Abel Braga. E deu a ele o que os antecessores não tiveram – pelo menos não em tanta abundância: jogadores com qualidade e poder de decisão. E talvez, depois de muito tempo, parte da torcida do Flamengo começou a entender que resultado e bom futebol não são coisas comparáveis e muito menos excludentes. São independentes.
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Abel ganhou o Campeonato Carioca, ganhou a Taça Rio, se classificou em primeiro do seu grupo na Libertadores, deixou o time com uma classificação encaminhada nas oitavas de final da Copa do Brasil (venceu a ida contra o Corinthians por 1 a 0) e ganhou até a Copa “Mickey”. Nada disso impressionava ou convencia o torcedor rubro-negro. Parte da imprensa, talvez cega ou talvez dissimulada, não entendia a insatisfação da torcida com resultados “tão bons”. Parecia difícil de entender. Mas não era.
O Flamengo obtinha resultados, mas o torcedor sabia que, à medida que as competições afunilassem e os adversários fossem se tornando mais difíceis, o time dificilmente iria longe com o futebol apresentado e com as ideias de jogo do seu treinador. Isso ficou evidente na irregular campanha da primeira fase da Libertadores e principalmente, no início mediano da equipe no Campeonato Brasileiro com as famigeradas “derrotas normais”. Derrotas normais não fazem um time campeão de pontos corridos. Perder fora de casa para 11, 12 clubes do futebol brasileiro em termos de tradição é algo completamente normal e o time que faz o normal, quando muito, termina no meio da tabela.
Não era esse o foco do Flamengo. Não era esse o objetivo com tamanho investimento feito.
Veio então Jorge Jesus. Vieram também mais quatro reforços. Dois consagrados que chegaram para ser titular, Rafinha e Filipe Luís, e outros dois que não se sabia exatamente o que se esperar deles, Pablo Marí e Gerson. Os quatro rapidamente foram integrados ao time titular e deixaram ainda mais forte o elenco rubro-negro.
O Flamengo rapidamente mudou e em pouco tempo assumiu a liderança do Campeonato Brasileiro com goleadas e vitórias convincentes. Passou com facilidade pelos rivais brasileiros na Libertadores, tendo enfrentado mais dificuldade contra os rivais sul-americanos (no caso do Emelec, ainda início de trabalho de Jesus e com muitos desfalques).
Jogadores que já haviam começado o ano muito bem como Bruno Henrique e Gabigol tiveram sua qualidade maximizada. Arrascaeta tornou-se titular e um dos protagonistas, Arão, de jogador execrado virou jogador imprescindível. O futebol apresentado encantou torcedores, mídia (até as mais descrentes) e fez rivais terem que torcer o nariz ao reconhecer nossa supremacia. Comentaristas ficaram boquiabertos com o futebol apresentado e começaram a fazer comparações com equipes históricas do passado. Tamanha era a carência do futebol brasileiro em times que jogassem futebol.
A própria torcida do Flamengo, mesmo parte dela incomodada com o estigma do “cheirinho”, já tinha orgulho do seu time antes mesmo dos títulos serem consumados. Era o retorno de um futebol de imposição, de busca incessante ao ataque, aliado à marcação forte e eficiente e claro, aos resultados.
Óbvio que o ótimo plantel do Flamengo foi fundamental para que tudo desse certo. Jorge Jesus mesmo admite isso ao explicar porque não aceitou propostas de Vasco e Atlético-MG e também ao dizer que só aceitaria uma volta a Europa para dirigir times que lhe deem condição de conquistar a Champions. Material humano sempre será importante no futebol.
Mas a mentalidade do treinador aliada à sua competência fizeram tudo isso se tornar possível. É lógico que em alguns jogos, o time pode não ter desempenho e ainda assim conseguir a vitória e essa vitória suada será sempre celebrada (como, por exemplo, o jogo contra o Botafogo no Engenhão com gol do Lincoln). Mas esses jogos têm que ser a exceção, não a regra.
O auge do bom futebol apresentado pela equipe de Jorge Jesus foi posto à prova na final do mundial contra a melhor equipe do mundo, o Liverpool. O Flamengo não venceu. Empatou no tempo normal e perdeu na prorrogação, até de maneira justa.
Mas mais uma vez deixou muita gente estupefata com o nível de competitividade tática apresentado pela equipe. Foi inegável que o time perdeu jogando bem. Uma equipe que praticamente só foi mais agredida nos minutos iniciais de cada tempo e ficou por aí. Um time que teve a bola e ditou o ritmo do jogo em muitos momentos da partida, principalmente no primeiro tempo. Independente da derrota, perdeu jogando futebol. Se buscasse jogar feio, provavelmente também perderia (e mais facilmente). Daí o orgulho de grande parte da torcida, mesmo com a derrota.
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Se um time joga mal e vence, parece ótimo, a equipe conquistou os três pontos. Se ele joga mal de novo e continua vencendo, você precisa se atentar para o nível de adversário que está sendo enfrentado. Você pode jogar mal e vencer algumas vezes, mas se você não se convencer de que o time está jogando mal e não buscar melhorar, lá na frente, o que realmente importa que são os títulos, estes não virão.
A forma mais fácil de se vencer é jogando bem. Jogando bem você estará mais próximo da vitória. Você não tem nenhuma garantia de que vencerá jogando bem, mas também não a tem se jogar mal. Jogando mal você pode até vencer, mas estará mais perto de fraquejar do que de triunfar.
Esse é o ponto deste texto. Não é romantismo de jogar bonito, de dar espetáculo. É o conceito de jogar bem, de jogar um bom futebol. Extrair dos seus jogadores o máximo que eles podem dar. Ou talvez extrair até mais do que eles aparentam poder entregar.
É inegável que o Flamengo tem um grande plantel, mas o plantel sob o comando de Jorge Jesus parece bem mais forte do que avaliávamos quando os jogadores foram contratados. Jorge Jesus preza pelo jogo bem jogado. Não necessariamente um jogo bonito. Sim, um jogo bem jogado, com qualidade, com intensidade, com posse de bola, com agressividade e também com agressividade defensiva.
Jorge Jesus mudou isso no Flamengo. E com certeza está ajudando no processo de mudança de mentalidade no futebol brasileiro. O futebol não pode ser apenas a paixão pela camisa. O futebol tem que despertar paixão também pelo jogo. O jogo precisa ser bom.
E hoje o torcedor do Flamengo não tem do que reclamar. Tem as glórias e também tem o prazer de ver o seu time jogar um grande futebol.