Há uma relação totalmente diferente do torcedor do Flamengo com o gol de falta. O rubro-negro idolatra a bola parada. E não existe muito mistério quanto ao início desse romance. Foi Ele (Ele, Ele, sempre Ele!) que incutiu nos corações flamengos este feitiço.
Um longo jejum de gols de falta incomoda por si só, e sua existência naturalmente poderia ser explicada por um período de vacas magras, excesso de pernas-de-pau, abundância de ruindade em campo, certo?
Não foi o caso. Quando o último tento da categoria foi assinado por Diego, contra o Paraná Clube, no Maraca lotado em 10 junho de 2018, o Flamengo disputava o topo da tabela do Brasileirão e já era um time temido em qualquer mata-mata. Encontrava-se na fase final do seu restabelecimento financeiro, com um futuro esplêndido pela frente.
Desde então, a seca. Uma maldição? Nem tanto. Uma mancha a sujar por sua ausência a estética futebolística revolucionária do Mestre Jorge Jesus? Sem dúvidas.
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No início, claro, ninguém poderia prever que aquela batida feia, com a bola desviada na barreira, deixaria saudade. E mais: após um tempo seria relembrada com sofreguidão, nostalgia nervosa; o destino a pregar uma zombaria conosco. Em tempos de vacas gordíssimas, um jejum desse de “doer os estrômago”!
Isto porque cerca de um ano depois da empetacada de Ribas inicia-se mais uma nova fase gloriosa do Fla. Com a chegada do Portuga, jogo após jogo, admiradores e contratorcedores do Flamengo testemunharam o surgimento de mais uma time hipnótico do clube que mais arrebata no Brasil.
Contudo, logo percebe-se que entre tramas incríveis, que terminavam em gols inesquecíveis e encantadores, um tom alegre da sinfonia estava inaudito no frenesi daqueles loucos dias.
Onde estaria o Urro do Gol de Falta que Revive Zico em Nossos Corações? Quantos de nós tentamos achá-lo a cada bola presa na barreira, no chute que se ia longe, esvaziando cada vez mais nosso coração saudoso?
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Como um bálsamo que cura gerações, a Libertadores foi reconquistada. E antes mesmo que nossos jogadores desembarcassem no Brasil com a Glória Eterna em mãos, o Hepta já estava em plena comemoração…
Em 2020 explode a pandemia. E com ela a paralisação dos jogos em prol da luta pela sobrevivência. O ano mais louco do resto de nossas vidas se arrasta, o futebol é retomado a fórceps e o Brasileirão avança por 2021. O Mengo toma pra si o octacampeonato brasileiro nos instantes finais da contenda, sem gols de falta.
Até que 1.221 dias depois surge, das entranhas genealógicas do Clube de Regatas do Flamengo, um doce menino. Seu nome é Andreas Pereira, de Flandres, da Bélgica. Contra o Juventude, no Maracanã, um reencontro com a história que se constrói desde 1895, no remo. Com o Príncipe Andreas em campo, o estupor das redes estufadas fora finalmente revigorado.
O que foi aquilo, perguntaram-se os pouco menos de sete mil torcedores que puderam ir ao estádio e os 42 milhões que ficaram em casa. Uma Folha Seca a la Mestre Didi, diriam os antigos.
Confesso que vi o Zico batendo no replay. Juro. Insanidade, claro. O urro que cura todas as dores foi ouvido daqui de casa e da sua também. O terceiro gol da noite, o primeiro com fogos estourando.
E sabe de uma coisa? Por um golaço assim eu esperaria todo esse tempo novamente. Pronto, falei.