O fogo que ferve a sopa

23/11/2021, 22:27
Flamengo


Flamengo é o nome do excesso de vermelho, da flama — e antes que alguém me corrija, citando o neerlandês vlamingen, vi num dicionário que vlam também é chama. No fundo, tudo se ajeita. O fogo é a razão deste clube (e já disse mil vez que o Brasil em brasa se abraça às flamas de seu principal clube e que a bandeira da pátria deveria ter ao menos uma estrelinha vermelha — e que o país não se tornará grande de fato enquanto não ajustar esse detalhe semântico em seus símbolos).

O Palmeiras é a homenagem às árvores da família Arecaceae, plantas com flor monocotiledóneas da ordem Arecales, com cerca de 2600 espécies, entre as quais plantas muito conhecidas, como o coqueiro e a tamareira. Sim, palmeiras são importantes. Quem não tomou buriti e comeu açaí geladinho, não fritou o frango no azeite de dendê, não comeu o palmito na salada ou não se deliciou com um incrível coco branquinho e crocante? Palmeiras são importantes para a economia do país. E merecem mesmo todas as homenagens.

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Mas o fogo não é uma das inúmeras plantas que a humanidade em sua história resolveu comer pra ver se era gostosa – o fogo é um fenômeno elementar em todo o universo. E graças àquele Prometeu, amigão do povo, que nos forneceu este conhecimento fundamental para a humanidade (e depois ficou uns 30 mil anos se lascando na picada dos abutres), é que os humanos puderam evoluir, construir cidades e inclusive ferver o palmito, as batatas e todo o resto, pra sopa de todas as noites.

E esta semana, na final da Copa Libertadores, teremos um combate estético e histórico. Mais do que um embate futebolístico, uma mera final de copa, teremos um embate entre universos tão diversos. Sei bem disso, caro leitor. Vi com os meus olhos.

Flamengo
Foto: Flamengo

Vivo aqui, em São Paulo, no canto do mundo onde mais palmeirenses se reproduzem. Meu pai mesmo é palmeirense. Minha esposa o era, quando a conheci. Seria o meu caminho natural, não fosse a beleza estonteante e hipnótica do Flamengo e sua torcida. Tornei-me Mengo ao completar seis anos e, desde então, por quatro décadas, tenho vivido entre inimigos: ouço suas palavras, vejo nítida a inveja em suas palavras, em todas as sílabas, o rancor escorrendo na baba mole. Sinto perplexo o quanto lhes dói perder do Mengo e o quanto se excitam na vitória, com doentia fúria.

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Toda essa rivalidade entre Palmeiras e Corinthians é meio que a zanga que irmão tem de irmão. É a briga entre vizinhos, gente próxima que vive a brigar mas se ajeita quando é noite de natal e se encontra na missa de domingo. É aquela raiva de quem se vê demais, se enjoa, gente que discute por causa da marmita, por causa do banco do ônibus, por causa de namorada.

Mas o ressentimento palmeirense em relação ao Flamengo é de outra ordem. É a raiva do xenófobo, aquela aversão sem fronteira e sem alianças, é a raiva que é de inveja e é de juntar cada ponta de suas frustrações numa única seta de lança. Assim, sei bem o quanto a eventual derrota os ferirá, para sempre talvez. Viverão eternamente sem descanso com o olhar bestial daqueles que apenas desejam a vingança.

Quem nasceu para a salada, jamais estará no fogo que constrói e destrói toda a vida. Nesta semana, o Flamengo precisa queimar cada planta que houver, sabendo que na mesma proporção que verá a alegria de sua gente, em maior proporção sentirá o ódio dos derrotados, aquela cólera de consumir e deixar ainda mais feio. Ainda mais.

Orra, é Mengo!

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Mundo Rubro Negro
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Notícia e opinião de qualidade sobre o Flamengo desde janeiro de 2015