Futebol é feito de ídolos

Bandeiras da torcida em homenagem a Gabigol
 
No marketing tem uma máxima de que ninguém compra de empresas, compra de pessoas. 
 
Mas e o Flamengo com isso?
 
O Gabigol está saindo do Flamengo e enquanto grande parte da torcida (como eu) está desolada, tem muita gente que passou a ODIAR o jogador. 
 
Não estou falando que não pode criticar ele, eu mesmo já fiz isso algumas vezes. Nem mesmo estou dizendo que seria obrigatório ter ele pra sempre no Flamengo (apesar de eu ser a favor disso). Tanto que no fim de 2023 eu falei que SE ele não ia continuar no Flamengo depois de 2024, a janela de vender o jogador era aquela. 
 
Se você odeia o Gabigol mas, por algum motivo, ainda está lendo, vou te explicar porque EU tenho ele como um ídolo até hoje e sempre.
 
Não vou falar de 2019, da reta final do Brasileirão de 2022, do inferno, dos pênaltis contra o Corinthians nem da final contra o Atlético. Até porque, pra ser ídolo nem precisa, necessariamente, empilhar taças, como o Gabigol fez.
 
Quando o Gabigol chegou no Flamengo eu estava longe de ficar animado com a contratação. Obviamente era melhor que o Pablo (plano A), mas ele ainda não era um jogador consagrado, mesmo que artilheiro. 
 
A sinergia do Gabigol com o Flamengo foi uma das coisas mais absurdas que eu já vi. Na época das plaquinhas "Hoje tem gol do Gabigol" ele se alimentava disso pra fazer gol todo jogo e a gente levantava mais plaquinha pra ele fazer mais. Em vários vídeos a gente vê o Gabigol curtindo a torcida que curtia o Gabigol ao mesmo tempo. E a comemoração? O Brasil inteiro fazendo muque, inclusive crianças que torciam para times rivais. Ninguém resistia a isso. 
 
Até quem odiava o Gabigol, lá no fundo, queria ele no seu time. 
 
Também não vou entrar nos detalhes da saída dele, que começou num contrato fechado que depois teve a volta atrás do presidente que já fez isso várias outras vezes, talvez por um trauma de ter sido passado pra trás por ter acreditado em um autógrafo num guardanapo. Infelizmente já aceitei que vai sair e também sei que depois do início da treta, ele também teve seus vacilos.
 
Mas aí eu vejo Gabihater chamando ele de aposentado, gordo, bêbado e ainda falam de privilégios que eu nunca vi. De ser baladeiro mesmo sem ninguém encontrar ele em festas. De ter focado demais na carreira de músico mesmo sem dar shows nem lançar músicas (até outro dia). Criaram um espantalho de um atleta decadente que, pra mim, é bem diferente de um jogador que teve um segundo semestre ruim, ano passado, e esse ano mal teve chances de se recuperar por ter sido vítima de um dos maiores inimigos do Flamengo (talvez mais de um, mas eu mirei no Tite). 
 
Ídolo é aquele que tem a famosa aura. E isso pode vir de um Obina, não precisa de grife, grandes títulos, nada assim. Não tem explicação, mas é algo que vem junto e faz muita diferença. Principalmente no Flamengo. 
 
O Gabigol é arrogante, como a gente é. Acha que a gente vai ganhar todo jogo, como a gente acha. E, mesmo aos 43 do segundo tempo, sabe que ainda dá, como a gente também sabe.
 
 
Ele era a gente em campo. Aquele tipo de jogador que é decisivo, sabe que é decisivo e os adversários respeitam ainda mais por isso. A bola do jogo é nele, e ele faz.
 
Também nunca vi um jogador tão midiático. Ele fez 3 gols e pediu no Fantástico a música que ele ainda nem tinha lançado. Mudava de cabelo criando moda para as crianças imitarem. Criou até não só um sósia, como um mercado inteiro de sósias. A atenção gira ao redor dele. Claro que estar no Flamengo facilita muito isso, mas ninguém conseguiu potencializar isso como ele. 
 
 
Despedida de Gabigol com gol
 
Só uma diretoria inepta para procurar uma briga de narrativas com o atleta que mais entende de comunicação no país.
 
E quem vai ser o substituto dele?
 
Ninguém.
 
Nem o Gabigol de 2019 seria o substituto pro Gabigol de 2024.
 
Isso não acontece de uma hora pra outra. A perda é grave até por isso. Pode ter uma geração inteira passando sem nenhum ídolo desse porte. É raro e é construído. Infelizmente pode ser jogado fora por meia dúzia de egocêntricos.
 
O Flamengo é o Flamengo. Pode dizer que até o Zico vai passar, como disseram.
 
Mas o Flamengo é feito de pessoas. De nós, torcida, e deles, os ídolos. 
 
Tem espaço pro Zico e pro Leandro, que estão numa prateleira inalcançável. Mas tem também pro Gabigol, pro Bruno Henrique e pro Arrascaeta. Pro Obina, pro Brocador, e pode até ter pro Léo Moura, para muitos. Alguns aqui, que viveram as vacas magras (como eu) têm até o Romário como ídolo mesmo sem títulos expressivos pelo Flamengo.
 
Pode ser até o Rondinelli que está marcado até na pele de quem hoje persegue ídolos. Mas, em algum momento, passou pelo que passamos e entendeu como é bom ter um jogador pra idolatrar. 
 
Ídolo é aquele jogador que vira uma referência pra você. Não importa a carreira inteira, não tem que colocar numa régua com outros, nem sequer precisa ser craque. É aquele cara que, pra VOCÊ, traz aquele sentimento bom de conexão com o clube que você torce. 
 
O ídolo fortalece o relacionamento do torcedor com o clube. Assim como a gente não compra de empresas, compra de pessoas, o Flamengo é a instituição que precisa de pessoas para que a gente se conecte ainda mais. Esse rosto muda o tempo todo e às vezes a gente se conecta mais ou menos. Mas essa conexão sempre é o que faz a gente ter uma relação ainda mais passional com o clube.
 
Em 2009 eu me lembro perfeitamente de conversar com vários rubro negros que já se consideravam campeões, mesmo antes do último jogo (normal pra nós) mas que queriam que o Adriano fizesse o gol.
 
Essa é a conexão. O Flamengo já era campeão, mas a gente escolhe quem a gente quer que seja o símbolo daquele momento. O ídolo!
 
E quando veio o gol do Angelim, de alguma maneira, foi ainda melhor. Não foi o Imperador, foi o cara mais humilde do elenco que todo mundo se conecta por motivos completamente diferentes dos do Didico. É outro contexto. Não é o super herói, é o cidadão comum que tá ali no Flamengo como se pudesse ser você. Não tem receita para essa conexão, mas a função do ídolo é dar uma cara temporária pro Flamengo se conectar mais de perto com a gente. 
 
Para desespero dos Gabihaters, nenhum Gabigolzete vai virar a casaca e torcer pelo Cruzeiro. Vamos sofrer, claro. Mas ainda assim, é muito bom ter ídolos mesmo que seja para se despedir deles no final, do que passar a odiar quem te deu tantas alegrias. Os haters foram bem barulhentos nos últimos meses, mas eu acho que foi mais frustração por não conseguirem sentir isso que nós sentimos. E é uma pena para eles, eu curti até o último dia.
 
Obrigado por tudo, Gabigol, volte ao seu auge (menos contra o Flamengo) e volte depois.
 
O gol do Gabigol é diferente.
 
 
 
 

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