Acabou a confusa Liga Brasileira de Futebol de 2048. Após 76 rodadas, o Flamengo comemora a 18ª colocação, conquistada depois de um empate heroico em plena Trapiche Arena diante do CSA.
Na Gávea, Enzo Lucas D’Aubert, VP de Marketing do Flamengo Business & Sports não comemora. Está diante do ultimato recebido do presidente Dyda, um robô dotado de inteligência artificial programada com base nas interações com os partners-torcedores: voltar a ser o clube mais popular do país.
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A liderança, perdida há sete anos, assombra a Gavya, sede recém-batizada após o levante de 2046, onde os temidos MulamBoss, grupo rebelde formado por anti-partners (cidadãos cariocas sem registro de retina, obviamente excluídos do programa partner-torcedor, e out-rios, especialmente norte-nordestinos), invadiu, roubaram os troféus do antigo clube e destruíram toda arquitetura fajuto-futurista, incluindo a piscina gelatinosa recém-adquirida das empresas de Elon Musk Jr, o presidente mundial da Terra.
Como reverter o quadro? D’Aubert amplia o holoGráfico à sua frente e extrai os dados mais significativos, o início da década de 20. 2020: ali aparecem os primeiros números da derrocada. Olha pro teto em 6k que exibe imagens ininterruptas de antigos dirigentes e pergunta: “Por que vocês não fizeram nada? Nós éramos os maiores, de Norte a Sul!”
D’Aubert, pela primeira vez em anos, tem razão. Quando as ultrapassadas pesquisas começaram a apontar uma estagnação no número de torcedores, os dirigentes do antigo Clube de Regatas riram: “Temos o maior contrato de TV, o maior patrocínio esportivo, somos os maiores nas redes sociais” – é o som da entrevista em áudio quantum-surround que invade a sala na Gavya.
A miopia rei-solar impediu que os antigos maias rubro-negros, agora extintos (alguns pelas mãos vingativas dos MulamBoss), enxergassem a realidade que se desenhava: o “resto” do Brasil também tinha acesso às novas tecnologias, também produzia conteúdo, também consumia… hábitos e ferramentas característicos da época. E, ignorados pelo clube de futebol que lhes despertou amor, também ignoraram quando seus filhos e netos escolheram outros times pra torcer.
Naquela pitoresca época, os então chamados “clubes locais” passaram a investir em marca, conteúdo e interação, algo que os clubes europeus dominavam há vários anos. A concorrência era dupla: a paixão local, inflamada pelos grupos neo-xenófobos, que abominavam tudo que não vinha de seus estados (especialmente nordestinos) e a paixão europeia, com distâncias encurtadas cada vez mais pela tecnologia.
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Não foi preciso mais que uma década de bombardeio incessante dessas duas frentes para que os números começassem a preocupar o Flamengo. No final dos anos 30, com a implementação da leitura de retina nos cidadãos brasileiros, o horror, o horror… pesquisas de opinião foram substituídas por respostas em tempo real. Cada marca saberia na hora qual seu grau de interação com seu cliente.
E a marca Flamengo foi duramente golpeada pelos números: estava empatada, pela primeira vez na história, com o extinto Corinthians, clube que simbolizou o fim de práticas escusas no futebol fechando suas portas em 2043. Dali para a perda de liderança e espaço para os locais e europeus, foi um salto quântico.
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Os holoGráficos dos últimos sete anos passeavam diante dos olhos de D’Aubert. Sabia a razão do fracasso, sabia que nem os saudosos Hepta de 2018, o Octa de 2020 e o Enea de 2021 conseguiriam alterar a dura realidade diante de si. Sabia que a bonança financeira que se seguiu com títulos, grandes jogadores e a histórica volta do então melhor jogador do mundo, Vinícius Jr, em 2023, não se sustentaria diante da perda da hegemonia de torcedores-clientes, como eram chamados na época.
Há 7 anos sentava para negociar contratos desesperadamente, usando a expressão que seu bisavô lhe ensinara: “com o pires na mão”. Trazia consigo somente os números: a quinta maior torcida do país, a décima nona em partners-torcedores (a maioria exclusivamente por causa da incendiada piscina gelatinosa) e a ameaça constante de novos ataques dos MulamBoss. Desesperado, acionou o call que vinha evitando: o bot da Parallel Corp atendeu.
No dia seguinte, o Flamengo Business & Sports amanheceu sem cloud-coins em seus registros. ZERO cloud-coins. O presidente Dyda, acionando os dados da noite anterior, imediatamente entendeu o que se passava. Sabia que era seu último dia no posto. A partir daí, com a realidade alterada que seu VP comprou com a Parallel Corp, na maior negociação da história das mudanças de realidade, tudo se modificaria. Curioso, quis conhecer a nova vida que sua não-existência não permitiria: “D’Aubert, pra que ano você voltou?”
Do outro lado do call, esperando ser teletransportado a qualquer momento para um antigo boteco comemorando o Icosacampeonato do “novo” Clube de Regatas Flamengo que surgiria no dia seguinte, ele respondeu: “Pra 2013, Dyda. Conversei com a galera lá, os dirigentes. Mostrei o futuro. Pedi pra investirem no sócio-torcedor. No off-Rio. No povo. Na alma do Flamengo. É isso que nos fez maiores. E é isso que nos fará maiores eternamente”.
O presidente Dyda desligou feliz. Como último feito, precisava registrar na história, mesmo alternativa, o ato de heroísmo de seu VP. Pediu que um funcionário colocasse um novo tijolinho no Muro das Lamentações Rubro-Negras, sítio arqueológico preservado após o ataque à sede. Sem entender, o funcionário encaixou o tijolinho onde se lia: homenagem a Enzo Lucas D’Aubert, rubro-negro anônimo. E no final daquele dezembro, a Nação comemorava então, mais feliz que nunca, o Ano-Novo de 2049.
Por Graziella. Siga a autora no Twitter.