Flamengo oficializa limite para Off-Rio, libera políticos e veta reuniões virtuais

28/06/2022, 18:23
Rodolfo Landim na festa de apresentação do Museu do Flamengo

Em maio, o Conselho Deliberativo do Flamengo votou três emendas importantes. Na minha perspectiva, errou em todas elas. Vou oferecer aqui um panorama mais detalhado do que estava em jogo. 

A primeira emenda tratava da necessidade de integrantes de poderes se licenciarem dos seus cargos no clube em caso de disputa eleitoral externa. O licenciamento duraria apenas pelo período entre a candidatura e a diplomação, papo de poucos meses de campanha. 

Por que essa emenda era importante? Para preencher uma lacuna no Estatuto do Clube, que não oferece critério claro para esse caso. Hoje, é preciso se apoiar em artigos genéricos sobre princípios de gestão (Art. 2º, § 1º) e envolvimento do Flamengo em campanha de qualquer natureza (Art. 24º, XIII, que fala de sócios em geral). 

Combinados, esses artigos não oferecem base sólida para lidar com eventuais abusos em campanhas externas. Digo isso da minha cabeça? Não. Basta puxar no Google o que aconteceu com uma representação minha e de outro conselheiro, em 2018, em relação a uma candidatura externa (a de EBM). A representação não andou, travou no órgão de julgamento. E travou pela falta de critério claro. 

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No Flamengo, há três órgãos/conselhos de julgamento: Deliberativo, Administração e Diretor (a “diretoria”). O Deliberativo julga presidentes de poderes e membros do Conselho Fiscal. 

O de Administração, eméritos, membros de mesas e o vice-presidente geral, além de seus próprios membros. O Diretor (a “diretoria”), os seus próprios vice-presidentes (!), sócios de honra, sócios em geral e seus dependentes. 

O artigo 24º (XIII) que citei acima diz respeito ao conjunto dos sócios. Não permite distinção entre quem tem a caneta da mão e um sócio comum. 

Isso quer dizer o seguinte: o que determina o andamento de uma representação sobre uso político do clube é o humor de cada órgão de julgamento. Se a diretoria, num caso muito improvável, quiser julgar um vice-presidente, julga – caso contrário, não prospera sequer o debate. Essa primeira emenda, a da desincompatibilização, de que sou um dos autores, acabou derrotada numa base de 8×5. 

A segunda emenda era sobre a inclusão do sócio contribuinte Off-Rio no Estatuto. Até ontem à noite, o sócio contribuinte Off-Rio era um sócio contribuinte, com direitos adquiridos desde 1995. A diferença do sócio contribuinte local para o Off-Rio era de uso da sede e de preço de mensalidade. Ambos, entretanto, eram sócios contribuintes. 

A partir de ontem à noite, o sócio contribuinte Off-Rio consta no Estatuto do Clube, como categoria própria. Aqui mora o pulo do gato: a partir de ontem à noite, os contribuintes Off-Rio têm um teto numérico. Pelo Estatuto, não podem passar de 1.000. Até ontem à noite, só eméritos (160), beneméritos (120) e grandes beneméritos (30) tinham teto no Estatuto. 

Para o CRF, a partir de ontem, a categoria de sócio contribuinte Off-Rio está sob vigilância especial, controle de entrada. Das três emendas em votação, essa, dos Off-Rio, foi a que contou com maioria mais larga, dispensando até contagem. Papo de 5×1, 6×1. 

É o reflexo de um clube cada vez mais nas mãos dos sócios proprietários, alguns deles desconfiados de quem vem “de fora”. 

A terceira emenda tratava da realização de sessões híbridas em dois conselhos (Deliberativo e Administração). Sob condições limitadas (dispensa de sigilo, por exemplo), o presidente de cada poder poderia determinar a realização de uma reunião híbrida. 

Em casos pontuais, hoje, esses conselhos já empregam mecanismos para participação a distância. O que a emenda fazia era fixar a modalidade híbrida no Estatuto. Essa emenda acabou rejeitada, numa base de quase 2×1. 

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De tudo da noite passada, a maior perda para o Flamengo foi a imposição de um limite para os Off-Rio. É um golpe grave contra a visão de um clube aberto. Muitos, como eu, que morava em São Paulo, começaram na vida política do clube pelo Off-Rio. 

O teto para o Off-Rio não tem nenhum outro efeito que não o cerceamento da participação política. “Ah, mas não há condições de receber todo mundo na sede”: bastaria reduzir o número de dias de visita à sede. 

“Ah, mas como é que pode uma categoria de sócio com direitos políticos ter um valor tão baixo; isso desvaloriza, em contraste, o sócio proprietário”: essa é incrível, já que o Conselho Diretor pode, como já fez, aumentar o valor cobrado aos Off-Rio. 

Não se trata de logística, nem mensalidade. Trata-se de participação. Os Off-Rio, em contraste como qualquer categoria de não-eméritos, têm teto. Precisam agora ser contados. Foram declarados, efetivamente, uma ameaça a um clube dominado por sócios proprietários. 

(Não se trata, tampouco, de manutenção da sede. Se fosse, o Clube não dispensaria o pagamento de mensalidades de sócios que mal a sede frequentam!) 

Será necessário escalar uma montanha para derrubar esse teto no futuro. Não basta ter motivo. Não basta ter voto nem assinatura para proposta. Enquanto os defensores do fechamento do Clube estiverem no controle do debate e dos fluxos do Clube, esse teto não cairá. 

O Flamengo não é dos sócios proprietários. O Flamengo não é dos moradores do Rio de Janeiro. O Flamengo não é brinquedo de ninguém. Será necessário martelar esses três “nãos” por anos, talvez décadas, até conseguir deter tanto retrocesso. 

Em termos de participação e abertura institucional, o Flamengo está tomando o caminho do SPFC. 

Confira depois: Sócios do Flamengo limitam off-Rio com medo deles venderem o clube

A cada aumento expressivo de preço (165% para os Off Rio em 2020!), a cada teto (oficial ou não-oficial) para participação, menos pessoas interessadas na abertura do Clube se envolvem na vida do CRF. Muitos não conseguem arcar. Outros tantos desistem, por não terem mais voz. 

Quem dispara mensalidade e quem fixa teto para Off Rio sabe disso. 

Para aqueles interessados em limitar a vida política do Clube a um jogo mais e mais fechado, comandado por uma maioria de sócios proprietários de algumas partes específicas do Rio de Janeiro, essa é uma forma bizarra de depuração. É isso que o Flamengo virou. 

Tem dúvida sobre essa tal depuração? Verifiquem o que o Clube diz em juízo:

A se aplicarem os mesmos argumentos empregados para embasar o teto para os Off Rio, num futuro não muito distante tentarão também fixar um teto para o número de sócios contribuintes. 

O que “justificará” isso? Medo de “inchaço” (é isso mesmo, perdeu-se a vergonha de defender-se um clube pequeno) e a “valorização” do sócio proprietário. 

Não dá para dourar a pílula: o cenário é desolador e a impressão é a de que o Flamengo ainda vai se fechar muito antes de voltar a se abrir. Mas não há opção que não seja a de lutar por democracia e profissionalismo até o fim.

Existem sócios de fora do Grande Rio em outras categorias: proprietários, patrimoniais etc. Por óbvio, contudo, os sócios de fora do Grande Rio só constituíam maioria entre os Off Rio. 

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Mundo Rubro Negro
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Notícia e opinião de qualidade sobre o Flamengo desde janeiro de 2015