Há uma longa história por trás deste Flamengo em outro patamar

18/08/2020, 21:34
flamengo

Levamos o clube a outro patamar. Estamos em um momento chave e somos, sim, agentes desse destino. Depende de nós. O que será do Flamengo?

Blog do Téo | Téo Benjamin – Twitter: @teofb

O Flamengo não chegou onde chegou por acaso. Não foi sorte. Não cavaram um poço e saiu petróleo. Se hoje almejamos um time campeão, falamos em outro patamar e os adversários temem uma hegemonia, há uma longa história por trás. Alguns momentos são chave. Estamos vivendo um deles.

Há quase oito anos o Flamengo se reimaginou. Torcedores, dirigentes, conselheiros, todos aqueles que constroem o clube se uniram em torno de um projeto de longo prazo que vai contra todos os mecanismos de incentivo que vemos por aí. É muito difícil ser eleito para qualquer coisa no Brasil (e no mundo, aliás) declarando: “Eu não vou ganhar. Pelo menos não agora. Vou criar as condições para que possamos ganhar.”

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O Flamengo conseguiu acreditar em um projeto assim. Tanto acreditou, que reelegeu essa ideia depois de três anos ruins dentro de campo. Por incrível que pareça, foi logo o Flamengo, o maior e mais caótico clube do Brasil, que conseguiu dar esse passo tão difícil. Conseguiu se repensar profundamente.

Mesmo com diferenças importantes, Landim e Lomba representavam, nas eleições rubro-negras em 2018, a continuidade daquela ideia nascida em 2012. Juntos, tiveram 98% dos votos. Essa ideia se tornou o próprio Flamengo. Com ela, alcançamos outro patamar.

Não foi por acaso. “Projeto” é uma palavra jogada ao vento no futebol. Tão solta que já até perdeu o seu significado. Mas, nesse contexto, é a palavra correta. O Flamengo confiou em um projeto de longo prazo, em uma ideia para si. Se transformou a partir daí. Mas o Flamengo ferve. O Flamengo sempre ferve. Todo mundo sabe que ele ferve.

Nesses momentos, sempre surge uma encruzilhada. O clube pode jogar o projeto pela janela e dar uma guinada ou pode respeitar os processos e esperar o amadurecimento desse projeto. Não estou falando aqui de morrer acorrentado a ideias quaisquer. Se ficar claro que as ideias são ruins, que as decisões foram erradas, é preciso mudar!

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Mas o Flamengo se reinventou justamente quando teve paciência para ver um projeto desabrochar. Jorge Jesus se foi. Por maior que seja a saudade, ele não voltará. Um novo ciclo se inicia com a tarefa árdua de ser comparado com o projeto mais vencedor das últimas décadas. Repito aqui: o mais interessante da chegada de Domènec Torrent ao Brasil é que ela foi fruto de um processo meticulosamente pensado. Não foi um nome que surgiu do nada, uma preferência vaidosa de um dirigente. Foi parte de um projeto maior. Porém, é claro, o Flamengo ferve.

Depois de duas derrotas, muita gente já queria explodir o projeto. Choveram conclusões definitivas.

Esse é o momento chave. A encruzilhada. Qual Flamengo queremos ser?

Só nós podemos decidir. Afinal, nós somos o Flamengo. Antes de mais nada, precisamos entender que esse projeto se inicia durante o campeonato mais atípico de todos os tempos.

É o campeonato com duas janelas de transferências europeias no meio, é o campeonato com uma maratona insana de jogos. É o campeonato em que um time pode perder dezenas de jogadores de uma hora para outra pelas infecções do vírus. É o campeonato que vai varar o verão, com jogos em dezembro, janeiro e fevereiro durante o pico de performance.

Um campeonato absolutamente imprevisível! Muita gente reclamou quando eu afirmei, depois da derrota para o Atlético-MG, que a condição do gramado do Maracanã era o que realmente me preocupava.

Mas o raciocínio é simples…O Flamengo fez um jogo perfeito na estreia? Não. Havia coisas a melhorar? Muitas.

Mas todas elas eram possíveis de melhorar – até rapidamente. A única coisa que tende a piorar com o tempo é o gramado, que já não está bom. Afinal, teremos uma maratona de jogos no estádio. Contra o Atlético-GO, o time fez uma partida muito ruim. Jogou muito abaixo do que pode em todos os aspectos. Foi mal tecnicamente, taticamente, fisicamente e psicologicamente.

Um desses fatores realmente preocupa… É possível melhorar a parte técnica, conversar para ajustar a parte tática, trabalhar para evoluir na parte física. Tudo isso rapidamente. No entanto, se houver uma ruptura na parte psicológica, é muito difícil recuperar. No ano passado, uma das principais características do time era justamente o controle mental. A consciência que o Flamengo demonstrou em partidas importantes era impressionante. Um time absolutamente seguro, inabalável.

O elenco já mostrou que é forte nesse aspecto. Nos dois primeiros jogos do Brasileiro, por outro lado, vimos um time afoito, desconfortável, apressado… Um time que perdeu o controle do jogo. Isso também dá para melhorar – e até já melhorou bastante no terceiro jogo em Curitiba. Porém, se nós, torcedores, criarmos um ambiente de pressão insustentável dentro do clube, será muito difícil evoluir.

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Se o time perder a confiança em si, ou no trabalho do treinador, ou na diretoria, já era. Seria muito difícil recuperar. Seria jogar o projeto pela janela. O time é muito bom. Sabemos disso. O campeonato está só no começo e é completamente atípico. Muitas reviravoltas virão. A única coisa que podemos controlar é o nosso próprio comportamento diante dos altos e baixos. O nosso pensamento de longo prazo.

Cabe a nós, portanto, a manutenção das condições que nos trouxeram até aqui. Levamos o clube a outro patamar quando repensamos profundamente o caminho. Estamos em um momento chave e somos, sim, agentes desse destino. Depende de nós. O que será do Flamengo?


Téo Ferraz Benjamin
Autor
Escrevo as análises táticas do MRN porque futebol se estuda sim! De vez em quando peço licença para escrever sobre outros assuntos também.