Marcos Paulo Neves: Rio-São Paulo 1940 - o título dividido entre Flamengo e Fluminense
O torneio Rio-São Paulo é hoje algo distante da nossa compreensão sobre o futebol brasileiro. Entretanto, como o próprio nome já implica, a competição era marcada pela disputa interestadual entre clubes de Rio de Janeiro e São Paulo.
Antes de ser disputado anualmente, entre 1950 e 1966, o torneio teve sua primeira edição em 1933, outra em 1934 e mais uma em 1940. Esta última é o objeto desse texto por dois motivos: ter sido finalizada pela metade e, além disso, por ter acabado com a dupla Fla-Flu na liderança.
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Ambos os clubes reconhecem de maneira oficial a conquista do torneio, porém não houve o reconhecimento da então entidade oficial, a CBD (Confederação Brasileira de Desportos). Para entendermos essa história, porém, é necessário voltar ao contexto da criação do torneio.
Uma organização conturbada
O anúncio do torneio apareceu no Jornal dos Sports em junho de 1940. O diário passou os detalhes do acordado entre os clubes: torneio de pontos corridos realizado semanalmente alternando entre RJ e SP, à noite e com dois turnos. Os concorrentes seriam oito:
- América
- Botafogo
- Flamengo
- Fluminense
- Vasco
- Corinthians
- Palestra Itália (atual Palmeiras)
- São Paulo
Posteriormente a Portuguesa foi incluída na lista, representando o estado de São Paulo.
Durante o mês de julho os clubes se reuniram mais de uma vez para debater sobre a tabela do torneio. Em dado momento, o Botafogo se mostrou insatisfeito por ter que estrear na competição em São Paulo, contra o Corinthians. O alvinegro carioca desejava começar o campeonato em General Severiano. Mesmo insatisfeito, o então presidente Paula e SIlva concordou em inciar o torneio no antigo Parque Antarctica.
Finalizados os últimos detalhes, o torneio teve inicio no dia 11/07/1940. A partida marcou a goleada do Palestra Itália sobre o América, no placar de 5×1.
Problemas no curso do torneio
Junto com o começo dos matches entre as equipes, alguns problemas surgiram nos jornais. O principal deles era os baixos públicos presentes nos jogos. Em 10/08/1940 o Jornal dos Sports noticiou a insatisfação do Fluminense em realizar os jogos no Pacaembu.
Segundo o tricolor, a partida realizada três dias antes no estádio contra a Portuguesa gerou uma renda bruta de 25:640$00. Desses, 17:272$300 foram destinados à cobertura das despesas da realização da partida. Sendo assim, a renda líquida representava apenas 8:381$00, divididos igualmente no valor de 4:190$500 para cada clube. Mario Pollo, então presidente do Fluminense, manifestou sua vontade de jogar apenas no estádio do Palestra Itália quando fosse a São Paulo.
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Outro caso noticiado pelo Jornal dos Sports alguns dias depois tinha como protagonista o Flamengo. Gustavo de Carvalho, então presidente do rubro-negro, exigiu da organização do torneio que liberasse a entrada gratuita dos sócios do clube para a partida contra o Palestra, nas Laranjeiras. O presidente alegava haver precedente para tal decisão, uma vez que foi permitido a gratuidade aos sócios do Botafogo em ocasião da partida contra a Portuguesa, no Estádio das Laranjeiras.
Joaquim Guimarães, presidente responsável pelo torneio, deixou claro que não acataria o pedido do mandatário rubro-negro, alegando ser contra o regulamento da competição. Contudo, a questão foi resolvida na partida seguinte, quando o Flamengo garantiu a gratuidade para seus sócios na partida contra o Corinthians.
O rápido fim
Os protestos não se restringiam apenas aos cariocas. Os paulistas também se preocupavam com a baixa bilheteria nos jogos. Diante disso, os representantes dos clubes paulistas reuniram-se no dia 14/09 para discutir a suspensão do torneio com apenas metade da competição disputada.
A principal motivação para tal eram as altas despesas, que não eram cobertas pela renda obtida. Além disso, a proximidade do Campeonato Brasileiro de Seleções preocupavam os organizadores do torneio.
De início, os paulistas tentaram negociar com os cariocas uma mudança nos moldes do torneio. Uma das propostas era o adiamento do segundo turno para fevereiro de 1941. Porém, não houve prosseguimento. Os clubes determinaram o fim do torneio, declarando Flamengo e Fluminense campeões, uma vez que dividiam a liderança no momento da paralisação do certame.
Pos. | Participantes | Pts | J | V | E | D | GP | GC | SG |
1º | Flamengo | 13 | 8 | 6 | 1 | 1 | 30 | 12 | 18 |
2º | Fluminense | 13 | 8 | 5 | 3 | 0 | 25 | 15 | 10 |
3º | Corinthians | 9 | 8 | 4 | 1 | 3 | 19 | 15 | 4 |
4º | Palestra Itália | 8 | 8 | 3 | 2 | 3 | 22 | 19 | 3 |
5º | Portuguesa | 7 | 8 | 3 | 1 | 4 | 13 | 23 | -10 |
6º | Botafogo | 6 | 8 | 2 | 2 | 4 | 25 | 25 | 0 |
7º | Vasco | 6 | 8 | 2 | 2 | 4 | 17 | 19 | -2 |
8º | América | 6 | 8 | 2 | 2 | 4 | 15 | 25 | -10 |
9º | São Paulo | 4 | 8 | 1 | 2 | 5 | 11 | 24 | -13 |
Porém, tal ação dos clubes não foi aceito pela organização da competição. Joaquim Guimarães alegou que não distribuiria o troféu para nenhuma equipe, uma vez que acreditava que o torneio continuaria.
O torneio não tem um campeão reconhecido pela CBF. Entretanto, a competição aparece no quadro de títulos nos sites oficiais das duas equipes, demonstrando que a competição é encarada como mais uma das conquistas de ambos.
A campanha do Flamengo
O rubro-negro teve uma campanha fenomenal antes da suspensão do certame. Em 8 jogos disputados, venceu 6, empatou 1 e apenas foi derrotado pelo Fluminense.
Em detalhe os jogos do Flamengo, com os locais e autores dos gols:
- 21/07/1940 (Gávea) – Flamengo 6×3 América – Leônidas (3) e Caxambu (3)
- 03/08/1940 (Laranjeiras) – Fluminense 2×1 Flamengo – Leônidas
- 14/08/1940 (Pacaembu) – São Paulo 2×2 Flamengo – Jarbas e Armandinho
- 21/08/1940 (Laranjeiras) – Flamengo 3×1 Palestra Itália – Jarbas (2) e Castillo
- 28/08/1940 (Laranjeiras) – Flamengo 3×1 Corinthians – Zizinho (2) e Caxambu
- 01/09/1940 (Gávea) – Flamengo 3×2 Botafogo – Castillo, Zizinho e Leônidas
- 04/09/1940 (Pacaembu) – Portuguesa 1×9 Flamengo – Leônidas (6), Castillo (2) e Jarbas
- 15/09/1940 (Gávea) – Flamengo 3×0 Vasco – Jarbas e Leônidas (2)
Em resumo, o Flamengo foi dono do melhor ataque (30 gols) e melhor defesa (12 gols). Ademais, teve o lendário Leônidas como artilheiro (13 gols) e foi dono da maior goleada da competição na vitória de 9×1 sobre a Portuguesa.